[as gajas]

Quinta-feira



Tudo bem, eu admito! Eu não consigo compreender O Sexo E A Cidade (Sex And The City). Não percebo se é um character study ou um Melrose Place para as leitoras da Cosmopolitan. Acho assustador que muitas mulheres se identifiquem com estes protótipos pós-modernos super-atraentes e muito dois em um, que se encontram constantemente para um get-together na esplanada bebendo coffee com muito gossip à mistura.

A maioria das séries de televisão padecem do síndrome Beverly Hills 90210. Apresentam uma visão do mundo insuportavelmente sanitizada, o mundo em versão clean, personagens muito lindas sem rugas nem sinais, os carros acabados de sair da lavagem. Naquele planeta das séries de televisão não existe o transeunte mal-cheiroso do supermercado nem a porcaria de cão no passeio. Eis um mundo inteiro acabado de sair do cabeleireiro e a cheirar a água de colónia. Alguém gostava que a vida fosse mesmo assim?

O mau n’O Sexo E A Cidade é haver mulheres que se revêem naquelas figurinhas de porcelana com as suas carreiras fabulosas e roupas de marca a viver o caleidoscópio do ver e ser visto da executive class nova-iorquina. Será que as mulheres revêm neste purgatório neurótico que faz os dias de Carrie-Samantha-Charlotte-Miranda alguma coisa que tenha remotamente a ver com as suas vidas. Que ideais perseguem estas mulheres? Que formas de amar são estas sempre subjugadas à ordem social e ao status-quo? Será que a vida se resume àqueles probleminhas, os dilemas existenciais das amigas e a queca semanal de Samantha? Haverá mais profundidade nos monólogos de Carrie do que nos voice-off do Macgyver?

E depois, claro, há os gajos? Ah, os gajos d’O Sexo E A Cidade, esses palermas! O Mr. Big e a colecção de cromos estereotipados de homem que por ali passam: o advogado, o arquitecto, o magnata da comunicação social, o actor, o cirurgião. N’O Sexo E A Cidade a profissão dos homens não é um aspecto secundário da sua personalidade, de facto, é toda a sua essência.
O mais extraordinário no modo de estar na vida destas mulheres é, para além do egocentrismo com que encaram a sua satisfação e objectivos pessoais, o modo como formam as suas relações com os homens como um contrato cheio de obrigações a cumprir, descartando-os quando ficam aquém das expectativas - o que acontece quase sempre. As mulheres dirão: ah, mas os homens fazem exactamente o mesmo! E o pior é que estão mesmo convencidas disso. Mas a série, que pretende ser um retrato contemporâneo da mulher liberada que vive os seus desejos (sexuais) sem inibições nem sentimentos de culpa, nunca faz o salto para dentro das suas psicologias femininas para encontrar os reais motivos das suas insatisfações. Enfim, nunca mergulha nas sombras de realidade que estão por detrás daquela Nova Iorque fashionable e multi-colorida. Nunca passa para o outro lado do espelho da lente televisiva e da síndrome Beverly Hills 90210 de que padece profundamente.

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