O silêncio dos afectos



(...) O bairro do amor é uma zona marginal
Onde não há hotéis nem hospitais
No bairro do amor cada um tem que tratar
Das suas nódoas negras sentimentais (...)

[Bairro Do Amor, Jorge Palma]

A reboque do artigo Educação Sexual Polémica publicado no Semanário Expresso de 14 de Maio, veio a associação “Fórum Da Família” promover uma Petição Sobre O Programa De Educação Sexual Nas Escolas, reivindicando a suspensão imediata do mesmo e outras exigências adicionais. A petição, aliás, soma uma quantidade assombrosa de apelidos notáveis: Telles de Menezes, Pachecos de Noronha, Ribeiro e Castros, Morais Sarmentos, Pinto Bastos, Castelas, Albuquerques, Côrtes-Reais, Villalobos, enfim, encontra-se ali o tecto todo da sala dos brasões do Palácio de Sintra. A côrte tomou a dianteira desta nova cruzada moral.

O artigo do Expresso, que mereceu um esclarecimento de Júlio Machado Vaz no seu blogue, é um bom exemplo da dificuldade em lidar com a questão da sexualidade no sistema educativo. O sexólogo acrescentaria ainda um desabafo amargurado sobre o eterno adiamento da educação sexual em Portugal.
Preocupa-me que um movimento como o promovido pelo Fórum Da Família seja uma forma de tentar abater a floresta por causa de uma árvore. A indignação exposta sob o argumento de não competir ao Estado impôr um modelo [de educação sexual] em oposição aos pais, seus legítimos e naturais primeiros educadores é uma forma demagógica de dizer que o Estado não tem o direito de promover educação sexual, ponto final.

O sexo é, entre nós, domínio de um estranho silêncio. Continuamos a persistir numa mentalidade que nos transforma em verdadeiros analfabetos sentimentais. Como sempre, a demagogia faz-se de bons princípios. Promove-se a tese de que as coisas mais importantes não se aprendem verdadeiramente nos livros, nem nas aulas, nem em conferências, nem em sermões. Passam de pessoa para pessoa através de gestos, de comportamentos concretos. Através de exemplos de vida. E estes bons princípios são usados para promover esse silêncio abjecto que nos rodeia os afectos.
Temos assim os nossos adolescentes assegurando que estão bem informados sobre temas relacionados com a sexualidade. Ora, uma coisa é o que sabem, e outra o que julgam saber. Algo deve estar a falhar num país com a maior taxa de gravidez na adolescência da Europa; com continuado aumento do número de casos de sida; com um problema infelizmente indeterminado de casos de aborto clandestino entre tantos outros para que alertam os especialistas da área.

Algumas figuras de relevo vêm reafirmando o óbvio: que a formação em temas da sexualidade não é uma classe da biologia nem consiste a dizer a uma jovem como evitar uma gravidez. Sabe-se hoje que pessoas que alcançam a idade adulta formadas adequadamente em sexualidade são mais seguras, mais respeitadoras, têm menos conflitos emocionais e exercem a sua sexualidade sem recalcamentos e culpas, estando igualmente menos sujeitas a comportamentos disfuncionais. A formação desta área não pode assim resumir-se a acções pontuais, mas deve fazer parte de um contexto educativo que promove a evolução integrada da pessoa em aspectos como a emotividade, a comunicação, a orientação sexual, os afectos, entre outros.
É chegado o tempo de eliminar as teias de aranha que uma triste vergonha mascarada de pudor tem feito persistir, deixando os jovens sujeitos aos amores amarrotados de uma vida pouco esclarecida e madura, cada um entregue às suas nódoas negras sentimentais.

[textos relacionados: Sinais De Fumo, 2004-01-29; O Não Saber De Todas As Coisas, 2005-03-02]

3 comentários:

  1. A mentalidade (ainda) dominante é "essas coisas tratam-se em casa", em família. Mas a família não trata delas na verdade. Por isso é que cada um aprende com as cabeçadas que dá e se vê obrigado a tratar as suas nódoas negras sentimentais...
    obvious

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  2. Reconhecer a importância da educação sexual é uma coisa. Promover sessões de sexo em grupo nas salas de aula é outra.

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  3. a questao nao esta noo facto de cada um aprender com a suas proprias cabeçadas ou tratar das suas nódoas negras sentimentais mas sim da forma como o faz, frequentemente á custa do sofrimento dos que os rodeiam, sem responsabilidade nem a aprendizagem que lhes deveria ser util ao longo davida. Sim a educação sexual nas escolas é urgente pois os jovens de hoje e pre-adolescentes de hoje banalizam o sexo da pior forma e exemplo disso são as sessões de esclarecimento sobre educação sexual nas escolas que evidenciam a incrivel ignorancia aliada á promiscuidade que estas 'crianças' demonstram nas suas duvidas em relação ao sexo.

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