Estufar esse filó

O país tem sede de festa! O que é afinal a futebolândia senão a entrega ao escapismo sofredor que sonha. E se a futebolândia dos media é uma fabricação de tramas fáceis de desmultiplicar, já se revela mais complexo o mergulho de todo um povo em fuga da realidade quotidiana. Eis uma nação entregue à fantasia para estufar esse filó de que cantava Chico Buarque. E porque não?

Recordo nestes dias suspensos de caminhada para Berlim tantas outras “bandeiras” portuguesas? Carlos Lopes, voando para a consagração de uma carreira notável, nessa maratona olímpica de Los Angeles em 1984. Ou Rosa Mota, quatro anos mais tarde em Seoul, quase sem apoio do estado português mas fazendo vibrar fundo os nossos corações.
Os portugueses são um pouco isto afinal, por vezes uma funda simplicidade que se entusiasma em perseguição dos sonhos, como fez Fernanda Ribeiro em recta final de 10.000 metros noutros olímpicos, desta feita em Atlanta. E tantas outras bandeiras por desfraldar à janela, afinal?

Registo então este estudo da Marktest relativo ao investimento municipal na área da cultura. Assistimos, de 1999 a 2003, a uma duplicação das despesas camarárias na actividade cultural. Revela-nos o rodapé para o facto de as despesas em jogos e desportos ocuparem metade desse valor, em termos de média nacional. No caso mais notável de Braga, que lidera o valor de despesa na cultura, essa percentagem ascende acima dos 90% de gastos em jogos e desporto, associados evidentemente ao investimento do campeonato europeu de 2004. Maldade minha ir mais além para presumir que, para a grande maioria dos restantes concelhos, o futebol ocupará decerto a maior parte da fatia desportiva.



É o retrato da futebolândia em números. E sem querer estragar a festa, serve para lembrar que no assentar da poeira seria bom olhar para eles e pensar em que futuro nos reservam.

La primavera intanto tarda ad arrivare.