Quinta-feira
O problema com esta máquina a que chamamos de Portugal é que é pouco inteligente. Não foi feita para pensar. É uma doença que começa na escola e avança até aos mais altos cargos da máquina do estado. Conta até três: um dois três. Agora pensa: ãan... Agora conta até três ao contrário: três dois um. Parabéns!
O sistema tem por objectivo tornar os indivíduos em zombies seguidistas formatando-os aos procedimentos e então “dura lex, sed lex”, mesmo que a lei seja estúpida também não faz mal porque é para cumprir.
A falta de reflexão e lucidez (ou de uma educação para o espírito crítico) é um dos principais entraves a uma cultura de planeamento em Portugal. O “planeamento”, na cabeça dos portugueses, parece ser aliás uma espécie de gestão de lemmings. Do alto da montanha o líder começa sempre por criar modelos doutrinariamente perfeitos decorados dos mais inatacáveis princípios (a que se chamam objectivos) e o público-alvo seguirá certamente as orientações entretanto apontadas. Na sociedade portuguesa a falta de objectividade das políticas é de tal ordem que os discursos já só vivem de chavões: a política está reduzida ao slogan. O mais grave é quando o fenómeno entra pelos programas do governo adentro a ponto da sua leitura se tornar digna do Seinfeld. Vejamos então com que nos brinda o mais recente programa da nação na área do Ambiente e Ordenamento do Território.
Começamos pelo polvilhado habitual: sustentabilidade, transversalidade, integração, equidade e participação. Na primeira frase já ascendemos ao olimpo civilizacional. Depois entramos no desenvolvimento propriamente dito: promoção, reordenação, valorização, dinamização, desenvolvimento, conservação e por aí fora. Vejamos este exemplo a respeito da desertificação das áreas rurais: dinamização e criação de pólos de desenvolvimento local e regional, privilegiando as áreas do interior mais desfavorecidas, de modo a impedir e a inverter as tendências para a desertificação e empobrecimento e a sazonalidade recorrente nessas áreas. É tudo assim, grandes objectivos maravilhosos mas nenhuma proposta concreta, nenhuma medida minimamente visível e monitorizável. Dinamização e criação de pólos de desenvolvimento local e regional? Sim senhor, e como? Que pólos são esses? Em que sectores económicos assentam? Com que parcerias? Com que meios? Com que resultados propostos e que previsões temporais? São perguntas que se podem fazer em quase todos os pontos deste nebuloso programa.
Voltemos ao princípio.
O que é planear?
Planear é desenvolver uma estratégia com vista a alcançar um determinado objectivo num determinado prazo de tempo.
Para falarmos de planeamento temos que ter, por um lado, objectivos concretos que queremos atingir, e por outro uma meta de tempo em que queremos atingi-los. O planeamento deve depois assentar numa estratégia, uma organização de trabalho, contemplando as acções que teremos de realizar para chegarmos aos resultados desejados no fim do percurso.
Mas o trabalho de realizar essas acções é um caminho que por vezes depende de factores externos ao próprio plano. Nesses casos, é necessário contemplar a possibilidade de que esses factores se comportem de maneira diversa. Por isto, temos de monitorizar o percurso do nosso plano, assinalando pontos intermédios em que vamos observar se estamos a caminhar bem em direcção aos resultados (se estamos adiantados ou atrasados em relação aos objectivos). No último caso podemos mesmo ter de introduzir novas acções a essa estratégia, adaptando-a às necessidades entretanto observadas.
Em Portugal, infelizmente, os planos não são programas de trabalho inteligentes mas meras doutrinas (que de ideológicas, de resto, também já têm muito pouco). No planeamento urbanístico por exemplo, que é uma área que me interessa, os planos tornaram-se meros instrumentos formais com valor legal (para aplicar), e já pouco têm de objectos de trabalho e reflexão sobre os problemas de uma determinada região. Essa reflexão genuína é de resto uma ausência que faz parte do modo de ser português. Passámos do tempo da “imaginação ao poder” ao da “falta de inteligência ao poder”.
O problema de tudo isto é que as pessoas, ao contrário dos lemmings, são casmurras que nem um boi e nunca fazem aquilo que a gente quer. É um pouco como a diferença entre conduzir um jipe e andar a cavalo. Se quisermos passar um riacho por cima de uns toros de madeira podemos manobrar agilmente o volante e colocar a roda da viatura bem alinhada com os toros e conduzi-la até ao outro lado. Mas o cavalo, que lamentavelmente ainda não vem equipado com volante, tem que acreditar que consegue lá chegar. E podem crer que se ele achar que não consegue mais depressa vos atira lá para baixo do que acata as vossas ordens.
Referências:
[Programa do XVI Governo Constitucional]
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