[para lá do ecrã]

Quinta-feira



Um dia os arquitectos vão poder deslocar-se ao sítio da implantação do edifício e, com a ajuda de um interface digital, serão capazes de esquiçar e projectar no local. Esse interface talvez consista num par de óculos devidamente aligeirados e anatómicos que fundirão elementos digitais com a visão do real. Depois, ajudado por um dedal informático, o projectista poderá percorrer pelos menus do programa que só ele é capaz de ver e inserir elementos: linhas, grelhas, planos, volumes e formas irregulares. No local, o utilizador poderá aceder à internet e inserir todo o tipo de elementos que quiser naquele espaço que ele está a construir dentro da máquina, sob o pano de fundo do sítio verdadeiro.
Naquele universo entre o real e o simulado, o projectista conduzirá os elementos como um maestro, linhas para aqui, volumes para ali, experienciando-os em primeira mão como se já lá estivessem.

Mas, para já, é melhor levar um bloco e a lapiseira...

BOM ANO A TODOS!

[dentro do quadro]

Quinta-feira



A propósito da forma como a tecnologia se encaminha para a capacidade de reproduzir (virtualmente) mundos completamente realistas, a ponto de se poder imaginar que um dia a percepção do virtual e do real se irão fundir, é possível fazer todo o tipo de extrapolações interessantes.

Quando olhamos para o interface actual entre o nosso mundo e o mundo da máquina, ou seja, para o computador, podemos detectar como esse interface é rudimentar. Um ecrã, um teclado e um rato são filtros pesados entre o observador e o universo virtual. Mas o tempo virá em que esse interface será mais adaptado à orgânica do corpo, deixando de ser um obstáculo mas uma extensão da nossa percepção: um upgrade.

É certo que uma tal tecnologia irá permitir a realização de todo o tipo de perversões e alienações, que de resto já existem de formas menos sofisticadas. Mas podemos também imaginar que essa tecnologia permitirá concretizar aplicações muito positivas.

Imaginemos por exemplo que um(a) jovem está a estudar a pintura de Van Gogh. Tradicionalmente obterá a informação que procura nos livros ou na internet, assim contactando com reproduções dos quadros. Um professor transmitirá os fundamentos da história, vida e referências do pintor.

Imaginemos agora uma experiência inteiramente diversa. Numa realidade virtual, o/a jovem percorre um museu onde está presente toda a obra de Van Gogh. Pára em frente a um quadro, imaginemos, a famosa Ponte de Langlois em Arles. Depois de olhar atenciosamente, clica no quadro e, subitamente, tudo se transforma à sua volta. Já não está num museu, mas dentro da própria realidade do quadro, envolvido pelas cores, os traços e, porque não, os sons imaginários de uma realidade simulada: o mundo do quadro.
Passeando um pouco pela beira do rio alguém se aproxima. O próprio Van Gogh entra dentro do quadro e fala com o/a jovem. Agora, a envolvente transforma-se novamente e estamos na beira do rio verdadeiro (simulado), junto da própria ponte em Arles, como ela era quando Van Gogh a pintou. E ali, pela voz (virtual) do próprio, ouvimo-lo contar as histórias que envolveram aquela fase da sua vida, dos seus quadros e do seu conturbado percurso artístico.

Um Van Gogh imaginado, professor digital de si próprio. Porque não?

[minimalize this]

Quinta-feira



A Barriga De Um Arquitecto transformou-se. Naquela que será (espero) a grande alteração do template para os próximos tempos decidi adoptar uma formatação mais minimal e intuitiva mas também mais livre, solta, enfim, freak. É quase certo que nem todos irão gostar.

Numa primeira reacção, o Afonso perguntava nos comentários qual a razão para alguns links aparecerem riscados. O motivo é intencional, sendo a forma de assinalar aqueles links que cada um já visitou. De certo modo, trata-se de devolver ao blog um carácter de bloco de apontamentos, com uma bagagem pessoal. Os ícones também mudaram, estão mais pequenos e a preto ou cinzento, que são também os tons escolhidos para o texto. Um novo ícone assinala igualmente a lista de blogs ao fundo da barra de links: uma malinha da Logstoff (obsessões, não perguntem).
O minimalismo é uma atracção quase inevitável para aqueles que trabalham a imagem nas suas várias formas. A certo ponto nasce a vontade quase irresistível de retirar formatações, as cores, os feitios e ver o que fica de substância. A simplicidade, deseja-se, nada tem que ver com simplismo. Retirar e reduzir são formas, afinal, de apurar, remover as costuras e ver a forma como ela é.

Existem vários blogs cuja imagem sempre me atraiu. O (sempre genial, sim) Notes From Somewhere Bizarre talvez seja o que mais me influenciou nesta última transformação. Mas sempre gostei muito do Purse Lip Square Jaw e do Space And Culture. São blogs à séria que provam que com pouco se faz muito.

Para trás ficam os tempos das tonalidades relaxantes de fundo com a imagem de capa de uma seara verde e o azul claro do céu no horizonte. Aos mais melancólicos peço-lhes que não desesperem. O minimalismo é como a schweppes, aprende-se a gostar...

[realidade roubada]

Quarta-feira



Um texto intitulado Los Angeles: Grand Theft Reality apresenta uma análise sobre a evolução visual dos jogos de computador nos últimos anos e a sua direcção a caminho da criação de mundos virtuais. Comparando o recente jogo Grand Theft Auto: San Andreas com a realidade, o artigo do City Of Sound desenvolve o culto dos jogos de video e a aproximação crescente entre o cinema e os jogos.

Ainda que os visuais dos jogos de computador estejam longe de se aproximar da realidade, começam a ser suficientemente sofisticados para beneficiar de componentes da realidade na sua experimentação (A única forma real de jogar GTA é conduzir interminavelmente, construindo o nosso próprio mapa mental da cidade. Para mim, isto é tal como na realidade). Uma das passagens mais interessantes do texto é a sua comparação entre a realidade exagerada de GTA e a verdadeira Los Angeles, apresentando excelentes imagens – o real contrastado com o virtual.

Apesar das limitações técnicas que existem, é hoje evidente que os jogos caminham rapidamente no sentido de reproduzir mundos simulados que irão concretizar interpretações (artísticas) da realidade, à semelhança daquilo que Michael Mann faz com Los Angeles no seu recente Collateral. Parece-me extremamente interessante este aspecto, de que à medida que tecnicamente nos aproximamos da reprodução virtual da realidade total, a realidade e a virtualidade se separem pela introdução de um elemento artístico, interpretativo, na criação dos mundos dos jogos.

Uma das extrapolações mais interessantes sobre esta evolução é também a dúvida de como tudo isto irá alterar a forma como nos relacionamos com a leitura da realidade objectiva. Se tivermos mecanismos de experienciar em absoluto uma representação virtual da realidade, será essa uma forma de experienciar também a informação (a guerra, por exemplo)? Irá o relato jornalístico ser suplantado pela possibilidade de experienciar em primeira pessoa (first-person) os eventos reais. Experienciar, por exemplo, a nossa imersão virtual na ocorrência de um tsunami? Construir novas memórias de eventos que nunca aconteceram, também eles interpretações simuladas de uma realidade impossível de captar?

[à espera do desastre]

Terça-feira

Enquanto se vão revelando os efeitos do terrível maremoto que assolou a Ásia volto a publicar um texto sobre a realidade portuguesa e os riscos de ocorrência de um sismo em Portugal.

À Espera Do Desastre

A primeira legislação portuguesa contemplando a resistência das construções a esforços sísmicos foi publicada em 1958. Quase meio século depois continua a construir-se em Portugal desrespeitando a lei, o bom senso e a ética, deixando grande parte dos edifícios em incumprimento dos regulamentos e vulneráveis a um desastre previsível.

Construção anti-sísmica é um termo leigo para definir a capacidade que um edifício pode ter para resistir aos esforços que resultam da ocorrência de um sismo. Nenhum edifício, por mais resistente que seja, pode resistir a todo e qualquer tremor de terra. As preocupações expressas na legislação da construção têm por objectivo conferir aos edifícios uma capacidade estrutural que garanta níveis de resistência satisfatórios perante a ocorrência provável de um sismo de intensidade razoável. De certo modo, é o mesmo que dizer que uma porta corta-fogo não é uma porta que resiste indefinidamente a um incêndio, mas sim uma porta que garante a resistência às chamas, à temperatura e à passagem de fumos durante o tempo suficiente para permitir a evacuação de pessoas em segurança.
As vibrações resultantes de um tremor de terra transmitem-se aos edifícios através das fundações. Os efeitos decorrentes propagam-se depois através dos elementos estruturais da construção, os pilares, as vigas e as lajes, afectando depois todos os restantes elementos do edifício. A intensidade desses efeitos resulta da duração do sismo e da frequência de vibração do solo, e pode resultar de pequenas fissuras até danos estruturais, culminando no possível colapso da edificação.

Apesar de não se poder prever a ocorrência de um sismo, as suas consequências podem ser minimizadas. As acções preventivas podem e devem fazer-se a vários níveis, tanto no planeamento e construção urbanística, como ao nível da protecção civil e da sensibilização da população geral. Infelizmente, verificamos que em Portugal os erros se cometem em cima dos erros, silenciosamente satisfeitas as diversas entidades uma vez que “a lei é boa”.

A gravidade da situação começa ao nível do licenciamento dos edifícios. Apesar da existência de legislação específica, muitas Câmaras Municipais não dispõem de capacidade técnica para averiguar se os projectos de estabilidade dos edifícios garantem os níveis de resistência sísmica previstos em regulamento. Este facto talvez não se verifique nos municípios das principais zonas urbanas, mas em grande parte do restante território nacional as Câmaras não dispõem ou de técnicos qualificados para a apreciação dos projectos a este nível técnico, ou da sensibilidade dos seus responsáveis políticos à necessidade de atender ao problema (ou ambos). Daqui resulta, em termos mais simples, que em Portugal é possível licenciar um projecto que não cumpra com o Regulamento de Segurança e Acções Para Estruturas de Edifícios e Pontes.
De seguida, é na fase de construção propriamente dita que se cometem os maiores atropelos. Qualquer profissional minimamente experiente está condenado a encontrar atitudes irresponsáveis de construtores não qualificados, habituados que estão a economizar no aço e no betão. A falta de moralidade no sector é de tal ordem que por vezes se manifesta mais como um hábito do construtor em não cumprir com o projecto, do que como um efeito real de poupança financeira. A verdade é que o acréscimo de custo resultante da aplicação das normas anti-sismo equivale a pouco mais de 2 ou 3% do custo total da construção.
É fundamental que se comece a prevenir e fiscalizar o sector da construção, forçando o cumprimento das regras de segurança e punindo severamente os infractores. Não podem existir meios termos: é a vida de pessoas que está em causa. Para o comprador, para quem a aquisição de casa é provavelmente o maior investimento que realiza em toda a sua vida, é o direito a habitar numa construção que lhe garanta a possibilidade de sobreviver a um sismo grave que está em causa.

No silêncio o tempo continua a passar e o risco da ocorrência de um terramoto real aumenta, sem que o problema seja discutido e tomadas as medidas necessárias para que se instalem as boas práticas na nossa actividade. Estaremos condenados a aguardar pela calamidade inevitável, venha quando vier? Será que também perante este problema nos iremos sentir satisfeitos com a demissão de um ministro, porque “a culpa não pode morrer solteira”, ou que nos venham dizer que mais uma vez o país aprendeu uma grande lição?

[sei lá]

Terça-feira



O portfolio fotográfico de Veronika Faustman;

O novo projecto da AllesWirdGut;

The Cubes, o lego pós-moderno para a geração Dilbert. A brincar a brincar, para colecionar;

Los Angeles: Grand Theft Reality no City Of Sound;

Fazer imagens gigantes no Rasterbator;

As malas da Logstoff;

Um passeio na Rua De Baixo;

Sei lá.

[fabricante de imagens]

Segunda-feira



Ilustrações por Arthur Mount

[outro agradecimento]

Segunda-feira

Ao Nuno Guerreiro pela generosa distinção na lista dos melhores blogs de 2004. Para ele um desejo especial de Bom Ano na sua Rua Da Judiaria.

[arquitectos portugueses na net - actualizado]

Terça-feira

[actualização: obrigado ao haiti, ao Afonso Henriques e ao Vitor Marques pela colaboração]

Esta é a minha listagem de arquitectos portugueses na internet. Todos eles estão acessíveis na barra de links.
Tenho a lamentar o facto de serem quase todos sites de “homens” arquitectos. Onde estão as arquitectas portuguesas? Para mais, não é facil encontrar directórios. Por isso deixo o apelo a qualquer colaboração que me possam dar para acrescentar outras páginas que conheçam. Um abraço e bons links.

A+G Arquitectura
Jovens arquitectos. Poucos trabalhos expostos mas algum conteúdo de qualidade. Muitas imagens.

Alexandre Burmester
Autor do emblemático edifício da Telecel/Vodafone no Parque das Nações. Interface acessível mas pouco claro. Conteúdo extenso mas pouco detalhado e ausência de textos. Visita recomendada.

Álvaro Siza Vieira
Página com contacto de email. Ausência de conteúdo.

Angelo De Castro
Bom interface mas uma imagem demasiado “empresarial”. Conteúdo não muito extenso mas com qualidade. Excelentes ilustrações.

Arqwork Arquitectura
Bom interface. Conteúdo breve, essencialmente orientado para divulgação da empresa.

ARX Portugal
Firma dos arquitectos José Paulo Mateus e Nuno Miguel Mateus. Interface algo desactualizado. Poucos projectos expostos mas os que estão têm excelentes conteúdos de texto e imagem.

AT.93
Bom interface e conteúdo com algum interesse. Muitos projectos apresentados mas pouco detalhados.

Atelier Cidade Aberta
Firma do arquitecto Vasco Massapina. Página em aparente construção. Algum conteúdo disponível mas pouco detalhado; formato de divulgação de empresa.

Bernardo Rodrigues
Clareza e simplicidade; design muito profissional. Conteúdo sucinto mas bem apresentado; bons projectos com acompanhamento de texto e informações diversas. Visita recomendada.

Bruno Parente
Jovem arquitecto. Bom design e interface intuitivo. Conteúdo de imagem interessante.

CLCS Arquitectos
Interface pesado mas com excelente design. Projectos de óptima qualidade; bom conteúdo de imagem; ausência de conteúdo escrito. Visita recomendada.

Contemporânea
Firma dos arquitectos Manuel Graça Dias e Egas José Vieira. O site encontra-se inactivo há muitos meses.

Daniel Pereira Mateus
Jovem arquitecto. Página intuitiva e com bom design. Apresentação de trabalhos da faculdade; bom conteúdo escrito.

EMITFLESTI
Firma de jovens arquitectos. Conteúdo de qualidade; ausência de textos. Visita recomendada.

FFCB Arquitectos Associados
Interface desactualizado mas algum conteúdo com interesse; textos disponíveis.

Filipe Oliveira Dias
Página muito profissional com óptimos conteúdos escritos e de imagem. Visita imprescindível.

Fragmentos de Arquitectura
Página de divulgação com bom design e conteúdo acessível. Muitos projectos apresentados; pouco conteúdo de texto mas muitas imagens. Visita recomendada.

Frederico Valsassina
Interface desactualizado. Muitos projectos apresentados e bom conteúdo de imagem. Ausência de textos. Visita recomendada.

Hugo Igrejas
Jovem arquitecto. Interface pouco amadurecido. Algum conteúdo interessante de imagem renderizada.

Inês Lobo
Excelente qualidade gráfica e de conteúdos. Muitos projectos disponíveis, bem apresentados e com desenvolvimento escrito. Visita imprescindível.

J. M. Carvalho Araújo
Página em formato de currículo digital. Boa qualidade de apresentação; conteúdo muito sumário.

João Luís Carrilho da Graça
Página com contacto de email. Ausência de conteúdo.

João Patrício
Interface “empresarial” de visualização carregada. Alguns projectos interessantes. Conteúdo orientado para divulgação comercial.

João Paulo Ferreira
Página com design sóbrio. Alguns projectos interessantes mas pouco detalhados. Bons links. A precisar de actualização.

José Soalheiro e Teresa Castro
Excelente design e interface. Muita informação disponível; projectos de elevada qualidade e boa apresentação de conteúdos. Visita imprescindível.

MVA Arquitectos
Interface simples. Alguns projectos de qualidade; muitas imagens.

Miguel Rocha & Saraiva
Excelente interface. Conteúdo extenso e diversificado. Óptimos projectos. Visita recomendada.

Neuparth Atelier
Interface acessível e de qualidade. Projectos interessantes; conteúdo sucinto e ausência de textos.

Nuno Antunes e Gonçalo Silva
Bom desenho geral. Conteúdo muito diversificado e de boa qualidade. Visita recomendada.

Paulo Corceiro
Design acessível com excelente apresentação. Conteúdo pouco extenso. Vale pela composição gráfica.

Pedro Andrade de Sousa
Jovem arquitecto. Pouco conteúdo mas boa qualidade. Interface simples mas pouco amadurecido.

Pedro George
Interface “empresarial”. Conteúdo orientado para divulgação comercial; só imagens. Apresentação desactualizada.

Pedro Mendes
Design minimal muito acessível. Projectos interessantes e bem apresentados. Pouco conteúdo escrito mas boas imagens. Visita recomendada.

PEX Studio
Equipa jovem. Pouco conteúdo mas portfolio com imagem muito interessante.

Promontório Arquitectos
Design simples mas eficaz. Excelente conteúdo escrito e de imagem. A precisar de actualização. Visita imprescindível.

S’A arquitectos
Pagina em formato blogue. Excelente apresentação e conteúdos de texto e imagem. Visita imprescindível.

Sua Kay
Design pouco apelativo. Portfolio extenso mas sem detalhe. Página essencialmente orientada para divulgação comercial.

Tiago Matos & Ricardo Pereira
Jovens arquitectos. Design intuitivo e eficaz. Portfolio visualmente pesado. Bons conteúdos de texto e imagem. Visita recomendada.

[editorial]

Segunda-feira

Existem várias razões para se publicar um blogue e são quase todas más. Estou a exagerar, mas um blogue é um passatempo que facilmente se transforma numa obsessão. Penso que foi o Lourenço quem um dia escreveu que um blogue é uma ilusão, a ilusão de ser lido (estou a citar de memória). Não me esqueci mais dessas palavras porque correspondem exactamente ao que sinto.

Na blogosfera os erros são fáceis de detectar: blogues que falam de blogues que falam de blogues; frases parvas por tudo e por nada; opiniões sem substância e reflexão; aqueles testes que não interessam a mais ninguém (que personagem do Sexo E A Cidade é você?); excesso de cartoons; insultar alguém ou discutir sobre os resultados da última jornada de futebol; entre outros.

Exprimir opiniões, divulgar informação, defender uma causa, escrever sobre si próprio(a), publicar poemas ou fotografias, todos os motivos podem ser bons para escrever. Não existe uma razão única para um blogue ter sucesso mas talvez todos os que o tenham partilhem uma razão comum: serem genuínos.
O que mede o valor de um blogue afinal não é a sua visibilidade mediática, a quantidade de visitantes ou a periodicidade dos textos, antes sim a qualidade do que lá se publica.

Uma vez escrevi aqui que este espaço não é especificamente sobre arquitectura mas também não é sobre generalidades. Nos últimos tempos tenho sentido necessidade de voltar ao espírito inicial d’A Barriga De Um Arquitecto. Este blogue nasceu sem imposições de periodicidade ou actualidade; importava-me apenas escrever sobre coisas que eram importantes para mim, reflexões que ia fazendo e que por vezes eram de difícil discussão com outras pessoas por falta de interlocutor. Assim, comecei a registá-las aqui, pelo único motivo de serem consequentes para mim.
Por esta razão sinto que poderei inevitavelmente vir a desiludir aqueles que me pedem para escrever mais vezes. Eu, pelo contrário, tenho sentido exactamente o oposto, que devia publicar menos e apenas quando as minhas reflexões estão devidamente amadurecidas, o que nem sempre acontece quando escrevemos na correria.

Entretanto tentarei compensar com alguma divulgação. Gostaria de dar a conhecer mais sites interessantes, especialmente portugueses. Também tenho alguns projectos em mente como partilhar histórias de antigas viagens (tantas fotos para scanear), publicar desenhos e comprar aquela máquina digital de vez.
A Barriga De Um Arquitecto vai continuar com a serenidade de um segundo fôlego, pelo gosto de escrever e partilhar. Pelo caminho é bom ir conhecendo tanta gente interessante por aqui e continuar a aprender coisas novas, as outras formas de ver e sentir de quem anda por esta blogosfera.

[agradecimento]

Segunda-feira

Um grande agradecimento a todos os que assinalaram o aniversário d’A Barriga De Um Arquitecto:

Ao Complexidade e Contradição, ao Ma-Schamba, ao Quase Em Português, ao Aviz, ao Portugalidades, ao O Mundo À Minha Procura, ao Os (In)separáveis e ainda à Tounalua, ao Daniel Rodrigues, ao Cavalo De Tróia, à Cris, ao Seven e à Carla de Elsinore.

Ainda ao André, ao Afonso Henriques, ao CBS, à Margarida, ao Tiago Matos, ao Adamastor e à Bárbara.

A todos e a cada um, o meu Muito Obrigado.

[ver]




Podemos saber o nome de um pássaro em todas as línguas do mundo, mas no fim, não sabermos nada sobre esse pássaro... Por isso, vamos olhar para o pássaro e ver o que ele está a fazer – é isso que interessa. Eu aprendi bem cedo a diferença entre saber o nome de algo e saber algo.
Richard Feynman

A Barriga De Um Arquitecto completa amanhã um ano de existência. Mais de 20.000 visitantes (indivíduos/dia) e 30.000 visualizações de página passadas, publico esta réplica do primeiro post.
Volto a reter as palavras de Feynman. Este blogue é dedicado a todos os que despidos de preconceitos continuam a desejar olhar e ver o que se passa lá fora, no mundo para lá do nosso saber. Aos que aqui passaram e continuam a visitar-me retribuo com um sincero agradecimento a todos.

[fraudes intelectuais e outras formas de se planear em portugal]

Quarta-feira



Sidónio Pardal viu o seu Estudo sobre o Novo Diploma para a RAN, REN e Disciplina da Construção fora dos Perímetros Urbanos ser “chumbado” pelo Ministério do Ambiente. O facto passou quase despercebido por entre a enxurrada mediática deste final de legislatura. Fazendo o brilharete, o ministro Luís Nobre Guedes conseguiu adiar uma questão polémica e colher os aplausos das associações ambientalistas.

Apresentando as suas discordâncias profundas ao estudo do arquitecto paisagista, o ministro determinou habilidosamente que se faça um novo estudo, de forma a que venha a ser preparada uma proposta legislativa de grande consenso, num contexto de processo participado. Acrescentou que este novo estudo, ao contrário daquele apresentado por Sidónio Pardal, deverá ser compatível com o quadro jurídico existente e deve apostar na valorização daquelas áreas, considerando, por um lado, a natureza de restrição de utilidade pública e a coerência e a lógica dos objectivos nacionais que neste domínio incumbem ao Estado, por força da Constituição, e, por outro, a necessária agilização e a fixação de usos compatíveis com tais restrições de utilidade pública.

Evidentemente, a constituição da equipa encarregue de produzir este novo documento e os prazos para a sua execução não foram divulgados. Com eleições legislativas em Fevereiro também não consta que venham a sê-lo. Assim se faz política em Portugal.

Triste país em que um trabalho desta importância não chega sequer a ser discutido e apreciado. Quem se dê ao trabalho de mergulhar nas 177 páginas do documento descobrirá que se trata de uma análise profunda e fundamentada, com conteúdo histórico e técnico, sobre as disfunções que existem na mecânica dos instrumentos de planeamento no nosso país. Sendo evidente que as conclusões de Sidónio Pardal levantam alguma perplexidade e merecem por isso ser debatidas e possivelmente modificadas, não é no entanto aceitável que um trabalho desta rara qualidade seja pura e simplesmente atirado para a gaveta de um ministério só porque a questão é incómoda.
O ministro Luís Nobre Guedes tomou a decisão mais fácil sem necessidade de qualquer sustentação científica, justificando-se na procura de um amplo consenso de circunstância que se sabe impossível e ainda consegue sair aplaudido de tudo isto.

Quais foram então os principais pecados de Sidónio Pardal. Extraio de recentes artigos de imprensa os seguintes:

O estudo pressupõe que as reservas ecológica (REN) e agrícola (RAN) foram responsáveis pelo desordenamento que grassa em Portugal.
O documento desmistifica com clareza as diferenças entre os preâmbulos das duas leis e os reais efeitos dos seus conteúdos. Na prática, é posta em causa a execução territorial da RAN e da REN, uma vez que a prossecução das suas premissas é aplicada sem uma clara sustentação técnica e científica.
Não é dito que a RAN e a REN sejam “responsáveis pelo desordenamento que grassa em Portugal” mas sim apresentado o modo como estes instrumentos (nomeadamente a REN) têm contribuído para fomentar a degradação do território. Isto é difícil de explicar quando a REN é proclamada como um instrumento-travão ao crescimento urbanístico descontrolado. O problema é que na prática a ela foi concebida através de critérios genéricos, sem identificação de valores naturais concretos ou ecossistemas a proteger.
A REN assume-se assim como um instrumento cristalizador daquilo que existe, interditando qualquer alteração. Este estatuto proibicionista não está sujeito a qualquer planeamento subsequente que concretize sobre ela acções de salvaguarda ou usos compatíveis. Ora, porque as realidades do território são múltiplas e complexas, acabam por gerar-se situações perversas e contrárias aos objectivos de ordenamento que se pretendem proteger. O estudo de Sidónio Pardal oferece vários exemplos concretos.

O estudo defende que a RAN e a REN deviam ficar sob a alçada dos municípios, perdendo-se assim o seu âmbito nacional.
A afirmação “ficar sob a alçada dos municípios” é uma simplificação intencional daquilo que está no documento. O estudo defende a exclusividade dos Planos Directores Municipais na afectação dos usos do solo, neles se introduzindo a delimitação dos instrumentos das reservas ecológica e agrícola que dariam lugar a uma Carta de Valores específica.
No caso da REN, os usos e intervenções compatíveis com esses espaços estariam dependentes da aprovação de um Regulamento municipal de reserva ecológica, sujeito ao parecer prévio da Direcção-Geral dos Recursos Florestais, do Instituto da Conservação da Natureza e do Instituto da Água.
Ao contrário do que alguns afirmam, a RAN e a REN não têm uma real contextualização de nível nacional. A sua elaboração tem por base parâmetros genéricos que amalgamam uma mancha de realidades territoriais estruturalmente diferenciadas. Sucede que promovem a ambiguidade de se apresentarem simultaneamente como condicionantes e como afectações de solos ao uso agrícola (RAN) e a um suposto “uso natural” (REN) em que o solo é entregue a uma regeneração selvagem, num estatuto de quase intocabilidade.
A RAN e a REN sobrepõem-se a tudo sem se verificarem ou avaliarem os valores, interesses e necessidades em presença.

O estudo defende que dentro do perímetro urbano não possam existir espaços naturais, espaços agrícolas, RAN e REN. O estudo não é compatível com o quadro jurídico existente.
Junto estas duas questões porque estão indirectamente associadas. O documento de Sidónio Pardal assenta numa nova lógica de funcionamento dos instrumentos de planeamento do território. A fusão de diversos níveis de competência dentro do âmbito dos PDM e a clara separação do planeamento do solo urbano, assentam nessa procura de tornar mais claras e eficazes as suas directivas e a interacção destas. Evidentemente, é posto em causa o “quadro jurídico existente”. Ora eram as deficiências desse quadro jurídico que se deveriam estar a discutir.

O estudo considera que as restrições e servidões por utilidade pública tais como a REN reduzem o conteúdo do direito de propriedade do solo de forma tão grave e intensa que podem ser consideradas como tendo um carácter expropriativo, devendo por isso estar sujeitas a indemnização.
A ausência de regulamentação da REN e a impossibilidade incondicional de sobre ela actuar tem perpetuado uma real situação de expropriação dos direitos de propriedade do solo, tornando-a num real “pretexto para proibir”. Isto é tão mais grave quando não estão associadas à REN quaisquer responsabilidades de gestão ou preservação dessas áreas.

Para concluir, resta dizer que não é a validade do estudo que está em causa mas a forma como ele não chegará sequer a ser discutido e apreciado com abrangência e honestidade intelectual. Catalogado de atentado ao ambiente e devidamente chumbado, o país continuará a persistir na teia kafkiana de sobreposição de planos, servidões e competências que tornam a gestão territorial numa tarefa incompreensível. Mas o pior de tudo é não querer sequer ver, é não aceitar sequer a reflexão sobre as disfunções deste quadro legal. É certamente mais fácil apelar a “aproveitamentos emocionais e ideológicos do problema” como fazem as associações ambientalistas com o beneplácito temor dos políticos, nada contribuindo para a correcção das suas incoerências e dos erros que elas produzem.

Certo é que nada neste problema é visível nos grandes centros urbanos do litoral onde se produz a legislação que nos governa e a cultura mediática que nos dirige. Lá, onde já todos os atropelos se fizeram, ditam-se as regras do bem-fazer que os outros hão-de cumprir.
Assim ditam os preâmbulos das suas leis. Mesmo as que não funcionam.

[redescobrir a internet]

Terça-feira

Segundo a página de estatísticas do Sitemeter uma média de 80% de visitantes deste blog utiliza o browser Internet Explorer da Microsoft. Mas felizmente tenho assistido a um aumento gradual de utilizadores do Firefox da Mozilla, actualmente rondando os 15%. Nunca é demais promover este excelente browser alternativo que garante melhor velocidade e muito mais segurança, especialmente no controlo de tracking cookies e outras delicadezas incómodas da world wide web. Quem gosta de segurança não pode deixar de experimentar o Firefox 1.0. Para redescobrir a internet.

[wandering moleskine project]

Sexta-feira



Um caderno de viagens passa de mão em mão entre gente de todo o mundo. Cada um escreve uma página e envia o pequeno moleskine por avião para o amigo seguinte. Chama-se Wandering Moleskine Project e anda a viajar por aí.

[via]

[esta terra mal amada - 3]

Sexta-feira



Todos temos a ilusão de importância, de que o que dizemos conta e o que fazemos faz diferença. Mesmo sentindo tantas vezes o contrário, no fundo acreditamos que somos relevantes “no esquema das coisas”. Desejamos exprimir essa relevância, participar na discussão geral e resolver os problemas do mundo. O que se passa na blogosfera é disso exemplo. Lamentavelmente, o registo não é construtivo nem regido pela boa vontade. Reina a sede de protagonismo e a masturbação de egos dos encoleirados fiéis de ideologias político-partidárias.
As ideologias morreram ou foram trituradas na máquina de embutir dos public relations. Ninguém quer o desamparo da verdade, da complexidade. Queremos o bom e o barato, queremos o mundo fácil que dá milhões. Os próprios jornalistas, enredados no carrossel que eles próprios criam, embarcam na lógica dos absolutos simplismos. Que país confrangedor em que o povo é visto e analisado como uma cambada a correr atrás das migalhas eleitorais, como se 2% aqui ou uma descida dos impostos ali pudessem ser trunfos determinantes da orientação do voto popular.

É difícil, para os que questionam o seu papel no meio que os envolve, não cair na inquietação. Se não queremos acreditar apenas no que satisfaz os nossos medos e inseguranças, se quisermos a verdade, então à nossa frente estende-se o caminho de consecutivas dúvidas. Mas entre a segurança da mentira e o desamparo da verdade, o que escolhemos nós afinal?

Que tal escolhermos a verdade por uma vez. Que tal começarmos por olhar para essa pobreza estrutural do país, uma pobreza que não é financeira mas está entranhada na nossa cultura. Pacheco Pereira fala da mediocridade de um país falhado após milhões e milhões de contos de apoios comunitários. E agora, eis-nos de novo a ver esfumar os fumos da Índia. Como há seculos, voltámos a ser um país vivendo na ilusão das riquezas alheias, da prosperidade ilusória e conjuntural que esbarra finalmente com a sua pobreza definitiva. Estruturalmente na mesma. E a pergunta, tantas vezes repetida que se tornou ridícula: para onde foi o dinheiro afinal?

Por isso não pode ser mais paradoxal o wishful thinking de Pacheco Pereira com o seu desejo de um regresso de Cavaco Silva à governação. Talvez esteja afinal a ironizar, chamando Cavaco a um jogo que ele não está disposto a jogar. Mas este argumento messiânico colhe, este complexo sebastianista, de alguém que venha das brumas para nos salvar a todos. Já o nome de Cavaco se ouve e se repete por entre o nevoeiro da crise.
Quer se queira quer não, mesmo Cavaco com o seu capital de credibilidade e rigor, foi incapaz de mudar o rumo dos fumos comunitários. Foram esses milhões e milhões que alimentaram o ciclo de prosperidade e permitiram aos governos cavaquistas navegar a onda do oásis. O país acreditou na ilusão dos fundos comunitários transformados em BMWs, mas enquanto outros se desenvolviam, nós ficámos a assobiar para o ar como quem espera que a factura nunca venha. Mas eis que chegou.

Chegou a hora de dizer adeus ao desejado Dom Sebastião. O Messias não virá afinal. Estamos entregues a nós próprios e talvez seja melhor assim. E agora não há que dramatizar, porque das duas uma: ou o país se mobiliza com seriedade e trabalho para vencer aceitando as inquietações de quem prefere a verdade, ou o país persiste no fogo de artifício de quem não está disposto a fazer sacrifícios até que a crise seja irreversível. Não haja ilusões: o barco range e ao longe ouvem-se trovões mas a tempestade ainda está para vir.

Seja como for, e com todos os defeitos do sistema, isto ainda é uma democracia. Somos nós que escolhemos. E é assim que deve ser.

Mais:
[Esta Terra Mal Amada, 2004-01-13]
[Esta Terra Mal Amada - 2, 2004-07-30]