Pano de fundo
Children of Men: Don’t Ignore The Background é o título do mais recente ensaio vídeo do canal YouTube Nerdwriter. Partindo da análise do filme dirigido por Alfonso Cuarón em 2006 o autor apresenta-nos as múltiplas dimensões da construção de uma narrativa aparentemente linear, tomando como ponto de partida a inter-relação entre o primeiro plano e o pano de fundo. Muito mais do que a reflexão sobre um filme, está em causa a dificuldade em abarcar a compreensão da realidade a partir da circunstância individual da nossa experiência de vida.
De certa forma, aquilo que nos é contado a partir de um objecto cinematográfico transporta-nos para a nossa relação com o mundo através dos mídia. Não é alheio a esse debate a prevalência da imagem na bipolarização de opiniões, nos meios de comunicação e nas redes sociais, como temos assistido, por exemplo, a propósito do fenómeno dos refugiados na Europa.
Não se trata de desprezar a pertinência das imagens na consolidação de um entendimento do mundo que nos rodeia, em toda a sua complexidade. Mas importaria ter presente – em particular aqueles que deviam defender a dimensão mais nobre do jornalismo – que as imagens não devem servir para promover uma "dramatização informativa" que negligencie uma tradução profunda dos dramas mais vastos em que se inscrevem.
Como vem referindo João Lopes nas reflexões que vem partilhando a propósito do papel da comunicação social e, em particular, da televisão, estamos perante um panorama de afunilamento mediático em que parece persistir "a vontade totalizante de colocar o mundo inteiro a ver o mesmo ao mesmo tempo”. É no confronto com esta realidade que a direcção de Cuarón se revela um documento particularmente didáctico, ao afastar-se recorrentemente da narrativa de primeiro plano para nos revelar o subtexto da envolvente mais ampla com que, mais cedo ou mais tarde, as suas personagens estarão condenadas a confrontar-se. Fala-nos, no fundo, de algo tão próximo da nossa condição contemporânea, num momento em que a História nos parece bater à porta.
Neste tempo em que, por demasiadas vezes, certas imagens são elevadas a essa condição simbólica, valerá a pena relembrar o modo como Michael Moore foi capaz de “mostrar” o drama vivido no dia 11 de Setembro de 2001 através dos terríveis sons captados nas proximidades das torres gémeas, confrontando os espectadores das salas de cinema com longos minutos de ecrã negro. Paradoxalmente, enquanto os mídia informativos vão promovendo o recurso à imagem como exaltação de um “registo da verdade”, o cinema continua a afirmar-se como instituição capaz de nos convocar para uma compreensão interior desse mundo lá fora, tão difícil de apreender.
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Muito interessante. Entretanto, apanhamos mais uma chapada, com a referências às fronteiras.
ResponderEliminarEnquanto o capitalismo não conhece fronteiras, milhares de refugiados a fugir da morte, têm que parar em frente a estas linhas ficticias.
Vi o vídeo e lembrei da Sociedade do Espectáculo, do Guy Debord.
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