Querem que vos faça um desenho?

O texto anterior dedicado a analisar as distorções do gráfico da evolução da dívida pública portuguesa apresentado numa peça jornalística da RTP motivou algumas observações curiosas através do Facebook. Para melhor explicar o efeito daquelas distorções partilho convosco três imagens.





Na primeira temos o gráfico apresentado pela RTP. Repare-se a deformação do período temporal entre 2005 e 2011, no eixo horizontal, bem como a desproporção no eixo vertical entre o intervalo de zero a 100 mil milhões, e o intervalo de 100 a 200 mil milhões de Euros. Na segunda temos o gráfico com os mesmos dados, sem distorções, e na terceira podemos ver a sobreposição das duas imagens anteriores.

A ampliação do eixo temporal entre 2005 e 2011 tem o efeito de "suavizar" a ascenção da linha do gráfico, o que parece ser favorável ao período de governação coincidente, do ex-primeiro-ministro José Sócrates.

No entanto, quando atentamos na ampliação parcial do eixo de valor para o dobro no intervalo entre 100 e 200 mil milhões de Euros, verificamos que o traçado da evolução da dívida pública a partir de 2005 está também ao dobro da escala gráfica do período anterior. E aqui importa observar que o dobro da escala gráfica significa o quádruplo da área representada de dívida.

Temos assim que aquela “montanha” de dívida que aparece representada no primeiro gráfico a partir de 2005 é resultado da deformação de escalas. Dito de outro modo, no gráfico da RTP estávamos, em 2005, no sopé da “montanha”, enquanto no gráfico corrigido estávamos, nesse mesmo ano, a meio do valor atingido em 2011 e já a 2/5 da altura da dívida actual.

É difícil encontrar um exemplo tão incoerente de representação de dados quantificativos, tendo por base um gráfico com distorções de escala nos seus eixos. Fazendo um esforço de assertividade talvez possamos supor a ignorância matemática do autor da imagem e dos jornalistas do Telejornal que foram incapazes de identificar os erros nela contidos. Certo é que a peça apresentada favorece uma leitura enviesada dos factos, deixando irremediavelmente comprometida a validade técnica de todo aquele exercício.

Adenda: deixo a ligação para um artigo interessante da National Geographic sobre formas correctas e incorrectas de representar dados através de gráficos; ler A Quick Guide to Spotting Graphics That Lie.

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