Nação Facebook



Estive a ler a edição da Time dedicada a Mark Zuckerberg, seleccionado para Pessoa do Ano 2010 e criador da rede Facebook, actualmente com mais de 500 milhões de utilizadores activos. No retrato que faz deste génio da era digital, um jovem de 26 anos, a revista americana levanta algumas questões profundas sobre o futuro da Internet na era pós-Facebook. Está em causa uma transformação avassaladora cujos efeitos não são ainda inteiramente perceptíveis mas que em breve poderão tornar-se dominantes do modo como se processa o cruzamento de informação na rede.

Na nação Facebook todos somos amigos. Ao contrário da blogosfera, que pode ser uma paisagem desoladora para quem escreve, o que ali se oferece é uma plataforma de gratificação imediata. O que ali se publica acede imediatamente ao mural do nosso grupo de relações. Os nossos amigos estão sempre lá, prontos para ler, gostar e comentar. Ao contrário da versatilidade que encontramos nos blogues, o formato Facebook presta-se ao browsing rápido e instantâneo. Pouco se escreve ou lê, mas torna-se fácil disseminar informação porque o contágio entre núcleos de amigos tem projecção exponencial.

A filosofia de Zuckerberg para o futuro da rede apresenta um factor novo e intuitivamente inteligente. Que para o utilizador, mais importante do que ver um vídeo do YouTube gostado por milhares de internautas anónimos, é encontrar o vídeo preferido de quem nos é próximo – as preferências dos nossos amigos. O Facebook apresenta-se assim como um novo padrão de referência daquilo que é relevante segundo uma lógica de proximidade.
A isto soma-se um segundo mecanismo, já em rápida implementação, que constitui a possibilidade de login automático em outras plataformas da Internet. O utilizador do Facebook pode agora aceder ao site da Time ou da CNN e gostar dos conteúdos que lá encontra, referenciando-os instantaneamente no seu mural e, consequentemente, dando-os a conhecer aos seus próprios contactos. Isto revela o verdadeiro potencial financeiro do Facebook e o seu apelo ao mundo comercial da rede, porque todos terão interesse em tornar-se acessíveis a uma plataforma de divulgação com 500 milhões de utilizadores potenciais.
Como contrapartida, estes sites irão ganhar acesso às características do utilizador do Facebook, aos seus gostos e preferências, permitindo-lhes afinar o target de conteúdos ao seu perfil específico; factor particularmente importante no domínio da publicidade.

O que está em causa é uma transformação radical do modo de navegação individual na rede e na filosofia de privacidade que dominou a Internet até à actualidade. Dir-se-á que tal modo de navegação é opcional. Podemos sempre recusar ou controlar a utilização do Facebook, ser selectivos nas escolhas do que gostamos ou partilhamos. Mas para uma nova geração de utilizadores, este poderá tornar-se o modelo cultural de navegação dominante da Internet. Os futuros internautas vão querer partilhar e vão querer que os outros gostem do que eles gostam. Não vão conceber o mundo de outra maneira. E neste processo vão construir, intuitivamente e durante a vida inteira, o seu perfil de gostos e preferências, propriedade da Facebook Inc. Private Company Information.

É a vitória derradeira do Big Brother. Tornar-nos a todos, voluntariamente, nos seus próprios agentes.

3 comentários:

  1. O próximo passo deste progresso vertiginoso será, penso eu, a partilha selectiva (que, aliás, já acontece): seleccionas quem pode ver o quê, discriminando dentro da lista de amigos em "amigos A e amigos B". De forma que retrocedemos ao ponto de equilíbrio.
    As sociedades não evoluem à mesma velocidade da tecnologia, tecnologia esta que tem como objectivo servir essas mesmas sociedades.
    Dito isto, outro aspecto que me parece impressionante é o de aparentemente ninguém parecer questionar-se sobre como uma industria destas faz dinheiro. Se soubesse teriam mais cautela?

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  2. Caro Daniel,
    o post é interessante e, de facto, aponta para uma discussão muito pertinente sobre a forma de vivermos (e sobretudo, de partilharmos) as nossas experiências quotidianas. Só discordo da referência ao Big Brother no final do texto: há já 30 anos que Jean Baudrillard escreveu sobre "o fim do panóptico". E como o próprio muito bem disse (na altura a propósito da tv) aquele pressupunha ainda o espaço objectivo e a omnipotência de um olhar despótico. A isto contrapõe Baudrillard o discurso circular, onde as posições de emissor e receptor se perderam ou tornaram ambíguas... de facto, o que parece acontecer hoje é a perda de uma instância de poder forte, opressora, que Michael Moore, a propósito do "caso Wikileaks", resumiu da seguinte forma: "now it's Big Brother who is being watched by us".

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