Julgo que nunca tomei a decisão de abandonar Lisboa. As grandes escolhas que fazemos são as que a vida faz por nós. Vim para Évora a reboque do destino e por aqui fiquei.
Crescer nos subúrbios foi uma experiência valiosa. Os dormitórios dos arredores de Lisboa começaram a crescer com a fixação de população jovem, casais à procura da primeira casa onde pudessem constituir família. No tempo em que os meus pais compraram casa os subúrbios eram um lugar inocente. Lembro-me do tempo em que se jogava na rua, passeávamos de bicicleta ou, no Verão, ficávamos até às dez da noite a brincar às escondidas. Ainda era o tempo em que as crianças usavam roupas sem marca e rasgavam as calças e os ténis na correria e nas quedas.
A adolescência daquela primeira geração nascida no bairro trouxe transformações visíveis. Uns começaram a isolar-se, outros a formar grupos. Alguns entraram na má vida para de lá sair com marcas visíveis, ou não sair de todo. Entretanto o subúrbio dos anos oitenta e noventa ia crescendo, massificando-se, escondendo o céu.
Hoje sinto que sou de Évora como nunca senti que era de Lisboa. Agora quando visito aqueles subúrbios da grande Lisboa surpreende-me a massificação a que tudo aquilo se entregou. E é curioso ver que hoje, como à trinta anos atrás, é uma geração em início de vida e que trabalha em Lisboa que é empurrada para ali por força da sua incapacidade económica. Ei-los a iniciar a vida, a ter filhos. Existe por ali uma nova geração de crianças que já não brinca nas ruas. Vivem escondidas naqueles andares, em prédios altos. As ruas sem vida, sem hierarquia, sem circuitos pedonais, os passeios assaltados pelos carros. Os espaços verdes, ou melhor, os “espaços públicos de utilização colectiva” são os restos de declives inúteis transformados em canteiros, ou o interior das rotundas. Ali nenhuma criança alguma vez brincará.
O que entristece não é aquela miséria urbanística, o desleixo ou a sujidade. É rever no futuro destas crianças, como disse Exupéry “um pouco, em qualquer desses homens, Mozart assassinado”. É compreender que cada geração de crianças traz consigo um potencial incrível de mudança. É ver aquele recurso valioso ser desperdiçado, e imaginar estas crianças daqui a quinze anos a construir as referências com que vão conduzir as suas vidas, naqueles subúrbios quinze anos mais velhos, mais degradados, mais pobres.
CC escreveu:
Gosto muito do blog!
05.02.04 - 12:44 pm
António escreveu:
O que é preciso fazer para que se inicie um movimento cívico que evite que Lisboa continue a crescer? Na Holanda, por exemplo, as cidades não crescem mais que uma determinada dimensâo.
Canalize-se o furor imobiliário para o interior, que bem precisa de gente e desenvolvimento.
"Nem mais um tijolo para Lisboa!"
email: thoix@hotmail.com
homepage: http://lusofolia.blogspot.com/
05.03.04 - 1:41 am
CC escreveu:
Hmmm... Na Holanda, quando o limite já foi atingido, constroem-se umas ilhas (veja-se o caso das novas ilhas de Amesterdão).
05.03.04 - 10:20 am
Pedro escreveu:
Eu também cresci nos subúrbios, mas sinto-me de Lisboa, do Funchal, de Évora, do Porto, de Madrid, de Londres... tudo menos Rio de Mouro.
email: oceusobrelisboa@sapo.pt
homepage: http://o-ceu-sobre-lisboa.blogspot.com/
05.12.04 - 2:07 am