Quarta-feira
A política é lenta a responder às necessidades sociais mas rápida a assimilar os chavões do momento. Eis então que a maioria parlamentar acordou para a necessidade de criar uma disciplina escolar que dê especial prioridade à saúde sexual e reprodutiva, visando, entre outras coisas, atacar as causas na origem da prática de abortos. Sendo um sinal positivo da consciencialização crescente em relação à falta de uma política educativa direccionada para a sexualidade, não deixa de ser anedótico que esta proposta seja agora apresentada como uma temática que preocupa a coligação, acrescentando entender que o espaço de tempo desta legislatura não deve ser tempo perdido. Mas afinal, aonde têm andado estes senhores nos últimos vinte anos?
Já aqui tive oportunidade de escrever anteriormente sobre a questão da educação para a saúde a propósito de um artigo do psicólogo Daniel Sampaio. É um problema actual mas não é de agora. O panorama da educação sexual em Portugal só pode ser desanimador. A propósito disto dizia ontem o Professor Machado Caetano no programa televisivo Encontro Marcado na SIC Mulher, apresentado por Simone de Oliveira, que era extremamente importante perceber que existe uma grande diferença entre informação e educação. Eis um ponto sensível em torno do qual se deviam debruçar os ideólogos políticos das novas disciplinas orientadas para a formação e o desenvolvimento pessoal.
Machado Caetano ficou conhecido por ser um dos primeiros médicos portugueses a trabalhar activamente na divulgação para o combate e prevenção da SIDA, tendo escrito recentemente o livro “Lições de SIDA, Lições de Vida” no qual faz o retrato da realidade nacional e advoga a aposta na educação (desde o seu início) como a única via para erradicar a doença e promover o comportamento são e responsável. A este respeito, dizia existirem muitos casos de pessoas seropositivas que afirmavam ter informação relativamente à doença, conhecerem os riscos, e no entanto, no seu comportamento individual, nada terem feito para se prevenir a si e aos seus parceiros. A estes dados, juntam-se estatísticas recentes em que 80% dos portugueses sexualmente activos afirmam não tomar quaisquer precauções relativas à SIDA ou a outras doenças sexualmente transmissíveis. Seja a estatística mais ou menos acertada, é pelo menos um indicador preocupante. A conclusão é simples e expressa na afirmação de Caetano, que uma coisa é informar dos factos, outra é educar os comportamentos. E aí é necessário dotar os jovens do sentido crítico necessário para que vão formando o seu comportamento e desenvolvendo a capacidade de escolher o melhor para si. Porque os pais têm de perceber que a vida sexual activa de um filho começa quando eles não estão presentes. Os pais não vão estar lá para dizer “ó filho, tem lá atenção, põe o preservativo” ou “filha, olha que assim podes engravidar”. Não apostar na educação sexual dos jovens é estar a mentir-lhes (e a nós próprios) em relação ao futuro de todos.
Fico também sem compreender a ênfase dada à necessidade da disciplina a criar neste âmbito ser avaliativa. Esta obsessão com a avaliação deixa-me a pensar nas causas desta incapacidade em criar novos espaços dentro do contexto escolar, em que a prioridade seja o debate e a participação, a partilha de experiências e não a avaliação. E relembro-me do episódio de uma colega minha do secundário, que ao perceber que tinha errado uma pergunta de um teste, não alcançando assim os vinte valores mas apenas dezassete, desatou a chorar. Fico a pensar para mim se esta rapariga, uma aluna excepcional e certamente o brilho dos olhos dos seus obsessivos pais, era de todos nós o ser humano mais capacitado para os desafios da vida, ou se pelo contrário, eram aqueles que lutavam por uma boa nota e talvez fizessem uma festa por um quinze. Talvez seja caso para dizer não só a máxima de Daniel Sampaio - inventem-se novos pais - mas também: inventem-se novas escolas.
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