O passado através do futuro



Por fim o computador da nave revela que está a seguir instruções com o objectivo de trazer o monstro para a Terra, para que a Companhia o possa estudar em benefício da sua divisão de armamento. A tripulação é dispensável diz-nos, reproduzindo as suas ordens no mais devastador momento do filme. E Ash, o médico da tripulação, descobrimos de forma chocante, é também ele um computador...

– The Paris Review: HAL, Mother, and Father

HAL, Mother, and Father é um texto muito interessante que oferece um olhar sobre as décadas de sessenta e setenta do século passado através dos filmes 2001: Odisseia no Espaço e Alien – O 8º Passageiro. A reflexão tem como ponto de partida a relação cultural da sociedade com a tecnologia, em particular a evolução dos computadores e a sua ascensão no imaginário popular. HAL revelava-se como o monólito da evolução, a imagem gloriosa de um futuro possível que seria desvendado pela revolução da inteligência das máquinas.

Uma década depois o optimismo de 2001 seria substituído pela corrupção a bordo da Nostromo. A tripulação de Alien era formada por um grupo de operários espaciais numa viagem de longo curso ao serviço de uma misteriosa mega-corporação conhecida apenas como a Companhia. Toda a sua missão se fundava numa mentira. A equipa seria destacada para uma falsa operação de salvamento que serviria afinal de incursão exploratória a um sinal hostil de origem extraterrestre. O resultado revelar-se-ia trágico e implacável.

Alien é um filme nascido na ressaca da Guerra do Vietname, no dealbar de uma cultura narcisista que dominaria a América corporativa da década seguinte. Fala-nos de um tempo carregado de cinismo e descrença em todas as formas poder, um mundo onde os cidadãos são usados sem escrúpulo ao serviço de interesses inescrutáveis.



A sequela de Alien dirigida por James Cameron era um filme bem diferente. Um dos melhores filmes de acção da década de oitenta, Aliens chega-nos no auge da era Reagan em pleno crescendo da supremacia militar da América. Em Aliens somos apresentados a um grupo de poderosos Marines dotados do mais avançado armamento, prontos para enfrentar os mais temíveis inimigos. Indiscutivelmente bem treinados, cheios de confiança e arrogância, acabarão afinal por morrer todos.

Também aqui somos confrontados com uma reflexão sobre as contradições do seu tempo. A arrogância do poder esconde nada mais do que o desconhecimento profundo sobre aquilo que está para lá do nosso controle, esse território hostil e selvagem do desconhecido que se traduz na monstruosidade dos xenomorfos que habitam a colónia de Acheron.



Alien 3 encerra a história de Ellen Ripley. Um filme conturbado, fruto de um longo processo de produção, revelaria um realizador promissor que se viria a tornar um dos mais importantes cineastas americanos da sua geração. David Fincher mantém até hoje um distanciamento para com esta sua primeira longa-metragem. Ainda assim, para lá das controvérsias que continua a alimentar na comunidade cinéfila, é um dos mais interessantes filmes da série.

Um filme dos anos da Sida, Alien 3 é um objecto carregado de profundo desencanto. Encontramos a nossa heroína como nunca a tínhamos visto. Uma personagem vulnerável, “contaminada” pelo mal, rodeada por um mundo hostil e devastador. Náufraga do espaço profundo, resgatada num planeta-prisão, estabelece uma cautelosa empatia com o médico daquele estranho planeta. A sua intimidade traduz a mera procura de conforto fugaz, duas personagens marcadas que não se permitem gestos de romantismo, muito menos de ilusão.

A sombra da corporação volta a abater-se sobre os destinos de Ripley, mais ameaçadora do que nunca. Sabemos que o resgate vem a caminho, não sabemos a sua real intenção. A história confirmará a suposição de todos os medos. Que afinal a Companhia não vem para salvar os humanos, antes para os matar a todos e salvar o próprio monstro. Para Ellen Ripley restará uma derradeira escolha, solitária e redentora, que talvez possamos salvar o mundo mas não nos possamos salvar a nós próprios.

Eis apenas um exemplo de como a boa ficção científica nos fala, afinal, não de lugares distantes, de um futuro longínquo, mas do presente tão próximo. Que, por vezes, olhar para o futuro é apenas uma outra forma de descobrir o passado e interrogarmos o mundo em que vivemos.

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