RECLAIM: REMEDIATE, REUSE, RECYCLE
RECLAIM: REMEDIATE, REUSE, RECYCLE is a new publication from a+t architecture publishers. This post is available in English (please scroll down to read).
RECLAIM: REMEDIATE, REUSE, RECYCLE é a mais recente edição da a+t magazine. Trata-se do título de abertura de uma nova série especialmente dedicada à analise de obras de arquitectura motivadas pela ideia de Re-acção; projectos que materializam a vontade de reclamar o território, manifestando uma preocupação com o contexto envolvente e um uso inteligente dos recursos disponíveis.
RECLAIM apresenta muitos exemplos interessantes de intervenções urbanas e periféricas conduzidas com sensibilidade e consciência cívica, desde pequenos gestos de reabilitação a grandes operações infraestruturantes. Os projectos são interpretados, comparados e classificados em três categorias: remediar - acções no território; reutilizar - acções em edifícios; reciclar - acções construtivas específicas, nomeadamente através da utilização de materiais existentes em novas associações e técnicas inovadoras.
3S Studio, Railway Transformation, Albissola, Italy, 2011. Image credits: Daniele Voarino.
Estamos assim perante um conjunto de exemplos que vai muito além de uma abordagem meramente conceptual do design para convocar o sentido de responsabilidade moral do papel do arquitecto, agora num contexto de constrangimentos financeiros e restrições orçamentais. São, por isso mesmo, projectos invulgares que não cabem em formulações convencionais do “restauro” e da “preservação”. Em alternativa, são muitas vezes propostas invasivas que se incorporam em estruturas pré-existentes, em alguns casos num explícito estado de decadência e ruína. Esta sobreposição é interessante e materializa uma intenção: uma prática emergente que compreende o design não como uma forma de “embelezamento” mas como processo para implantar função e presença humana em ambientes que se desejam plenamente vividos. Talvez estejamos, por isso, a testemunhar a génese de uma nova cultura arquitectónica consciente das suas limitações mas carregada de recusa pelos discursos paralisantes que se veiculam ao abrigo da austeridade.
Interbreeding Field, Shihlin Paper Mill, Taipei, Taiwan, 2010. Image credits: Interbreeding Field.
Uma vaga que começou com pequenos acontecimentos de guerrilha urbana, de pequena escala, alternativos e oportunistas, começa agora a estabelecer-se lentamente em práticas mais consolidadas. É, de certa forma, o abandono de uma ideia de disciplina isolada, para dar lugar a uma arquitectura enquanto expressão de cidadania activa. Todos estes projectos, grandes e pequenos, partilham o desejo comum de fazer mais com menos. Interrogam-nos assim com a possibilidade de uma arquitectura que exista para lá das formas excêntricas e do custo elevado dos materiais, para lá do desenho de assinatura e de uma qualquer validação oficial, e ainda assim abarcar todo o seu significado e ser decisiva no futuro das nossas cidades. Talvez estejamos perante aquilo que separa o passado do futuro: um paradigma em mudança em torno da própria noção de projecto, não mais uma trajectória contemplativa mas um processo para levar a cabo estratégias e acolher acções transformadoras no território da comunidade.
COMOCO, N10-II Sports Facility, Coimbra, Portugal, 2012. Image credits: Fernando Guerra.
Como sempre, a equipa editorial da a+t apresenta um trabalho de análise minuciosa de todos os projectos, discriminando os muitos processos em presença e identificando relações entre trabalhos semelhantes, sem perder de vista a importância das intervenções como um todo. Cada capítulo contém o contexto prévio do projecto, uma visão sobre as estratégias seguidas e uma apresentação detalhada dos resultados obtidos, através de imagens, desenhos e diagramas, tornando esta publicação não apenas num bom auxiliar de referências mas também uma boa ferramenta de estudo para arquitectos e estudantes. RECLAIM está disponível na loja online da a+t ediciones e tem portes gratuitos para Portugal.
Langarita Navarro, Matadero Music Academy, Madrid, Spain, 2011. Image credits: Luis Díaz Díaz.
Em2n, Schweingruber Zulauf, Letten Viaducts Refurbishment, Zurich, Switzerland, 2010. Image credits: Em2n.
Fabre/deMarien, LE 308, Bordeaux, France, 2009. Image credits: Stéphane Chalmeau.
RECLAIM: REMEDIATE, REUSE, RECYCLE is a new publication from a+t architecture publishers. This is the opening title in a new series specifically dedicated to the analysis of architectural works on the basis of Re-actions, projects that express an intention to reclaim the territory, manifesting a sense of care for the environment and an intelligent use of limited available resources.
RECLAIM features many interesting examples of architectural interventions conducted with conscience and civic awareness. The projects are interpreted, compared and classified under three main categories: remediate refers to processes that act on the territory; reuse is focused on buildings; recycle is about the use of existing materials through innovative construction techniques. Interventions range from small and specific rehabilitation gestures to wide infrastructural events.
These are not mere conceptual approaches to design but initiatives that call for a moral responsibility of the architect’s role in the context of financial constraints and budget restrictions. Therefore, these are unusual projects that don’t fit into the conventional ideas of “restoration” and “preservation”. Alternatively, they’re often invasive proposals that incorporate into existing settings and buildings in a very explicit state of decay and ruin. This superimposition is interesting and materializes an intent; a new and rising architectural practice that understands design as a means not to “beautify” but to install function and presence in a powerful and fulfilled human environment. So maybe we are witnessing the rise of a new design culture that is fully aware of its limitations but is also unwilling to compromise with the paralysis behind certain notions of austerity.
What began with small-scale, process-driven happenings is slowly making its way to become a more consolidated form of practice. This is, in a way, the abandonment of an idea of isolated discipline and the rise of architecture as an expression of active citizenship. All these projects, big and small, share a common desire to do more with less and the will to engage everyday spaces and everyday life. It seems, then, that architecture may survive without costly building materials, beyond signature design and official sanction, and still retain all its meaning and be decisive for the future of our cities. It just may be that this is what separates the past from the future: the changing paradigm of the very notion of project, from a contemplative individual journey to an active process for embodying strategies and nurture transformative actions in the community.
As usual, a+t’s editorial team makes an effort to analyze and dissect all the projects, discriminating the many processes involved in their making. This serves as a way to identify each action and to establish a relationship with similar works, not disregarding the importance of the interventions as a whole. Each chapter features the general background to the project, a view of the strategies followed and a detailed presentation of the results attained, through images, plans and diagrams, making it not only a great design companion but an excellent tool for architects and students alike.
Jansana, de la Villa, de Paauw, AAUP Jordi Romero, Turó de La Rovira, Barcelona, Spain, 2011. Image credits: Lourdes Jansana.
Alvenaria
Wang Shu, Ningbo History Museum, Ningbo, China, 2003-2008. Image credits: Fernando Guerra, via Facebook.
Talvez um autor seja alguém que nos fala sempre das mesmas coisas. Um escritor, um cineasta, um arquitecto, estabelece sempre uma relação com o mundo a partir dos seus próprios temas, do seu ponto de partida. Por isso, de certo modo, de cada vez que abordamos uma obra estamos a retomar uma conversação com a mesma pessoa e esse diálogo é sempre possível, agora e no futuro, como nos é possível reencontrar hoje a voz dos autores do passado.
Uma verdadeira sociedade do conhecimento será aquela que compreende o lugar da cultura enquanto diálogo, não apenas do presente consigo mesmo, mas com os que nos antecederam. O drama do presente reside na perda de contexto das palavras e das imagens, na trágica relativização de tudo. Se há um património a proteger são essas vozes que se lançam através dos tempos para falar connosco, nas páginas de um livro, nos frames de um filme, nas alvenarias de um edifício.
Imagens do Museu de História de Ningbo, projecto da autoria do arquitecto chinês Wang Shu, distinguido com o Prémio Pritzker em 2012. Fotografias de Fernando Guerra. Álbum completo disponível no Facebook.
A vida e o seu entorno
Quando aqui publiquei ontem a curta do Pedro Kok sobre a Marquise do Parque do Ibirapuera estava longe de saber que Oscar Niemeyer vivia as suas últimas horas. Porque nos parecem hoje diferentes estas imagens? Talvez porque agora nos lembram que por detrás das formas há a mão humana que molda o concreto e enche o inerte de espírito.
Oscar Niemeyer pertence a uma geração que viveu e construiu um tempo de que hoje parecemos irremediavelmente distantes. Um tempo em que a sociedade acreditou na força transformadora das ideias e na arquitectura como forma de construir mundo. Brasília é esse sonho desmesurado, tão falível quanto transbordando de humanidade, de um país inteiro fervilhante de vida e cultura.
Talvez por isso as curvas da arquitectura do grande mestre brasileiro nos pareçam hoje mais pesadas. Porque nos recordam que a arquitectura, assim como a política, é mais do que um conjunto de medidas.
A vida é um sopro.
Oscar Niemeyer pertence a uma geração que viveu e construiu um tempo de que hoje parecemos irremediavelmente distantes. Um tempo em que a sociedade acreditou na força transformadora das ideias e na arquitectura como forma de construir mundo. Brasília é esse sonho desmesurado, tão falível quanto transbordando de humanidade, de um país inteiro fervilhante de vida e cultura.
Talvez por isso as curvas da arquitectura do grande mestre brasileiro nos pareçam hoje mais pesadas. Porque nos recordam que a arquitectura, assim como a política, é mais do que um conjunto de medidas.
A vida é um sopro.
Marquise sobre o parque
Marquise do Parque do Ibirapuera, São Paulo, Brasil, projecto de Oscar Niemeyer de 1954 filmado pelo fotógrafo brasileiro Pedro Kok. Recentemente restaurada, esta estrutura aérea estende-se por várias centenas de metros através do parque unindo edifícios e serve todos os dias de ponto de encontro para muitas pessoas, famílias, patinadores, skatistas e cidadãos solitários que ali se abrigam debaixo da cobertura.
Pós-POLIS: Reabilitação Urbana em tempo de crise
Apesar dos sinais de deterioração económica e radicalização política que crescem, não apenas em Portugal mas na Europa, parece estar a gerar-se algum consenso quanto à necessidade de introduzir mecanismos de investimento que impulsionem a dinamização e o crescimento da nossa economia.
O contexto não é fácil. Com problemas internos – endividamento excessivo, desequilíbrios estruturais, dificuldades de acesso ao crédito – e condicionantes externas – a desaceleração da economia mundial e a Europa à beira da recessão – garantir financiamento para grandes operações no domínio da obra pública é um sério desafio. Por outro lado, com os recursos limitados que poderão ser alocados ao investimento, o sector da construção terá sempre e necessariamente de competir, como opção política, com outras áreas de produtividade mais orientadas para os bens transacionáveis, para a exportação e para o retorno sustentável de médio e longo prazo.
Importa aqui lembrar que a construção é uma fileira que arrasta todo um conjunto de agentes económicos: os que projectam e fiscalizam; os que constroem; os que produzem materiais de construção, maquinaria, tecnologia diversa; os intermediários, vendedores e revendedores e ainda todos aqueles que prestam uma vasta gama de serviços complementares.
Em contraponto, o sector da construção, enquanto área de investimento, tem também riscos que importa não desconsiderar: as empresas de maior dimensão estão em geral associadas a capital estrangeiro e muito do material, máquinas, hardware e software utilizados têm origem no exterior.
É assim num ambiente económico adverso e num cenário de colapso do sector da construção civil que a Reabilitação Urbana vem sendo referida como uma das opções políticas possíveis para o investimento público. Mas é também por todas as razões referidas que a Reabilitação pode ter um atractivo adicional: ela incorpora todo um conjunto de intervenções de pequena e média escala que podem ser dirigidas em benefício da economia local. É um veículo privilegiado para alcançar, de forma cirúrgica e planeada passo a passo, um vasto conjunto de pessoas.
A questão é: como fazê-lo? Acima de tudo, como fazê-lo com poucos meios financeiros disponíveis?
Seria um erro lamentável se o Estado viesse a actuar de forma precipitada e simplista, dando prioridade à intervenção sobre o seu próprio património [1] ou a acções dispendiosas de mero embelezamento urbano [2], em prejuízo de uma aplicação dos seus escassos recursos em benefício directo dos cidadãos.
A resposta tem de passar pelo abandono de políticas convencionais de investimento público de grande escala como as que foram aplicadas na economia interna nas últimas décadas. Acima de tudo, a acção do Estado deve centrar-se mais na gestão do que na construção propriamente dita, actuando como parceiro dinamizador e não apenas como mero financiador.
Eis uma ideia…
* * *
Tradicionalmente, os apoios estatais à recuperação de habitação são canalizados directamente ao proprietário particular. Este modelo estabelece desde logo várias desvantagens de gestão. Porque o apoio estatal é dado caso a caso, o custo unitário de cada operação é inevitavelmente maior. Assim, e porque os meios financeiros são sempre limitados, a preocupação do Estado centra-se em limitar o universo de candidatos elegíveis; cidadãos enquadráveis em limites remuneratórios muito estritos.
Isto é compreensível. Se o dinheiro disponível é pouco devemos dirigi-lo a quem mais precisa. Mas porque estamos a fazê-lo de modo unitário, acabamos por assumir custos mais elevados por cada operação de recuperação. Estamos, como tal, a fazer menos com o nosso dinheiro do que se adoptássemos um modelo colectivo de intervenção.
A solução passa por criar programas de Reabilitação Urbana que integrem, em parceria, colectivos de cidadãos, desejavelmente orientados para a habitação nos centros antigos das cidades. Esses programas deveriam ser organizados por áreas de intervenção: telhados e coberturas; fachadas; vãos exteriores; infraestruturas básicas (electricidade, águas e esgotos); reabilitação de estruturas; outros (a definir mediante as carências locais).
Programas desta natureza seriam promovidos pelo Estado, geridos localmente pelas Câmaras Municipais e abertos a todos os cidadãos, proprietários particulares, que apresentariam a sua candidatura a uma ou várias áreas de intervenção mediante as suas necessidades.
Estas candidaturas, devidamente analisadas e agrupadas em conjuntos (em função da tipologia, localização, custo e dimensão da obra) seriam posteriormente alvo de processos de concurso público. O Estado facultaria assim, em primeiro lugar, o saber técnico na preparação de procedimentos de concurso, de que seriam beneficiários os próprios cidadãos.
Tratando-se de agrupamentos de obras – incidindo, por exemplo, em 25, 30 ou mais habitações – os custos unitários por intervenção tornar-se-iam consideravelmente mais baixos para cada particular do que se promovidos separadamente e apoiados caso a caso. Complementarmente, os fundos estatais disponíveis seriam orientados para comparticipar as intervenções dos cidadãos mais carenciados. Nos outros casos em que a comparticipação directa não fosse possível, seria sempre viável estabelecer mecanismos compensatórios de incentivo fiscal como a dedução do IVA ou a isenção temporária de Imposto Municipal sobre Imóveis.
* * *
Uma filosofia de intervenção colectiva no domínio da Reabilitação Urbana, em que Estado e cidadãos actuem como parceiros, pode ter vários efeitos económicos positivos. Permitiria, por um lado, viabilizar uma vaga de construção em que as empresas poderiam participar em concorrência aberta. Por outro lado, profissionais e firmas de projecto poderiam ser chamados a colaborar na preparação dos procedimentos concursais e na assistência técnica das obras. Por fim, os cidadãos beneficiariam colectivamente de um programa de intervenção a custos necessariamente mais baixos do que aqueles a que estariam sujeitos se actuassem de forma individual.
Para o Estado seria uma oportunidade de aplicar o saber técnico dos seus profissionais em procedimentos usualmente inacessíveis aos restantes cidadãos. Acima de tudo, independentemente dos modelos que venham a ser criados para actuar nas nossas cidades, importa abandonar os velhos chavões que serviram para legitimar o dispêndio de volumes avultados de crédito em obras de que poucos directamente beneficiaram e que todos teremos de pagar por muitos e muitos anos. Chegou a hora de fazer para e com as pessoas.
O contexto não é fácil. Com problemas internos – endividamento excessivo, desequilíbrios estruturais, dificuldades de acesso ao crédito – e condicionantes externas – a desaceleração da economia mundial e a Europa à beira da recessão – garantir financiamento para grandes operações no domínio da obra pública é um sério desafio. Por outro lado, com os recursos limitados que poderão ser alocados ao investimento, o sector da construção terá sempre e necessariamente de competir, como opção política, com outras áreas de produtividade mais orientadas para os bens transacionáveis, para a exportação e para o retorno sustentável de médio e longo prazo.
Importa aqui lembrar que a construção é uma fileira que arrasta todo um conjunto de agentes económicos: os que projectam e fiscalizam; os que constroem; os que produzem materiais de construção, maquinaria, tecnologia diversa; os intermediários, vendedores e revendedores e ainda todos aqueles que prestam uma vasta gama de serviços complementares.
Em contraponto, o sector da construção, enquanto área de investimento, tem também riscos que importa não desconsiderar: as empresas de maior dimensão estão em geral associadas a capital estrangeiro e muito do material, máquinas, hardware e software utilizados têm origem no exterior.
É assim num ambiente económico adverso e num cenário de colapso do sector da construção civil que a Reabilitação Urbana vem sendo referida como uma das opções políticas possíveis para o investimento público. Mas é também por todas as razões referidas que a Reabilitação pode ter um atractivo adicional: ela incorpora todo um conjunto de intervenções de pequena e média escala que podem ser dirigidas em benefício da economia local. É um veículo privilegiado para alcançar, de forma cirúrgica e planeada passo a passo, um vasto conjunto de pessoas.
A questão é: como fazê-lo? Acima de tudo, como fazê-lo com poucos meios financeiros disponíveis?
Seria um erro lamentável se o Estado viesse a actuar de forma precipitada e simplista, dando prioridade à intervenção sobre o seu próprio património [1] ou a acções dispendiosas de mero embelezamento urbano [2], em prejuízo de uma aplicação dos seus escassos recursos em benefício directo dos cidadãos.
A resposta tem de passar pelo abandono de políticas convencionais de investimento público de grande escala como as que foram aplicadas na economia interna nas últimas décadas. Acima de tudo, a acção do Estado deve centrar-se mais na gestão do que na construção propriamente dita, actuando como parceiro dinamizador e não apenas como mero financiador.
Eis uma ideia…
Tradicionalmente, os apoios estatais à recuperação de habitação são canalizados directamente ao proprietário particular. Este modelo estabelece desde logo várias desvantagens de gestão. Porque o apoio estatal é dado caso a caso, o custo unitário de cada operação é inevitavelmente maior. Assim, e porque os meios financeiros são sempre limitados, a preocupação do Estado centra-se em limitar o universo de candidatos elegíveis; cidadãos enquadráveis em limites remuneratórios muito estritos.
Isto é compreensível. Se o dinheiro disponível é pouco devemos dirigi-lo a quem mais precisa. Mas porque estamos a fazê-lo de modo unitário, acabamos por assumir custos mais elevados por cada operação de recuperação. Estamos, como tal, a fazer menos com o nosso dinheiro do que se adoptássemos um modelo colectivo de intervenção.
A solução passa por criar programas de Reabilitação Urbana que integrem, em parceria, colectivos de cidadãos, desejavelmente orientados para a habitação nos centros antigos das cidades. Esses programas deveriam ser organizados por áreas de intervenção: telhados e coberturas; fachadas; vãos exteriores; infraestruturas básicas (electricidade, águas e esgotos); reabilitação de estruturas; outros (a definir mediante as carências locais).
Programas desta natureza seriam promovidos pelo Estado, geridos localmente pelas Câmaras Municipais e abertos a todos os cidadãos, proprietários particulares, que apresentariam a sua candidatura a uma ou várias áreas de intervenção mediante as suas necessidades.
Estas candidaturas, devidamente analisadas e agrupadas em conjuntos (em função da tipologia, localização, custo e dimensão da obra) seriam posteriormente alvo de processos de concurso público. O Estado facultaria assim, em primeiro lugar, o saber técnico na preparação de procedimentos de concurso, de que seriam beneficiários os próprios cidadãos.
Tratando-se de agrupamentos de obras – incidindo, por exemplo, em 25, 30 ou mais habitações – os custos unitários por intervenção tornar-se-iam consideravelmente mais baixos para cada particular do que se promovidos separadamente e apoiados caso a caso. Complementarmente, os fundos estatais disponíveis seriam orientados para comparticipar as intervenções dos cidadãos mais carenciados. Nos outros casos em que a comparticipação directa não fosse possível, seria sempre viável estabelecer mecanismos compensatórios de incentivo fiscal como a dedução do IVA ou a isenção temporária de Imposto Municipal sobre Imóveis.
Uma filosofia de intervenção colectiva no domínio da Reabilitação Urbana, em que Estado e cidadãos actuem como parceiros, pode ter vários efeitos económicos positivos. Permitiria, por um lado, viabilizar uma vaga de construção em que as empresas poderiam participar em concorrência aberta. Por outro lado, profissionais e firmas de projecto poderiam ser chamados a colaborar na preparação dos procedimentos concursais e na assistência técnica das obras. Por fim, os cidadãos beneficiariam colectivamente de um programa de intervenção a custos necessariamente mais baixos do que aqueles a que estariam sujeitos se actuassem de forma individual.
Para o Estado seria uma oportunidade de aplicar o saber técnico dos seus profissionais em procedimentos usualmente inacessíveis aos restantes cidadãos. Acima de tudo, independentemente dos modelos que venham a ser criados para actuar nas nossas cidades, importa abandonar os velhos chavões que serviram para legitimar o dispêndio de volumes avultados de crédito em obras de que poucos directamente beneficiaram e que todos teremos de pagar por muitos e muitos anos. Chegou a hora de fazer para e com as pessoas.
Fora do sítio
A imagem é de Robert Rickhoff e faz parte do ensaio Out of Place, um conjunto de manipulações fotográficas que nos revela a subversão das normais expectativas do quotidiano no espaço público. A visão deste parque de estacionamento, um lugar onde a excepção se torna a regra, é particularmente sugestiva de um desfasamento entre a realidade e a cultura que também entre nós, tantas vezes, perdura. Mais para descobrir no blogue do autor. Via Ignant.
Viagem a Portugal
Angela Merkl vem a Portugal e, com ela, vai vir charters de empresários da Alemanha. Entusiasmo. De repente todos escrevem cartas a Merkl. A doença alastra-se. Proponho que seja gravado um medley de todas essas cartas musicadas ao som de Postal dos Correios do Rui Veloso, aquela da Laurinda que faz vestidos por medida e não sei quê mais…
Angela Merkl vem a Portugal e vai dizer coisas. Essas coisas serão repetidas na televisão e nas rádios, muitas vezes. Comentadores vão falar sobre as palavras de Merkl. Ao serão todos os canais farão especiais de informação onde analistas e especialistas irão dissecar, vivissecar e bisturificar as subtilezas de Merkl, notando com ênfase o significado implícito de todas as suas pequenas minudências de linguagem. No dia seguinte Merkl fará as capas de todos os jornais. Os blogues fervilharão com posts sobre tudo o que disse, o que não disse e o que diz que ela disse.
E depois?
E depois nada. Nada, nadinha, nadica de nada. Tudo como dantes, quartel-general em Abrantes.
E porque o país está seminífero em metáforas, deixo mais uma. Portugal parece uma viagem a bordo do Titanic. Há um buracão no casco mas toda a gente está a reclamar porque pagou bilhete e como tal tem direito a fazer a viagem até ao fim. Ó meus, já olharam bem ali para baixo. É que está a meter água.
Talvez a Merkl traga umas bombas hidráulicas. Tecnologia alemã. Mas, pelo sim pelo não, é melhor começarmos a dar ao balde…
Angela Merkl vem a Portugal e vai dizer coisas. Essas coisas serão repetidas na televisão e nas rádios, muitas vezes. Comentadores vão falar sobre as palavras de Merkl. Ao serão todos os canais farão especiais de informação onde analistas e especialistas irão dissecar, vivissecar e bisturificar as subtilezas de Merkl, notando com ênfase o significado implícito de todas as suas pequenas minudências de linguagem. No dia seguinte Merkl fará as capas de todos os jornais. Os blogues fervilharão com posts sobre tudo o que disse, o que não disse e o que diz que ela disse.
E depois?
E depois nada. Nada, nadinha, nadica de nada. Tudo como dantes, quartel-general em Abrantes.
E porque o país está seminífero em metáforas, deixo mais uma. Portugal parece uma viagem a bordo do Titanic. Há um buracão no casco mas toda a gente está a reclamar porque pagou bilhete e como tal tem direito a fazer a viagem até ao fim. Ó meus, já olharam bem ali para baixo. É que está a meter água.
Talvez a Merkl traga umas bombas hidráulicas. Tecnologia alemã. Mas, pelo sim pelo não, é melhor começarmos a dar ao balde…
Parados no trânsito
As paragens de autocarro são objectos icónicos da vida urbana tantas vezes invisíveis aos olhos dos cidadãos, como um pano de fundo do quotidiano. Num tempo em que as cidades passaram a estar inundadas de mobiliário de catálogo, estas imagens que nos chegam de diversas cidades do continente americano convocam-nos para a imaginação e o engenho, tudo aquilo que torna os lugares únicos. As fotografias são de Daniel Silvo e Humberto Díaz e fazem parte da série fotográfica La Espera, integrada no projecto iberoamericano de intercambio cultural Lugares de Tránsito. Para ver no Afasia.
Pendente
Kabul, Outubro de 2012. A favela avança na direcção da encosta. A malha resiste a todo o custo, passando do plano horizontal para uma verticalidade crescente onde as ruas se tornam impossíveis. No alto as casas atravancam-se umas sobre as outras, para abeirar-se do limite. Fotografia de Roberto Schmidt, no The Atlantic. Via People and Place.
Cães & Varandas
Julgo começar a detectar aqui uma tendência. Oklahoma 93, projecto de C Arquitectos. Fotografia de Onnis Luque. Via Archdaily.
Estes suecos
Em contraste com a instalação sanitária de aspecto cirúrgico apresentada ontem eis um exemplo de como os suecos fazem as coisas. Lavatório verde-água sobre azulejo rosa, armário de parede amarelo-pastel com acabamento boleado estilo retrô, suportes para toalhas, em plástico, colados à parede (com ventosa é mais ecológico), arquivo de leitura com rodinhas para melhor portabilidade, banqueta multiusos reciclável trazida da casa da avó. Estes malandrecos até conseguem usar um tubo flexível de pvc como peça de design. Via Desire To Inspire.
Ao largo
Camisa branca, óculos escuros, uma viagem de vaporetto pelos canais de Veneza. Pelo caminho diz coisas como a arquitectura é demasiado importante para ser deixada apenas a cargo dos arquitectos e como arquitectos temos a obrigação de trazer toda a gente para dentro da arquitectura. Como é possível não gostar deste tipo?! Via Nowness.
Fio à vista
A tipografia. as tábuas de madeira, as paredes revestidas a papel de jornal, os azulejos do metro. Mas os candeeiros, deus meu, os candeeiros com o fiozinho enrolado em cornucópia num varãozito metálico… Quero já uma passagem para Londres.
Restaurante Kerbisher & Malt, projecto de Alexander Waterworth Interiors. Também tem blog. Via Desire to Inspire.
A arquitectura é para sujar
Dicas de arquitectura: nunca esquecer onde colocar a escova de dentes. E as escovas de cabelo. E o secador. E a máquina de barbear. E o champô, o amaciador, o gel, o sabonete. E os cremes, a água de colónia e os perfumes. E a roupa suja...
Boustred House, projecto de Ian Moore Architects. Fotografia de Daniel Mayne. Via Designboom.
Envelopar
Conversão e extensão de um edifício antigo em Roskilde, na Dinamarca. A cor encarnada, escolhida para o novo Centro Juvenil, é alusiva aos tradicionais abrigos de pescadores que existem naquela localidade. Projecto de Cornelius + Vöge. Fotografia de Adam Mørk. Via Dezeen.
Branco
Porque a melhor parte da arquitectura são aqueles que a habitam. Bloc_10, projecto multi-familiar de 5468796 architecture. Fotografia de Lisa Stinner. Via Archdaily.
Contributo para o estudo da Proxémica
Podia ser o meu comentário sobre a situação do país mas não é esse o caso. É apenas a Ostrich Pillow, uma almofada-avestruz para momentos de descanso, ideal para ambientes particularmente ruidosos. Via iGNANT.
Balancear
21 Baloiços, exercício de cooperação musical em Montréal. Porque balancear resulta sempre melhor em conjunto. Via Fubiz.
Quero um destes na minha rua
Streetpong, uma experiência de interacção urbana em Hildesheim, Alemanha. O perigo é ficar depois parado no meio da rua à conversa com a outra pessoa enquanto cai o vermelho… Via Hello You Creatives.
Regular a reabilitação urbana
O preço do solo na reabilitação urbana, artigo de opinião do Professor Sidónio Pardal publicado no Jornal Arquitecturas.
Podemos constatar que o elevado preço do solo é o principal factor que está a impedir e inviabilizar as operações de reabilitação urbana de prédios degradados e em estado de ruína e abandono nas áreas mais centrais das cidades, onde existe uma forte procura interessada em investir na compra e recuperação desses edifícios. Não são negligenciáveis outros factores de impedimento e custos de contexto associados ao peso burocrático do licenciamento, mas a falta de fluidez do mercado deve-se seguramente aos valores exorbitantes que os proprietários pedem, num quadro de desinformação e de falta de referências demonstradoras da lógica que assiste à composição dos preços do imobiliário.
Ler artigo completo aqui.
Podemos constatar que o elevado preço do solo é o principal factor que está a impedir e inviabilizar as operações de reabilitação urbana de prédios degradados e em estado de ruína e abandono nas áreas mais centrais das cidades, onde existe uma forte procura interessada em investir na compra e recuperação desses edifícios. Não são negligenciáveis outros factores de impedimento e custos de contexto associados ao peso burocrático do licenciamento, mas a falta de fluidez do mercado deve-se seguramente aos valores exorbitantes que os proprietários pedem, num quadro de desinformação e de falta de referências demonstradoras da lógica que assiste à composição dos preços do imobiliário.
Ler artigo completo aqui.
Arquitectos a mais
Não há arquitectos a mais; há arquitectura a menos. – A frase vem a terreiro, de tempos a tempos, para aliviar consciências. Serve de pouco. O mercado de trabalho de arquitectura encontra-se numa condição indisfarçável de dumping.
Se agora se fazem ouvir algumas vozes de preocupação poucos foram os que no passado se manifestaram. A actividade viveu encostada às iniciativas de promoção pública e privada, alimentando-se de cumplicidades políticas e da economia do endividamento que marcou as últimas décadas.
Enquanto rolava o dinheiro do Estado ninguém se queixou. O discurso dominante da profissão sempre fez por ocultar a nudez da realidade sobre um manto diáfano de excelência – Expo98, Capitais da Cultura, Euro 2004, Polis, Parque Escolar… O saldo deste “modelo” aí está à vista de todos. Se o colapso do sector imobiliário é trágico, no caso da obra pública a situação é mais grave pela dimensão ética dos erros e o custo financeiro que deles pende sobre o presente e o futuro.
As Universidades aproveitaram a conjuntura para abraçar sem escrúpulos a massificação académica. Se há procura – não de emprego mas de curso – logo há oferta. O ensino universitário, público e privado, tornou-se num negócio puro e duro sem qualquer correlação com o mercado de trabalho ou sentido de auto-regulação.
Ano após ano largas centenas de jovens preenchem as vagas do curso de arquitectura e este não foi excepção. Curiosamente, enquanto nos cursos de engenharia a retracção de candidatos é já expressiva, o mesmo não sucede com a arquitectura. De pouco importa às Universidades estarem a formar profissionais, de forma mercenária, para trabalhar em call-centers. O título de “arquitecto” continua a vender ainda que, em boa verdade, já só lhe reste o panache. No mundo real é sinónimo de mão-de-obra barata e assim ficará durante esta década.
O contexto da profissão é por isso, hoje, um contra-senso. A arquitectura tornou-se numa actividade sobre a qual impendem pesadas responsabilidades jurídicas, no mesmo momento em que sofre um processo de desvalorização sem precedentes. O próprio Estado acaba por actuar como agente dessa desvalorização forçando de forma pouco responsável as condições de prestação de serviço, custos de projecto e de obra a níveis incompatíveis com uma exigência mínima aceitável de qualidade.
É um caminho perigoso que terá consequências a prazo; antes fazer mais devagar mas fazer bem do que projectar rápido, barato e mal. Mas se quisermos assacar responsabilidades sobre tudo isto, na conjuntura em que estamos a viver, temos de olhar para os erros passados de muitos: políticos, sim, mas também academias, ordem, empresas, arquitectos. Poucos ficam bem nesta fotografia.
Se agora se fazem ouvir algumas vozes de preocupação poucos foram os que no passado se manifestaram. A actividade viveu encostada às iniciativas de promoção pública e privada, alimentando-se de cumplicidades políticas e da economia do endividamento que marcou as últimas décadas.
Enquanto rolava o dinheiro do Estado ninguém se queixou. O discurso dominante da profissão sempre fez por ocultar a nudez da realidade sobre um manto diáfano de excelência – Expo98, Capitais da Cultura, Euro 2004, Polis, Parque Escolar… O saldo deste “modelo” aí está à vista de todos. Se o colapso do sector imobiliário é trágico, no caso da obra pública a situação é mais grave pela dimensão ética dos erros e o custo financeiro que deles pende sobre o presente e o futuro.
As Universidades aproveitaram a conjuntura para abraçar sem escrúpulos a massificação académica. Se há procura – não de emprego mas de curso – logo há oferta. O ensino universitário, público e privado, tornou-se num negócio puro e duro sem qualquer correlação com o mercado de trabalho ou sentido de auto-regulação.
Ano após ano largas centenas de jovens preenchem as vagas do curso de arquitectura e este não foi excepção. Curiosamente, enquanto nos cursos de engenharia a retracção de candidatos é já expressiva, o mesmo não sucede com a arquitectura. De pouco importa às Universidades estarem a formar profissionais, de forma mercenária, para trabalhar em call-centers. O título de “arquitecto” continua a vender ainda que, em boa verdade, já só lhe reste o panache. No mundo real é sinónimo de mão-de-obra barata e assim ficará durante esta década.
O contexto da profissão é por isso, hoje, um contra-senso. A arquitectura tornou-se numa actividade sobre a qual impendem pesadas responsabilidades jurídicas, no mesmo momento em que sofre um processo de desvalorização sem precedentes. O próprio Estado acaba por actuar como agente dessa desvalorização forçando de forma pouco responsável as condições de prestação de serviço, custos de projecto e de obra a níveis incompatíveis com uma exigência mínima aceitável de qualidade.
É um caminho perigoso que terá consequências a prazo; antes fazer mais devagar mas fazer bem do que projectar rápido, barato e mal. Mas se quisermos assacar responsabilidades sobre tudo isto, na conjuntura em que estamos a viver, temos de olhar para os erros passados de muitos: políticos, sim, mas também academias, ordem, empresas, arquitectos. Poucos ficam bem nesta fotografia.
Estação derradeira
As opiniões são como os narizes, toda a gente tem um. E alguns cheiram melhor que os outros? Isso também. Seja como for, o momento presta-se a opiniões fortes sobre as coisas. Não basta ter opiniões. É preciso que sejam fortes. E depois há o epítome do indivíduo opinativo que é a pessoa frontal. Alguém que não só tem opiniões fortes – ou fortes opiniões se for um tipo intelectual – como também está convencido que somos todos obrigados a satisfazer a sua auto-indulgência. Resumindo: a aturá-los.
Pessoas fortemente opinativas têm habitualmente gostos de enorme exigência. A sofisticação requer que tudo seja separado em duas categorias: a excelência e a inanidade. Tipo, Lars von Trier: excelente. Exterminador Implacável: inanidade. Sinceramente, prefiro aturar pessoas efectivamente estúpidas. Estúpidos ignorantes. Em vez de estúpidos cheios de literacia. Sabem, como aquele tipo que escreveu no IMDB que os primeiros trinta minutos do 2001 Odisseia no Espaço era só macacos.
Voltando ao princípio, como eu dizia, o momento é propício ao exercício da opinião. Nos blogues isso não é novidade. Se os chico-espertos voassem a blogosfera era um aeroporto. Mas a doença alastrou-se rapidamente ao meio jornalístico e à política. Um dos sintomas é o modo como tudo é óbvio. Não sei se já repararam? Mas nos discursos, nos comentários, as coisas são sempre obviamente. Tipo: já todos sabíamos que; eu já tinha avisado; nem podia ser de outra forma. Há mesmo uma espécie de campeonato para ver quem é o vencedor do prémio de quem já tinha dito mais vezes há mais tempo que ia ser mesmo assim.
É curioso porque viver em Portugal nos últimos, vá lá, oito anos, foi como circular a bordo de um comboio desgovernado em direcção ao fim da linha. Por lá vagueavam meia dúzia de malucos a avisar que ia haver um grande acidente, mas estava o resto do pessoal todo no vagão-restaurante a beber cocktails e a fazer tchim-tchim. Lá estão outra vez estes chatos, pá. Que desagradável, ao longe, esta voz de Cassandra…
Profecia, ou ironia do destino, bem nos avisaram os Gregos da antiguidade. Cassandra, condenada a que ninguém acreditasse na sua palavra, tinha, afinal, razão. Agora eis-nos descarrilados para lá da estação derradeira, rodeados em escombros, e todos esbracejam e fazem ouvir a sua voz. Como foi isto possível?
Opiniões fortes?
Pessoas fortemente opinativas têm habitualmente gostos de enorme exigência. A sofisticação requer que tudo seja separado em duas categorias: a excelência e a inanidade. Tipo, Lars von Trier: excelente. Exterminador Implacável: inanidade. Sinceramente, prefiro aturar pessoas efectivamente estúpidas. Estúpidos ignorantes. Em vez de estúpidos cheios de literacia. Sabem, como aquele tipo que escreveu no IMDB que os primeiros trinta minutos do 2001 Odisseia no Espaço era só macacos.
Voltando ao princípio, como eu dizia, o momento é propício ao exercício da opinião. Nos blogues isso não é novidade. Se os chico-espertos voassem a blogosfera era um aeroporto. Mas a doença alastrou-se rapidamente ao meio jornalístico e à política. Um dos sintomas é o modo como tudo é óbvio. Não sei se já repararam? Mas nos discursos, nos comentários, as coisas são sempre obviamente. Tipo: já todos sabíamos que; eu já tinha avisado; nem podia ser de outra forma. Há mesmo uma espécie de campeonato para ver quem é o vencedor do prémio de quem já tinha dito mais vezes há mais tempo que ia ser mesmo assim.
É curioso porque viver em Portugal nos últimos, vá lá, oito anos, foi como circular a bordo de um comboio desgovernado em direcção ao fim da linha. Por lá vagueavam meia dúzia de malucos a avisar que ia haver um grande acidente, mas estava o resto do pessoal todo no vagão-restaurante a beber cocktails e a fazer tchim-tchim. Lá estão outra vez estes chatos, pá. Que desagradável, ao longe, esta voz de Cassandra…
Profecia, ou ironia do destino, bem nos avisaram os Gregos da antiguidade. Cassandra, condenada a que ninguém acreditasse na sua palavra, tinha, afinal, razão. Agora eis-nos descarrilados para lá da estação derradeira, rodeados em escombros, e todos esbracejam e fazem ouvir a sua voz. Como foi isto possível?
Opiniões fortes?
Sim City
Uma cidade fantasma que parece extraída de um jogo de Sim City, em construção nos arredores de Luanda. Uma “paisagem” distante de conceitos convencionais de geografia urbana para o ciclo de vida das cidades, porque não é já de cidades que se trata. Estamos perante a materialização de uma lógica de investimento que já não carece de pessoas – a cidade que se auto-constrói como uma bolha dentro da sua própria bolha.
Uma curiosa forma de “desenvolvimento” que perdeu de vista qualquer noção de progresso. O que vemos aqui são modelos importados de realidades urbanas já de si esgotadas e falidas. Algures, num banco na Ásia distante, isto é um activo financeiro vendido em títulos e oscilando ao sabor das expectativas. A cidade é já um mero acessório do mercado financeiro. Uma simulação de economia. Sim City.
North Atlantic
Ainda vão a tempo de ver e votar na curta-metragem North Atlantic, escrita e realizada por Bernardo Nascimento, em competição no Your Film Festival organizado pelo YouTube com o apoio de Ridley Scott. Não percam – e não se esqueçam de votar no final!
North Atlantic is one of the semi-finalists in Your Film Festival , promoted by YouTube and Ridley Scott. Please watch and, if you like it, don’t forget to express your support with your vote. Thanks!
O que te separa de um Pritzker
Ira Glass fala sobre a dificuldade em atingir as expectativas pessoais quando se está no início de uma carreira. A exposição tem como ponto de partida o mundo dos media mas a sua argumentação é universal. Segue-se uma transcrição (um pouco livre):
Ninguém diz isto a quem está a começar. Eu gostava que o tivessem partilhado comigo. Que todos nós, que fazemos trabalho criativo, somos atraídos para aqui porque temos “bom gosto”. Mas deparamo-nos com esta distância inultrapassável. Durante os primeiros anos em que estamos a fazer coisas, elas não são tão boas assim. Está a tentar ser bom, tem potencial, mas não chega lá. Agora o teu gosto, essa coisa que te atraiu esta área, está a funcionar em pleno. E o teu gosto é a razão pela qual o teu trabalho te desilude.
Muitas pessoas nunca ultrapassam esta fase. Desistem. Mas quase todas as pessoas que eu conheço, que fazem trabalho interessante, criativo, passaram por isto durante anos a fio. O tempo em que sabemos que o nosso trabalho não tem aquela chama especial que nós gostaríamos que tivesse. Todos passamos por isto. E se estás apenas a começar ou se estás a passar por esta fase, tens de saber que isto é normal e que a coisa mais importante que podes fazer é trabalhar muito. Só depois de teres atrás de ti um volume grande de trabalho é que conseguirás atravessar essa distância e o teu trabalho será tão bom como as tuas ambições. Eu demorei muito tempo a compreender isto. Demora tempo. E é normal demorar tempo. O que tens de fazer é lutar para percorrer esse caminho.
O Ira Glass é um tipo espectacular. De passagem recomendo a visita ao sítio web do This American Life e a acederem ao arquivo de programas. Têm ali dinamite cerebral para muitos dias.
O que ele aqui diz aplica-se a todas as áreas de trabalho que envolvem a aplicação prática da criatividade. Aceitar as nossas limitações de partida envolve muita persistência e uma boa dose de humildade. Todos entramos pela vida adentro com entusiasmo juvenil e esquecemos que aquilo que foi difícil para os que nos antecederam será também uma adversidade para nós. Não é por sermos jovens, por termos muito piss and vinegar, que a vida nos estenderá uma passadeira vermelha de facilidades.
A humildade é, infelizmente, um daqueles valores que tem vindo a descer no rating cultural. Não é um grande afrodisíaco, não leva ninguém para a nossa cama nem fica bem no perfil do Facebook. O mundo valoriza o carisma e as qualificações sociais. Não sejamos ingénuos: a habilidade social pode catapultar uma carreira na política ou quem sabe até tornar-vos internet-famous, mais uma daquelas celebridades que têm “opiniões fortes” sobre assuntos a que dedicaram cinco minutos de leitura (nos blogues) e acabaram a escrever colunas regulares num jornal. Mas malabarismo social e uma boa imagem não fazem ganhar Prémios Nobel, Pritzkers ou medalhas de ouro das mãos da Rainha Isabel II.
É certo que não temos todos de ambicionar a genialidade. Ser Pritzker, por exemplo, não é propriamente divertido: é preciso trabalhar mesmo a sério, pensar arquitectura 24 sobre 7 dias por semana, deitar e acordar a pensar nisso, anos, décadas a fio. Alguns de nós, a maioria, gosta demasiado de diversificar a vida, dedicar-se à família, somos demasiado normais ou andamos demasiado ocupados a batalhar contra as adversidades do dia-a-dia. Mas todos temos a obrigação de ser bons naquilo que fazemos, de percorrer esse caminho para a qualidade e o valor que só pode ser percorrido com trabalho e persistência.
O brilhantismo jovem pode ser bom para corridas de velocidade mas só vos leva até certo ponto. A vida é uma prova de fundo. Vencer o longo curso exige uma mistura de confiança, humildade e trabalho. Acima de tudo, exige resistência para não desistir, nem perante o ladrar de beira de estrada, nem perante o obstáculo mais importante de todos: os vossos próprios sonhos.
Viajante um
É provável que esta notícia – Humanity escapes the solar system: Voyager 1 signals that it has reached the edge of interstellar space - 11billion miles away – não ocupe lugar de destaque nos telejornais. E trata-se, no entanto, de um dos nossos maiores feitos. Nunca uma construção humana esteve tão longe de casa. A Voyager 1 abeira-se dos limites do sistema solar, atravessando a heliosfera em direcção ao espaço interestelar.
O artigo dá-nos conta de como a pequena sonda, construída e lançada pela NASA em 1977, ainda hoje comunica com a Terra através de um frágil sinal rádio. Entre as suas muitas tarefas, Carl Sagan considerou que seria uma boa ideia captar uma última fotografia do nosso planeta, à passagem de Saturno. Daquela distância a Terra seria apenas um pequeno ponto de luz, indistinto de tantos outros astros que preenchem o horizonte da galáxia.
Um facto conhecido entre os cientistas e os filósofos da Antiguidade – que habitamos um pequeno ponto no vasto Cosmos – era agora visível pela primeira vez aos olhos da Humanidade. A imagem, captada em 1990, ficará para sempre conhecida como The Pale Blue Dot.
A Voyager 1 prossegue a sua viagem, cumprida a sua missão principal de alcançar o limite do nosso sistema. Até quando falará connosco, navegando o profundo vazio nas ondas do vento interestelar?…
Retratos da crise
A observação é do Edgar Gonzalez. Uma selecção fotográfica do The Atlantic sobre a recessão em Espanha incluía um pequeno insólito – ver What the Recession Looks Like in Spain.
Entre protestos de rua, grafitis com mensagens políticas, filas de desemprego e outros retratos da crise social destacava-se uma imagem da icónica Cidade das Artes e das Ciências de Valência, acompanhada do texto que se transcreve abaixo.
Uma vista da Cidade das Artes e das Ciências, do arquitecto Santiago Calatrava. Os custos do empreendimento escalaram de uma estimativa inicial de 625 milhões para 1280 milhões de euros, de acordo com a imprensa local. Considerada em tempos uma referência da nova grandeza económica de Espanha, a região mediterrânica de Valência tornou-se o símbolo de tudo o que está errado no país. Anos de despesismo, conjugados com os efeitos do colapso da bolha imobiliária e dos bancos locais, colocaram Valência à beira do resgate pelo governo central – que enfrenta os seus próprios problemas financeiros. A implosão do sector da construção trouxe a público a denúncia de casos de corrupção envolvendo políticos, promotores imobiliários e banqueiros, durante uma década de dinheiro facilmente acessível a baixas taxas de juro após a entrada de Espanha no euro em 1999.
A reportagem do The Atlantic é testemunho da dimensão política do trabalho editorial. A exposição de uma simples imagem convoca-nos para um facto perturbante: que a crise também pode ter uma face moderna – em linguagem política. Esse era também o tema de fundo de um dos mais populares documentários de Jordi Évole – Cuando Éramos Cultos – onde se faz o retrato exaustivo da bolha cultural de Espanha. Grandes projectos de arquitectura, notáveis no desenho e na dimensão, da autoria de alguns dos mais reputados arquitectos mundiais, revelam-se agora empreendimentos cronicamente deficitários. Cascos que se tornam pesadelos financeiros para as suas regiões e impedem o investimento efectivo em cultura – nos agentes locais, nas iniciativas e nos equipamentos que chegam de facto às pessoas. São, afinal, eucaliptos culturais que secam tudo à volta, dando razão às palavras do escritor e músico galego Antón Reixa: Cultura é gente fazendo cultura e gente usando cultura. Isto são tijolos.
Estaremos nós assim tão longe desta realidade? Com que belas fachadas se poderiam também compor os nossos retratos da crise?
Uma vista da Cidade das Artes e das Ciências, do arquitecto Santiago Calatrava. Os custos do empreendimento escalaram de uma estimativa inicial de 625 milhões para 1280 milhões de euros, de acordo com a imprensa local. Considerada em tempos uma referência da nova grandeza económica de Espanha, a região mediterrânica de Valência tornou-se o símbolo de tudo o que está errado no país. Anos de despesismo, conjugados com os efeitos do colapso da bolha imobiliária e dos bancos locais, colocaram Valência à beira do resgate pelo governo central – que enfrenta os seus próprios problemas financeiros. A implosão do sector da construção trouxe a público a denúncia de casos de corrupção envolvendo políticos, promotores imobiliários e banqueiros, durante uma década de dinheiro facilmente acessível a baixas taxas de juro após a entrada de Espanha no euro em 1999.
A reportagem do The Atlantic é testemunho da dimensão política do trabalho editorial. A exposição de uma simples imagem convoca-nos para um facto perturbante: que a crise também pode ter uma face moderna – em linguagem política. Esse era também o tema de fundo de um dos mais populares documentários de Jordi Évole – Cuando Éramos Cultos – onde se faz o retrato exaustivo da bolha cultural de Espanha. Grandes projectos de arquitectura, notáveis no desenho e na dimensão, da autoria de alguns dos mais reputados arquitectos mundiais, revelam-se agora empreendimentos cronicamente deficitários. Cascos que se tornam pesadelos financeiros para as suas regiões e impedem o investimento efectivo em cultura – nos agentes locais, nas iniciativas e nos equipamentos que chegam de facto às pessoas. São, afinal, eucaliptos culturais que secam tudo à volta, dando razão às palavras do escritor e músico galego Antón Reixa: Cultura é gente fazendo cultura e gente usando cultura. Isto são tijolos.
Estaremos nós assim tão longe desta realidade? Com que belas fachadas se poderiam também compor os nossos retratos da crise?
Transição
Transition é o tema de uma série de ensaios fotográficos de Lauren Marsolier. As suas paisagens fabricadas questionam os mecanismos de construção psicológica da imagem do lugar. É um exercício de abstracção parcial ou, pelo menos, de desmaterialização da realidade, filtrada do ruído do real através da percepção e da memória.
São imagens estranhamente reconhecíveis mas dissonantes, compósitos de um mundo de fragmentos cujo sentido só o espectador pode completar. Se o processo tem paralelo com o trabalho de Filip Dujardin e o seu Resampled Space, o resultado é bastante diverso. Onde o fotógrafo belga constrói manifestações de urbanidade artificial – estruturas impossívels, o mundo delapidado – que tendem para o surrealismo, Lauren Marsolier confronta a própria noção de identificabilidade dos espaços.
Assim, tal como o cérebro humano filtra da audição o ruído de fundo, para extrair o que nos interessa ouvir, as suas construções fotográficas são despidas de vida, de poluição, só aparentemente reais, apresentando-nos lugares confusos, desmaterializados e vazios. Via iGNANT.
Para acabar de vez com a traça (arquitectónica)
De quando em vez passam pelo meu leitor de feeds projectos destes e dou por mim a pensar como isto seria inviável em Portugal. Só em países culturalmente subdesenvolvidos, sem o nosso aprumado sentido de defesa do património e a sua correspondente robustez jurídica, é que isto é possível. Países como… a Áustria?
Estamos perante um exemplar de uma arquitectura anti-traça. A traça arquitectónica, tal como o seu correspondente homónimo entomológico da ordem dos lepidópteros, é um mal do espírito que tem de ser enxotado com naftalina intelectual. Claro que é mais fácil acomodarmo-nos na preguiça do proibicionismo. Validar a diferença exige saber distinguir o valor das coisas, distinguir as qualidades em presença, aceitar o confronto de um debate cívico de ideias, de quem promove, quem desenha, quem constrói e quem detém o poder último de decisão sobre aquilo que na arquitectura é do domínio público.
A cidade, afinal, devia ser um reflexo da cidadania. Não um domínio de insectos.
A arquitectura é do atelier Lakonis Architekten. A fotografia é do Hertha Hurnaus.
Sem reservas: Tony Bourdain em Lisboa
Tony Bourdain passou por Lisboa para rodar um episódio da sua mítica série No Reservations. Uma viagem marcada pelas peculiaridades da nossa cultura em tempo de crise, dando a conhecer a revolução em curso na cozinha portuguesa pelas mãos de uma nova geração de chefs que misturam um olhar contemporâneo com a história e as tradições da nossa gastronomia.
Wladimir Kaminer em Portugal
Wladimir Kaminer vem a Portugal para o lançamento da edição portuguesa do livro Viagem a Tralalá. Nascido na antiga União Soviética em 1967, emigrou para Berlim no início da década de 90 tornando-se num dos mais populares escritores da Alemanha da última década. Kaminer vive com a mulher e os dois filhos no bairro berlinense de Prenzlauer Berg.
Com mais de uma dezena de livros publicados, autor de um popular programa de rádio, colunista regular em jornais e revistas, Wladimir Kaminer dedica-se ainda à actividade de DJ, celebrizando-se pela sua «Russendisko» – uma festa de música e dança que anima regularmente a cidade de Berlim e onde se mistura música pop russa e música underground.
O escritor estará em Lisboa no próximo dia 5 de Maio, às 19 horas, na Feira do Livro (Praça Laranja), para a apresentação de «Viagem a Tralalá». Quem estiver em Lisboa nesse Sábado não pode perder, pelas 22h00, a espectacular «Russendisko» – a discoteca russa – na Pensão Amor, onde poderão ver e conviver com o escritor em ambiente de grande festa.
Destaque ainda para a conversa com Kaminer no dia anterior, na Sexta-feira, 4 de Maio, pelas 18h30, na Livraria Fonte de Letras, em Montemor-o-Novo.
Não deixem de acompanhar todos os detalhes da viagem de Kaminer a Portugal no blogue 2 Dedos de Conversa, em primeira mão, pela Helena Araújo.
Viagem a Tralalá de Wladimir Kaminer é o mais recente título da Colecção de Literatura de Viagens dirigida por Carlos Vaz Marques.
O ponto de partida para esta «Viagem a Tralalá» reside num anseio tornado impossibilidade ao longo de gerações. É um livro que nasce atrás da Cortina de Ferro. A proibição de visitar Paris acabaria por mitificar Paris. E sabemos como a realidade, em geral, é implacável em relação aos mitos. Poucos lhe sobrevivem. Talvez por isso mesmo, Kaminer não chega a levar- nos à cidade- luz (a não ser por interposta pessoa): «Em vez de ir a Paris, fomos ao cinema.» É deste choque entre o mito (alimentado pela impossibilidade) e a realidade (tornada possível pela queda do Muro de Berlim) que nasce o efeito cómico mais poderoso de «Viagem a Tralalá». Onde raio é Tralalá?, há- de perguntar- se o leitor incauto ao passar os olhos pelo título deste livro. A resposta acabará por chegar a páginas tantas, embora não haja mapa que a confirme.
Carlos Vaz Marques, do Prefácio.
ARX: BRICK IS RED
BRICK IS RED é um livro dedicado à obra do atelier ARX.
BRICK IS RED é um novo livro que dá a conhecer o processo criativo da ARX. A publicação, que será editada esta semana, revela a metodologia de trabalho da equipa liderada pelos arquitectos José Mateus e Nuno Mateus. Através de imagens, fragmentos de textos e esquemas gráficos, expõe-se o trajecto complexo que se estende desde os primeiros esquissos até à obra concluída.
São processos tantas vezes externos a qualquer convenção, marcados pela incerteza e pela coragem de arriscar a tentativa e o erro. BRICK IS RED fala do projecto como espaço de interacção do arquitecto com terceiros e o modo como os diversos intervenientes – promotor, utilizador, mas também os arquitectos, fotógrafos, designers – se apropriam da obra e a transformam.
Simbolicamente, este é um livro construído com a crueza de uma maquete, negando a encenação para se assumir “em bruto” como um processo inacabado, em permanente “construção”.
BRICK IS RED tem lançamento marcado para o dia 3 de Maio pelas 18h30 no MUDE – Museu do Design e da Moda, em Lisboa. Esta é uma edição de autor e estará disponível no sítio web da ARX e em livrarias especializadas.
Quando éramos ricos
O laxismo que conduziu a política expansionista de obras públicas não é um exclusivo português. O humorista espanhol Jordi Évole fez um retrato brutal da realidade de Espanha no seu programa Salvados, num extraordinário episódio intitulado Cuando éramos ricos.
O que se dá a conhecer é o cenário trágico de uma política justificada por motivos ideológicos, isentos de qualquer fundamentação técnica real, a reboque do lobbying de grupos da construção, da banca e de áreas sectoriais directamente envolvidas. Sem meias palavras, trata-se de um crime inter-geracional cometido por agentes políticos e económicos que fomentaram uma economia de superavits de curto prazo através de um endividamento massivo de longo prazo.
O exemplo de Espanha difere de Portugal apenas em escala. Em tudo o mais prosseguimos um modelo de desenvolvimento semelhante, repetidamente experimentado e comprovadamente ineficaz. Uma política movida por grupos de influência que se habituaram a viver do orçamento de Estado e cuja agenda comprometeu a sustentabilidade da restante economia, votando-nos a um doloroso processo de empobrecimento sem fim à vista.
O programa pode ser visto na página oficial do canal laSexta, aqui. Nota: o episódio completo passa depois de uma breve introdução inicial e de um pequeno intervalo de publicidade.
Mais milhão, menos milhão…
O director-geral do Património Cultural fez saber que o novo Museu dos Coches estará concluído e pronto a inaugurar se tudo correr bem, e dentro dos prazos, sem derrapagens financeiras, em finais de 2013. A obra, inicialmente orçamentada em 32 milhões de euros, será sustentada por uma verba oriunda dos lucros da contrapartida dos Casinos de Lisboa, canalizada para o Turismo de Portugal.
Disse 32 milhões de euros? Era esse o valor estimado desde 2009, tal como indicado nesta notícia de Setembro do ano passado. Curiosamente, nos últimos meses, subsequentes notícias passaram a referir o custo de construção como sendo agora da ordem dos 40 milhões – um acréscimo de 25 por cento à projecção inicial.
Claro que nada disto interessa. Trata-se afinal de uma verba oriunda dos lucros da contrapartida dos Casinos de Lisboa, fraseologia que aparece sempre que se enuncia o custo desta obra. É dinheiro do Casino, é para gastar...
Sabemos então que o Museu custará trinta ou quarenta milhões, mais milhão menos milhão, mas com a garantia do director-geral do Património Cultural de que tudo se espera realizar sem derrapagens financeiras. Se tudo correr bem…
Disse 32 milhões de euros? Era esse o valor estimado desde 2009, tal como indicado nesta notícia de Setembro do ano passado. Curiosamente, nos últimos meses, subsequentes notícias passaram a referir o custo de construção como sendo agora da ordem dos 40 milhões – um acréscimo de 25 por cento à projecção inicial.
Claro que nada disto interessa. Trata-se afinal de uma verba oriunda dos lucros da contrapartida dos Casinos de Lisboa, fraseologia que aparece sempre que se enuncia o custo desta obra. É dinheiro do Casino, é para gastar...
Sabemos então que o Museu custará trinta ou quarenta milhões, mais milhão menos milhão, mas com a garantia do director-geral do Património Cultural de que tudo se espera realizar sem derrapagens financeiras. Se tudo correr bem…
STRATEGY AND TACTICS IN PUBLIC SPACE
STRATEGY AND TACTICS IN PUBLIC SPACE is a new publication from a+t architecture publishers. This post is available in English (please scroll down to read).
STRATEGY AND TACTICS IN PUBLIC SPACE é o mais recente título da a+t magazine, dando continuidade à série dedicada a estratégias de intervenção urbana de que fazem parte os volumes anteriores STRATEGY SPACE e STRATEGY PUBLIC – apresentado aqui.
As intervenções no espaço urbano tendem a enquadrar-se no contexto do Planeamento – um processo controlado onde a visão e a execução se encontram.
Estratégia e Táctica, no entanto, são termos que se referem a noções diversas de acção, poucas vezes enunciados no contexto do ambiente construído. Referem-se à relação integrada entre o espaço materializado – o produto da concepção técnica e do saber profissional – e a sua ocupação ao longo do tempo – as múltiplas formas como os cidadãos se apropriam e usam a cidade.
O Espaço Público é assim um território frágil de interacção e consequência. Na condição económica em que vivemos é mais do que o lugar para a representação – de uma ideia de sociedade ou ordem. É um processo complexo, já não dominado pela esfera política, em que a Administração Pública se vê confrontada com custos crescentes no acesso ao crédito e comprometida com agendas para o controlo de dívida.
A primeira vítima deste novo paradigma é uma cultura de projecto que sobrepopulou as ruas e praças de “objectos” – mobiliário urbano, detalhe excessivo e soluções de desenho generalizadamente dispendiosas. Uma nova cultura de austeridade está a emergir por uma razão simples: não existe dinheiro para sustentar os excessos que cometemos e celebrámos no passado.
As intervenções apresentadas em STRATEGY AND TACTICS contêm abordagens diferentes em contextos diversificados, mas que partilham esta mesma condição contemporânea. Tratam-se de singularidades, manifestações de inovação e espontaneidade criativa, geralmente pequenas em escala mas ambiciosas na sua natureza – são micro-utópicas. Projectos altruístas que não têm medo de quebrar as regras, desafiar o pré-concebido e ir além das expectativas.
Interboro Partners, Lent Space, New York, United States, 2009. Image credits: Dean Kaufman.
Fugman Janota, Nordbanhof Park, Berlin, Germany, 2009. Image credits: Philip JSF Winkelmeier.
Rural Studio, Lions Park, Greensboro, United States, 2010.
STRATEGY AND TACTICS IN PUBLIC SPACE is the third title in a+t’s Strategy series, following the publication of STRATEGY SPACE and STRATEGY PUBLIC – previously reviewed here.
Urban space interventions are usually integrated under a notion of Planning – a controlled process where vision and power both come into place. Strategy and Tactics, however, are terms that address different notions of urban action. They refer to the intertwined relationship between materialized space – the product of professional intent – and its occupation through time – the multiple ways in which citizens ultimately maneuver and use the city.
Public space is a fragile place of engagement and consequence. In the new economic framework we live in, it is more than a place for mere representation – of socialization and order. It is a complex process, no longer dominated by the political sphere, currently under an increasing financial pressure – the Public Administration, overwhelmed with growing credit costs and an agenda towards deficit-control.
The first casualty of this new paradigm is a design culture that has overpopulated streets and squares with objects – urban furniture, excessive detail and overall expensive design solutions. A new culture of austerity is emerging for a simple reason: there is no money to pay the kind of excesses we have committed and even celebrated in the past.
The interventions featured on STRATEGY AND TACTICS contain different approaches and take place in a wide array of built and social realities. They are singularities, manifestations of creative innovation and spontaneity, usually small in scale but ambitious in nature – micro-utopian. They are altruistic and rule-breaking – not afraid of going beyond the expected and challenge the preconceived.
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