|casamento|e|adopção|gay|

Sexta-feira

Serão os homossexuais um grupo de desviantes sexuais com a intenção de minar a instituição do matrimónio, ou apenas pessoas perfeitamente normais que se apaixonam e querem casar?
A enorme fila de casais gay que se reuniu à porta do City Hall de São Francisco durante esta semana não era composta daquelas personagens que percorrem as paradas de orgulho gay: travestis em topless, motoqueiros com correntes e cabedal, drag queens e esse tipo de coisa. Em vez disso, as imagens mostravam casais apaixonados aguardando horas e mesmo dias pela oportunidade de casar, pessoas aparentemente iguais a tantas outras à espera de concretizar o seu sonho.
A verdade é que os três mil casais gay reunidos em São Francisco não seriam capazes de infligir uma pequena parte do prejuízo feito ao matrimónio enquanto instituição, como fez Britney Spears no seu mini-casamento em Las Vegas fruto de um fim de semana de bebedeira. Ao surgir a oportunidade de tomar parte numa cerimónia tão importante e solene como o casamento, a comunidade gay de São Francisco apareceu em grande compostura, tratando o momento com a seriedade e alegria que merece. E apesar da tentativa de interpor uma proibição ao casamento gay que a direita conservadora americana (com o patrocínio do Presidente Bush) tentou promover, sente-se o aroma da inevitabilidade histórica no ar, uma espécie de lucidez cultural que começa a descer à terra.
Existe um problema com a nossa sociedade, que é o de não exprimir em relação a cada um de nós uma verdadeira preocupação com o bem estar, se somos felizes, se sentimos estar a fazer as escolhas acertadas para a nossa vida. No entanto, já lhe é relevante aquilo que fazemos, com quem o fazemos e porquê. Ora o amor, nas suas várias formas, é um bem precioso. Não estou a falar do lirismo apaixonado dos namorados, mas do amor construído da vida a dois que resiste à passagem dos momentos difíceis. O amor e a família é algo que deve ser preservado e cabe à sociedade ajudar a defender aqueles que resolvem criar um núcleo familiar, uma estrutura estável para as suas vidas futuras. Por isso acolho bem a notícia de que o casamento gay começa a ser consagrado nos Estados Unidos, esperando que se venha a alastrar aos restantes países ditos desenvolvidos. E não deixa de ser curioso apontar que em Portugal os casais gay nem sequer podem alcançar reconhecimento legal por via da união de facto.
A realidade é que o nosso país está bem mais próximo das declarações recentes de Luís Villas-Boas (Presidente da Comissão de Acompanhamento da Lei da Adopção Portuguesa) do que muitos de nós gostaríamos de admitir. Para além das suas considerações gerais em relação à homossexualidade, é certamente digna de registo a sua sentença final, de que é preferível uma criança passar toda a vida numa instituição ou em famílias de acolhimento à infelicidade de ser educada por homossexuais. Argumenta Villas-Boas que uma criança não deve nunca ser adoptada por homossexuais porque tal iria interferir com a sua sexualidade natural, além de que ser lésbica não é ser mulher na plenitude natural do termo.
O Professor Júlio Machado Vaz, na sua crónica matinal na Antena 1, ofereceu uma boa resposta a estes argumentos: levado ao absurdo, se a orientação sexual dos pais é determinante para a orientação sexual futura do filho, então não existiriam homossexuais filhos de pais heterossexuais (logo não existiriam homossexuais). Mas, mais importante, existem estudos estatísticos que parecem evidenciar não existir uma correlação entre uma coisa e outra, ou seja, uma maior percentagem de filhos homossexuais criados em lares de pais do mesmo sexo, relativamente aos filhos criados de pais heterossexuais.
Estes dados sustentam-se na orientação que instituições como a Associação Americana de Psiquiatria (APA), têm manifestado em relação ao seu apoio a medidas que permitam aos casais de pessoas do mesmo sexo a adopção de crianças e à concessão de todos os direitos, benefícios e responsabilidades decorrentes da adopção que decorram de tais medidas. Suportam esta ideia acrescentando que investigações realizadas nos últimos 30 anos demonstram, de forma consistente, que as crianças criadas por pais homossexuais têm o mesmo nível de funcionamento emocional, cognitivo, social e sexual que as crianças criadas por pais heterossexuais. Os estudos citados pela APA demonstram de forma repetida que são o afecto e o empenho dos pais – e não a orientação sexual – que constituem os factores decisivos para que as crianças cresçam e se tornem adultos estáveis e saudáveis. Esta orientação relativa à adopção por parte de casais homossexuais é também partilhada pela Associação Americana de Psiquiatras Infantis e Juvenis e a Associação Americana de Médicos de Família.
A adopção enquanto tal é um direito para as crianças que devem usufruir do amor, carinho e atenção de uma família seja ela qual for desde que se disponha a corresponder às necessidades dessa mesma. A sociedade tem de assumir o seu papel, que cumpre em dotar o maior número de casais possível da capacidade de poder dar o seu amor a crianças, cumprindo o estado o seu papel de auxílio e cooperação, de defesa da família, nas suas diversas formas. E isto é mais que uma verdade ideológica, é uma necessidade e, repito-o, uma inevitabilidade histórica.

Adenda (2004-02-28): Eu errei. A afirmação de que "em Portugal os casais gay nem sequer podem alcançar reconhecimento legal por via da união de facto" não é verdadeira, e sustentava-se num documento da Associação ILGA Portugal que fora redigido em 2000. A Lei Nº7 de 2001, de 11 de Maio, veio consagrar a união de facto a casais que vivam juntos há mais de dois anos, independentemente do sexo. Peço desculpa pelo meu erro, ficando aqui a devida correcção dos factos.

|blogs|com|muito|estilo|

Sexta-feira

Mono, um blog do sueco Lars Holst, faz uma análise extensa sobre a arte de conceber e desenhar um blog, com muitos exemplos e links. É uma referência essencial e um bom ponto de partida para quem se quiser aventurar nesta área. Não perca o artigo Well-Designed Blogs: An Introduction, com passagem obrigatória pelo Volume 1 e Volume 2.

|david|lu|

Quinta-feira



Não sei quem é nem sei o que faz mas lá que isto é muito interessante é:
1|ver David Lu, o site oficial;
2|ver Fork In A Socket, um sketchblog do mesmo autor.

|mass|and|empathy|

Segunda-feira

Antony Gormley é um dos escultores britânicos mais reconhecidos da actualidade, sendo o autor da peça de escultura monumental The Angel Of The North, em Gateshead. Recebeu o Turner Prize em 1994. Estão em exposição na Fundação Calouste Gulbenkian duas das suas instalações: "Critical Mass" e "Domain Field". Gormley projecta atmosferas tensas, evocando o(s) corpo(s), o individual e o colectivo em confronto com o espaço e a sua percepção. O resultado é fascinante, misterioso, sedutor. Vale a pena conhecer, bem como visitar o seu site oficial.

[via Fundação Calouste Gulbenkian] Literalmente invadido por numerosa turba de estranhos seres metálicos, o espaço da Sede da Fundação torna-se um lugar de encontro com algumas das questões mais recorrentes no trabalho de Gormley: a convocação do mundo (na sua tensão entre o colectivo e o individual) para dentro da figura, do espaço que ocupa e no qual se relaciona, da multiplicação a que é sujeita; o valor da massa e do peso, em função do vazio que se define dentro, fora e entre as coisas; a proposta de um movimento, mesmo que na ostentação da imobilidade.

No piso 01 é instalado Critical Mass, um trabalho apresentado em Viena num hangar de comboios, em 1995 e no pátio da Royal Academy, em Londres, em 1998. O conceito da física que designa o ponto de saturação máxima a partir do qual uma bomba explode dá nome a um conjunto de corpos de chumbo extensivamente lançados e caídos no chão, figurando uma dor apocalíptica e devastadora. Domain Field é feito com cerca de duas centenas de gigantescas silhuetas em tubos de aço inoxidável soldados, situadas algures entre o esqueleto do ser humano, da árvore e dos edifícios, em que densidade e imaterialidade coexistem. Figuras projectadas no espaço vertical vedado às anteriores, surgem na sua obra em 1997, com Another Place, um conjunto instalado ao longo de 1,75 Km2 numa encosta perto do mar, na Alemanha.


Exposição Mass and Empathy de Antony Gormley: Fundação Calouste Gulbenkian, terça a domingo das 10h00 às 18h00, até 16 de Maio de 2004.

|gatos|

Sexta-feira

[via Adventures in Advertising] Ev e eu fomos visitar a Lisa ao seu novo apartamento ilegalmente alugado. Ao abrir a porta saíu o gato a correr, ela atrás dele, e a porta bateu ao fechar-se.
"Oh merda! Eu não tenho a minha chave” disse ela. Isso era óbvio, uma vez que ela estava em roupa interior. E como não eram permitidos animais de estimação no prédio, eu tive de me esconder na escada com o gato (que não ficou nada feliz com a ideia), enquanto a Ev foi chamar o porteiro, e a Lisa abaixou-se no vão de escada para tapar-se o melhor que podia.
Depois, ela perguntou porque é que nós não a visitávamos com mais frequência.


Notas:
Saberão os meus gatos que saio todas as manhãs para ir trabalhar, ou julgarão antes que vou à caça de sacas de biscoito?

|lições|de|sida|

Quarta-feira

A política é lenta a responder às necessidades sociais mas rápida a assimilar os chavões do momento. Eis então que a maioria parlamentar acordou para a necessidade de criar uma disciplina escolar que dê especial prioridade à saúde sexual e reprodutiva, visando, entre outras coisas, atacar as causas na origem da prática de abortos. Sendo um sinal positivo da consciencialização crescente em relação à falta de uma política educativa direccionada para a sexualidade, não deixa de ser anedótico que esta proposta seja agora apresentada como uma temática que preocupa a coligação, acrescentando entender que o espaço de tempo desta legislatura não deve ser tempo perdido. Mas afinal, aonde têm andado estes senhores nos últimos vinte anos?
Já aqui tive oportunidade de escrever anteriormente sobre a questão da educação para a saúde a propósito de um artigo do psicólogo Daniel Sampaio. É um problema actual mas não é de agora. O panorama da educação sexual em Portugal só pode ser desanimador. A propósito disto dizia ontem o Professor Machado Caetano no programa televisivo Encontro Marcado na SIC Mulher, apresentado por Simone de Oliveira, que era extremamente importante perceber que existe uma grande diferença entre informação e educação. Eis um ponto sensível em torno do qual se deviam debruçar os ideólogos políticos das novas disciplinas orientadas para a formação e o desenvolvimento pessoal.
Machado Caetano ficou conhecido por ser um dos primeiros médicos portugueses a trabalhar activamente na divulgação para o combate e prevenção da SIDA, tendo escrito recentemente o livro “Lições de SIDA, Lições de Vida” no qual faz o retrato da realidade nacional e advoga a aposta na educação (desde o seu início) como a única via para erradicar a doença e promover o comportamento são e responsável. A este respeito, dizia existirem muitos casos de pessoas seropositivas que afirmavam ter informação relativamente à doença, conhecerem os riscos, e no entanto, no seu comportamento individual, nada terem feito para se prevenir a si e aos seus parceiros. A estes dados, juntam-se estatísticas recentes em que 80% dos portugueses sexualmente activos afirmam não tomar quaisquer precauções relativas à SIDA ou a outras doenças sexualmente transmissíveis. Seja a estatística mais ou menos acertada, é pelo menos um indicador preocupante. A conclusão é simples e expressa na afirmação de Caetano, que uma coisa é informar dos factos, outra é educar os comportamentos. E aí é necessário dotar os jovens do sentido crítico necessário para que vão formando o seu comportamento e desenvolvendo a capacidade de escolher o melhor para si. Porque os pais têm de perceber que a vida sexual activa de um filho começa quando eles não estão presentes. Os pais não vão estar lá para dizer “ó filho, tem lá atenção, põe o preservativo” ou “filha, olha que assim podes engravidar”. Não apostar na educação sexual dos jovens é estar a mentir-lhes (e a nós próprios) em relação ao futuro de todos.
Fico também sem compreender a ênfase dada à necessidade da disciplina a criar neste âmbito ser avaliativa. Esta obsessão com a avaliação deixa-me a pensar nas causas desta incapacidade em criar novos espaços dentro do contexto escolar, em que a prioridade seja o debate e a participação, a partilha de experiências e não a avaliação. E relembro-me do episódio de uma colega minha do secundário, que ao perceber que tinha errado uma pergunta de um teste, não alcançando assim os vinte valores mas apenas dezassete, desatou a chorar. Fico a pensar para mim se esta rapariga, uma aluna excepcional e certamente o brilho dos olhos dos seus obsessivos pais, era de todos nós o ser humano mais capacitado para os desafios da vida, ou se pelo contrário, eram aqueles que lutavam por uma boa nota e talvez fizessem uma festa por um quinze. Talvez seja caso para dizer não só a máxima de Daniel Sampaio - inventem-se novos pais - mas também: inventem-se novas escolas.

|distorção|blog|

Quarta-feira

[via Purse Lip Square Jaw] Qualquer dia tenho de desconstruir este blog para fazer algo tão genial e diferente como isto.

|about|a|boy|

Terça-feira

I heard he sang a good song, I heard he had a style.
And so I came to see him to listen for a while.
And there he was this young boy, a stranger to my eyes.
Strumming my pain with his fingers,
Singing my life with his words,
Killing me softly with his song,
Killing me softly...


Era Uma Vez Um Rapaz (2002) não é um filme sobre Will (Hugh Grant), o solteirão do século XXI rendido ao consumo e ao prazer, insensível e justificadamente egocêntrico. É a história de um rapaz chamado Marcus, o estranho filho de uma ex-hippie depressiva, aquele miúdo que todos os outros colegas de escola odeiam e que não se encaixa em lado nenhum. E é uma história de mudança.
Quando se é novo o mundo gira à nossa volta, somos o centro do nosso pequeno mundo e toda a atenção revolve em volta dos nossos interesses e objectivos. Will é um miúdo de 38 anos, a derradeira fantasia masculina, totalmente conformista e sem objectivos que não sejam o seu bem estar e o seu sucesso com as mulheres. A entrada do estranho Marcus na sua vida é, assim, algo que ele tenta impedir a todo o custo. Aquela figura não se encaixa com o quadro perfeito e sedutor que ele criou à sua volta, mas Marcus é um jovem marcado por um desespero subterrâneo e Will é a única figura estável em que ele vai encontrar um porto de abrigo. A magia do filme está na forma sensível como vai desconstruindo as barreiras emocionais que todos os personagens têm à sua volta.
Aquilo que mais surpreende é a doce tridimensionalidade das personagens. A forma como Will e Marcus interferem um com o outro e se transformam por dentro. Mas acima de tudo, e fazendo o justo elogio à dupla Paul e Chris Weitz, é a forma sensível e despojada de retórica moral com que a história é apresentada. Está lá tudo mas o filme não faz sermões acerca de nada. Era Uma Vez Um Rapaz é um rio emocional que corre abaixo da superfície, um filme inteligente e uma sólida incursão no melodrama que foi, também, uma das melhores comédias de 2002.

|revista|nu|#|16|

Segunda-feira

É já amanhã o lançamento da 16ª edição da Revista NU, do Núcleo de Estudantes do Departamento de Arquitectura da Universidade de Coimbra. A apresentação da NU#16_Oriente tem lugar terça-feira 17 de Fevereiro às 18H00, no Café do Teatro Académico Gil Vicente, em Coimbra.
O tema e artigos do 16º número da revista NU serão motivo de conversa e de debate numa mesa redonda com os arquitectos Pedro Machado Costa, Vasco Pinto, Walter Rossa, o director da revista NU, Bruno Gil e a editora da NU#16_Oriente, Carina Silva.

[via email] A revista NU é a revista mensal de arquitectura produzida pelo NUDA – Núcleo de Estudantes do Departamento de Arquitectura da Universidade de Coimbra, desde Abril de 2002. A revista não tem fins lucrativos, tendo um preço de capa que serve unicamente para cobrir os custos de produção. A revista pretende contribuir para um ensino dinâmico da arquitectura, em que o debate de ideias e uma informação diversa e de qualidade deverão ser pilares fundamentais. Para isso, considera-se essencial a pluralidade da publicação, de modo a criar um conjunto heterogéneo de reflexões que contribua para um entendimento da situação contemporânea.

Até hoje foram publicados quinze números que contaram com a colaboração de arquitectos portugueses tão prestigiados como Vitor Figueiredo, Alexandre Alves Costa, Eduardo Souto Moura, Manuel Graça Dias, Nuno Grande, Jorge Figueira, Ana Vaz Milheiro, Pedro Bandeira, Paulo Providência, Pedro Maurício Borges, João Mendes Ribeiro e Didier Fiuza Faustino; de arquitectos estrangeiros reconhecidos como Dominique Perrault, Toyo Ito, Beatriz Colomina, Josep Maria Montaner, Mansilla+Tunon, Hans Ibelings, Francesco dal Co e Stefano Boeri; do historiador Paulo Varela Gomes; do professor Abílio Hernandez Cardoso; da socióloga Saskia Sassen; dos artistas plásticos António Olaio e Sebastião Resende; do escritor Gonçalo M. Tavares; do colectivo La Fura dels Baus.


|nu|
|nuda|aac|

|intraduzível|2|

Sexta-feira

Ao enfrentar a morte iminente durante um desastre de avião, Max Klein (Jeff Bridges) encontra a calma interior e a libertação do medo pela sua aceitação do fim inevitável. Livre de pânico, ajuda os outros passageiros a manter a calma e, após sobreviver ao impacto, a escapar com vida. O que se segue é a sua difícil e complexa viagem de volta à estabilidade emocional e espiritual.
Fearless (1993) pode não ser o melhor filme de Peter Weir, mas contém uma cena perfeita que retrata o processo psicológico de um homem que passa para um nível alterado de consciência. Na tentativa de compreender o estado mental de Max, a mulher Laura (Isabella Rossellini) percorre a secretária do marido à procura de pistas. O que encontra é um bloco de desenhos com imagens repetidas de um vórtice, um turbilhão de riscos e cores, colagens e fotografias em torno de um só tema. Naqueles desenhos Laura descobre o percurso mental que o seu marido traçou em direcção à loucura, e descobre o espectador o retrato feito por Max da experiência turbulenta do desastre de avião, o vórtice em direcção à morte filmado por Weir com intensidade e anti-sensacionalismo.
Quando era mais novo a ideia da morte não me assustava. Agora já não penso assim. Não é por a morte estar mais perto, mas por tê-la mais presente. A morte não espera por nós, não espera que completemos a nossa lista de coisas para fazer. A morte não aguarda por pedidos de desculpa ou declarações de amor. Chega, e pronto. Será que as coisas mudam por sabermos que vamos morrer. Porque eu vou morrer. E tu vais morrer. Não tenhas dúvidas. Será que isso nos deve fazer mudar?
A liberdade vem de dentro - freedom is from within - disse Frank Lloyd Wright. Isso é tudo. Desde que abrimos os olhos pela primeira vez, tudo é ganho, tudo é lucro, mesmo a dor.

|no|longer|the|city|

Quinta-feira

It is no longer the city but communications that form coexistence, and this induces one to abandon the perspective of the city as a representation of the group rationalization of relationships and social conflicts.
Vittorio Gregotti, The Besieged City

[via Hardblog] (...) Uma praça de S. Marcos em Santos, Manhattan de Cacilhas, Broadway de Matosinhos, são os mais mediáticos exemplos da desventura da cidade portuguesa. (...) Cheios de si mesmos, os promotores (plenos de boas intenções urbanas), e os nossos representantes políticos (plenos de ambição e glória), avançam ameaças de ficarmos com um bocado, com um pouco de tudo em Lisboa. Esquecendo-se de Lisboa.

Lembro-me do que escreveu Aldo Rossi a propósito do seu muito famoso Hotel Il Palazzo, em Fukuoka, Japão. Dizia ele que os seus clientes esperavam uma obra com a marca do seu autor, uma obra à Aldo Rossi. E no entanto, ao deslocar-se ao Japão e absorver as influências da sua cultura, seduzindo-se com a eloquência e permanência daquela sociedade, sentiu-se a projectar um edifício japonês, ou melhor, uma peça de arquitectura do Japão sentido por um ocidental. E apesar de ser hoje um dos projectos mais icónicos de Rossi, foi uma pequena desilusão inicial para os seus promotores.
Julgo que este percurso descrito por Rossi é de uma nobreza exemplar. De certo modo, e responsabilizando-me inteiramente pela comparação, julgo também que foi essa a intenção de Vittorio Gregotti ao projectar o seu (nosso) Centro Cultural de Belém. Não é um edifício à Gregotti, mas a sua interpretação de uma certa cultura atlântica portuguesa expressa na arquitectura renascentista. É assim um dos poucos edifícios monumentais contemporâneos genuinamente portugueses da cidade de Lisboa, como o tempo veio a comprovar.
O problema de perda de identidade que fala o Hardblog relaciona-se com o que a seguir descreve a propósito da “sociedade da(s) imagen(s)”. O excesso de imagem, de comunicação e informação, tem como consequência o contrário: uma redução tanto da comunicação como da informação. A realidade exacerbada pelo consumo imediato dos conteúdos num processo de “estetização” geral. O mundo é percebido segundo a óptica da proliferação de imagens estéticas desprovidas de conteúdo.
Ora estes reflexos de absorção de modelos que assentam em grande parte na espectacularidade vão no sentido exactamente inverso daquele que é descrito por Rossi, que é o da Experiência do Lugar, algo que está na base do próprio conceito de arquitectura como a entendemos desde Vitrúvio. Não quero com isto promover nenhuma espécie de conservadorismo passadista. A imaginação e a criatividade, a capacidade de nos relacionarmos com as referências do mundo que nos rodeia, enfim, a liberdade, são uma necessidade intrínseca e fundamental do trabalho da arquitectura. Mas essa liberdade não deve ser entendida como uma forma de consumo de imagens e modelos, desprovidos de contexto e substância. Deixamos de estar no mundo da arquitectura para começar a entrar no mundo da moda. O que também dava um tema interessante e longo de debater.

|optimismo|

Quarta-feira

Numa das minhas pesquisas dei com este texto em inglês do Miguel Sousa Tavares, colocado no openDemocracy em 25 de Julho de 2001, com o título The Night I Became European. Deixo aqui uma passagem, informando que qualquer erro deverá ser apontado ao tradutor e não ao autor, ou seja, a mim.

O que quer que a Europa decida tornar-se no nosso futuro comum, independentemente de quantos países venham a fazer parte dela e apesar das tremendas dificuldades que imagino irão existir para governar esta entidade, julgo que nunca na história da humanidade teve lugar uma tentativa de levar a cabo um ideal tão revolucionário. Reunir um continente inteiro cujo destino parecia residir nas disputas e na guerra (olhemos para a ex-Jugoslávia...); fazer com que todos enterrem os seus diferendos e tentar construir, em alternativa, um governo comum sustentado por uma lei comum que represente o melhor da nossa herança – esse é o mais visionário projecto que a política alguma vez ofereceu.
Nunca, desde o Império Romano, tivemos esta noção de que alguém vivendo na Suécia tem os mesmos direitos que alguém vivendo em Portugal, na Grécia ou na Irlanda. Aqui está a verdadeira Revolução das Pessoas: já não somos sujeitos, somos Europeus.

|pessimismo|

Quarta-feira

Portugueses são os europeus mais pessimistas.



Notas:
Imagem de Cartoon Bank, The New Yorker.

|esperança|

Terça-feira

A construção civil sempre foi tida como um bom referencial da actividade económica e do desenvolvimento de um país. No entanto, o mundo da construção de hoje já não é o de há cinquenta anos. Apesar da construção que se faz em Portugal ainda assentar em grande parte em métodos tradicionais desactualizados em relação à realidade internacional, a inserção de materiais e maquinaria de origem estrangeira (com crescente presença da produção vinda de Espanha e outros países europeus) vai transformando de uma forma invisível ao senso comum o papel da construção enquanto factor de produção de riqueza.
Quando uma actividade económica aplica materiais oriundos da produção industrial nacional está a canalizar riqueza para dentro do seu próprio sistema económico. Mas quando essa actividade aplica uma grande percentagem dos custos em materiais e maquinaria de origem estrangeira, está a transformar aquilo que aparentemente pode ser um investimento nacional, num consumo externo. Este facto é tanto mais verdadeiro à medida que as mais importantes empresas portuguesas da construção vão sendo agregadas a grupos económicos internacionais, que se tornam os verdadeiros detentores das grandes empreitadas públicas do país.
Mas se a coexistência com o mercado económico internacional é uma realidade com que nos temos de confrontar, o custo dos erros de planeamento na área da construção é algo que é da responsabilidade única dos portugueses. Décadas de relacionamento promíscuo entre o estado e a construção civil, em que em nome da necessidade de fazer e mostrar obra prevaleceu o vale-tudo ao nível dos gastos e das regras, criaram uma herança pesada que o país terá de suportar no futuro. Veja-se o caso do Programa POLIS. Sem querer enveredar aqui pela via das recentes polémicas em torno do assunto, cujos frutos serão os previsíveis, ou seja, nenhuns, é preciso reconhecer que o POLIS, com muitos méritos na minha opinião, é também o sintoma e o preço a pagar pelos erros do passado na área do urbanismo. Mas o que verdadeiramente preocupa não é o preço do POLIS em si mesmo, que é apesar de tudo a canalização de uma grande fatia de fundos estruturais comunitários para realizar obras em muitos casos notáveis de reconversão urbanística e com impacto reconhecível ao nível da qualidade de vida nas cidades portuguesas. O que preocupa é que, enquanto se paga o POLIS, continuam a cometer-se os mesmos erros de planeamento urbanístico ao nível do fazer cidade nova, por todo o país, erros que nos obrigarão a pagar os POLIS do futuro e que hoje bem podíamos estar a evitar cometer à partida.
É neste panorama de desvantagem cultural que nos caracteriza, que a notícia de mudança de orientação dos fundos comunitários prevista no novo pacote financeiro da União Europeia para 2007/2013 chega como um verdadeiro sinal de esperança. Para além do facto de que Portugal não deverá sofrer cortes significativos no acesso aos fundos estruturais, esses fundos já não serão canalizados para a área da construção de auto-estradas ou equipamentos, que deverão ser realizados à medida das capacidades nacionais, passando agora para o incentivo em políticas de competitividade que fomentem formação e qualificação, a tecnologia e a investigação. Os dinheiros europeus devem agora servir para Portugal melhorar os recursos humanos. (...)A nova situação constitui uma oportunidade para se alterar a cultura de utilização dos fundos estruturais, segundo uma fonte comunitária, a aposta deve ser agora a sociedade de informação e do conhecimento.
Finalmente Portugal vê chegar uma oportunidade de iniciar um verdadeiro investimento em educação e formação profissional, que nos poderá conduzir ao trilho já percorrido por outros países da União Europeia e os levou a um patamar de desenvolvimento invejável. Só é triste que seja a UE e não Portugal a determinar para si essa prioridade. Como sempre, o ignorante nem sequer sabe aquilo de que verdadeiramente precisa. Felizmente, porque somos bons alunos, seguiremos o percurso estabelecido pelo bom professor europeu que, ele sim, aprendeu a lição.

|konnichiwa|

Segunda-feira

[via Tawawa] A weblog is like a big party thrown at somebody’s house with a bunch of conversations going on at the same time. A weblog is like a diary, except that it’s indistinguishable from a diary. A weblog is like a web directory, except it has fewer dead links and better commentary on those links, and more timely links anyway, and, above all, it orders those links chronologically instead of ordering them by subject categories. A weblog is like a Japanese breakfast with miso soup, pickles and rice, except you don’t run the risk of having natto served up with it.

Alguns blogs japoneses:
Tawawa, Alive In Kyoto, Achikochi, asbCreative, Vu Deja, Antipixel, Sushicam, Sentimental Pixels, 35 Degrees Of Japan, Bastish, Pure Land Mountain.

|intraduzível|

Sexta-feira

A nossa cultura assenta em grande parte no poder da palavra. Assumimos a linguagem verbal como a base em que reside o conhecimento de cada povo. Há mesmo quem afirme que a riqueza de uma cultura se pode medir pela quantidade de vocábulos que existem na sua língua. Em certa medida isto é verdade. O idioma de um povo contém o universo descritivo essencial e próprio de cada sociedade. Aquilo que nós chamamos apenas de “lua” ou “sol” podem ser elementos que noutras línguas dispõem de grande quantidade de vocábulos para definir os seus estados de observação, ou seja, diferentes substantivos para as várias formas que pode ter uma só entidade. Existem no entanto outras linguagens como a dança, a música, a arquitectura e um número infindável de outras formas de expressão e comunicação humanas. A essas linguagens chamamos de “não verbais”.
Porque temos uma predisposição para verbalizar o pensamento tendemos a aceitar que todos os conceitos das outras linguagens são traduzíveis para palavras. No entanto existe em cada uma delas processos específicos de expressão, estritos ao seu universo próprio. As linguagens não verbais também são formas de expressão da inteligência e da cultura humana, e em certa medida existe entre cada uma delas um nível de intraduzibilidade daquilo que é intrínseco a si mesma.
O filme Filhos De Um Deus Menor (1986) dá um belo exemplo da dificuldade de comunicar para lá da língua. James (William Hurt), um professor de terapia da fala, está em casa com Sarah (Marlee Matlin), uma intrigante mulher surda com quem se envolveu romanticamente. James está a escutar um disco, ouvindo um belo concerto para violino, de Bach, e Sarah pede-lhe que lhe mostre como é a música. James tenta transmitir-lhe a emoção e beleza da melodia triste que sai do gira-discos, através de uma mistura de dança com linguagem gestual, movendo o corpo, abanando os braços, torcendo-se, agitando-se. Tenta repetidamente expressar tudo o que lhe inspira aquela música, até que desiste, pára, olha para Sarah e diz: “Não consigo”.
Podemos através de palavras descrever uma música até à exaustão, definir os sentimentos que a percorrem, analisar o ritmo, a métrica, a forma em toda a sua complexidade, e no fim quem nos ouvir será incapaz de reproduzir a música de que falamos. Podemos categorizar a natureza dos espaços de um edifício, aqui austero, ali esbelto, teatral, místico, opressivo, libertador. No entanto, todas as descrições são parcas quando comparadas com a experiência de sentir a arquitectura de um lugar. Interessam-me os aspectos próprios da linguagem arquitectónica, aqueles que têm pouca expressão fora dela. Por exemplo, a ideia do “abstracto” na arquitectura é uma ideia da arquitectura “ela mesma”, tal como a construção dissonante na música é um diálogo estrito do universo da música. Parece-me complexo, e ao mesmo tempo assustador, o mergulho numa linguagem não verbal, porque é algo que choca com a natureza adquirida do nosso pensamento. E no entanto, é para lá das palavras que se alcançam várias formas de experimentar a inteligência e se constroem as outras linguagens que desde sempre o homem sentiu necessidade de expressar.

|pensar|pelo|desenho|

Quinta-feira

Um texto do City Of Sound deixou-me a pensar em algo que o Frank Gehry dizia sobre o método utilizado para projectar o Museu Guggenheim de Bilbao. Contava o arquitecto americano que ao utilizar as maquetes para projectar, fazendo modelos a diferentes escalas, alterando, filmando, refazendo, estava a conceber um objecto arquitectónico que não conseguiria criar somente através de um computador. As técnicas que se utilizam para projectar têm repercussão no resultado final, na sua forma e mesmo na sua linguagem.
Dificilmente se poderá pôr em causa a inovação e os benefícios das ferramentas de projecto que os computadores colocaram à nossa disposição. Apesar da sua face mais espectacular, que se reflecte nos modos como hoje se consegue comunicar (e vender) a arquitectura, pela capacidade de “mostrar” ao espectador o produto com uma grande fidelidade, o impacto do computador na arquitectura vai muito para além disto. A optimização de recursos e a capacidade de gerir melhor aquilo que é importante modificou a nossa abordagem de trabalhar e de pensar. Mais do que isso, os computadores permitiram aos arquitectos trabalhar as “formas” da arquitectura e visualizá-las, manipulando-as de maneiras que antes eram impossíveis sequer de imaginar. No entanto, não nos devemos esquecer que outras formas de pensar arquitectura permitem encontrar resultados diversos. Os métodos de projectar como a maquete ou o desenho manual não devem, eu diria mesmo que não podem, ser esquecidos porque nos oferecem processos diferentes de se pensar arquitectura.
O caso do Museu Guggenheim é curioso porque quando a equipa de Gehry alcançou aquilo que julgava ser o resultado final, através de uma maquete, resolveu “digitalizá-la”. Dada a complexidade do objecto que haviam construído, tiveram de encontrar novos métodos de o fazer. Com uma máquina utilizada na medicina para digitalizar pontos num espaço tridimensional (usada na reconstrução óssea), atribuindo coordenadas medidas através de um braço mecânico com um sensor na extremidade, os arquitectos de Gehry transferiram a maquete física para uma nuvem de pontos virtuais no computador, reconstruindo posteriormente a maquete, agora digital. O novo modelo serviu de base ao trabalho de engenharia, para construir o esqueleto estrutural do edifício que dificilmente poderia ser resolvido sem o apoio do computador.
Este casamento de diferentes técnicas é uma demonstração das possíveis complementaridades dos métodos de projectar. Sem preconceitos, o que é necessário é habilidade e inteligência para abordar problemas antigos de formas novas, aquelas que melhor se adequarem ao percurso de projecto que cada um pretender seguir. Porque seja em que milénio for, um bloco e um lápis talvez sejam sempre uma forma rápida e eficaz de se chegar à imaginação.

|new|york|blogs|

Quarta-feira

O que é um blog se não um caderno de apontamentos digital? Podem anotar-se pensamentos, escrever poemas, rascunhos, colar desenhos ou fotografias, rasurar e até rasgar as páginas. A parte interessante é podermos todos vasculhar os cadernos uns dos outros. Julgo que é um traço de alguma generosidade que alguém como José Pacheco Pereira, goste-se mais ou menos da sua orientação partidária, abrir no Abrupto uma janela para a sua mente e dar a conhecer os assuntos que lhe interessam, que o comovem, que o aborrecem, as referências com que constrói o seu dia a dia. Um blog pode ser uma janela para essa “electric mind”, o intelecto digital que cada um quiser inventar para si. Esse tipo de blog, com exposições pessoais daquilo que nos interessa independentemente da correspondência com o interesse dos outros, parece-me apesar de tudo mais atraente do que aqueles que são assumidamente políticos no discurso e na agenda.
Mas o blog é apenas o suporte, a criatividade faz o resto. Gosto de blogs que nos fazem pensar no que está para trás do que ali se escreve e se mostra. Gosto de blogs com percursos, como O Céu Sobre Lisboa. Quem é esta pessoa? Que histórias são estas? Esses são para mim os blogs mais fascinantes, aqueles que dizem “vem comigo, vou mostrar-te coisas que não conheces”.

Descobri recentemente que os blogs são uma maneira nova de se viajar. E que tal ir hoje passear por Nova Iorque. Gosto de visitar Rachelle Bowden, uma designer nova-iorquina que partilha fotografias da cidade, dos amigos, do trabalho, do almoço. Seduz-me a subjectividade de coisas que não interessam nada mas que são expostas com sentido estético, porque a riqueza da vida se constrói pelo olhar, o humano em cada um. Passo pelo mercado de peixe em Chinatown pela mão de Jake Dobkin, depois talvez vá fugir da chuva que cai na 114th and Broadway. Fico a ver as pessoas circulando de patins no gelo em Central Park, partindo para parte incerta ao desviar-me da confusão que paira para os lados da Ave. B. Agora perco-me no Satan’s Laundromat, um fotoblog com percursos pela cidade decadente, perdida, perturbante. Afinal Nova Iorque também pode ser assustadora. Perco-me por aquelas paragens mas fujo depressa. Depois, cansado, talvez pare para ver os restaurantes em NYC Eats.

Os blogs têm uma coisa boa, mostram-nos que o mundo está vivo e cheio de pessoas. Afinal as cidades não são abstractas, povoadas daqueles utentes imaginários que os arquitectos gostam de manipular, que aqui se surpreendem, aqui se extasiam. As cidades são povoadas por pessoas concretas com vida própria, e talvez este novo suporte de comunicação que é o blog sirva para nos descobrirmos todos uns aos outros. Por isso, amanhã, talvez vá de blog até ao Japão.

|pink|tank|

Segunda-feira



Quer-me parecer que estes ingleses já não andam a levar a guerra ao terror muito a sério.

Quero saber mais: Pink Tank (em inglês).