A nossa sociedade tem a capacidade tecnológica e financeira para promover a urbanização de vastas áreas em curtos períodos de tempo. Conseguimos hoje urbanizar em dez anos áreas equivalentes às que antes demoravam séculos a crescer.
A compreensão deste facto devia incutir-nos uma grande responsabilidade. Desejamos que as novas extensões de cidade retenham o mesmo sentido de humanidade, de vivência, de comunidade, que aquelas partes de cidade que se foram consolidando lentamente. Mas isso não acontece por acaso. Para que a cidade nova crie novas centralidades, mantenha carácter e coesividade, é necessário que exista uma intenção que a promova desde o início.
O nosso modelo de planeamento urbano assenta no carácter centralizador do Estado. Independentemente do facto de isto trazer aspectos positivos e outros negativos, a realidade é que esta é a nossa referência de como se produz espaço urbano em Portugal. Um dos problemas que resultam deste sistema é que, em grande parte, ao privado cabe apenas o papel de ser um optimizador do seu espaço particular, e quase sempre essa optimização é financeira e nada mais. O Estado pode queixar-se disso, mas a verdade é que o sistema que criou (legislativamente e no seu modo de operar) deixa pouco espaço à participação do privado e é pouco aberto à interacção com as diferentes forças vivas da comunidade.
Apesar de tudo, existem movimentos que tentam contrariar esta falta de dinâmica. Os processos da Agenda Local (para o desenvolvimento sustentável, ou Agenda 21) são exemplos de novas doutrinas e novas mentalidades na forma de actuar na gestão dos diversos assuntos importantes para a colectividade. Mas esses processos são ainda minoritários e por vezes usados apenas para promover a ideia de que se está a fazer algo, do que para o fazer realmente. Ao nível do urbanismo, a metodologia das agendas locais ou a participação cívica não só não tem tradição em Portugal como se conhecem poucos exemplos de boas práticas que daí tenham resultado.
O tecido da cidade é assim produzido à medida das obrigações legais e não resultado de uma visão planeadora com finalidade global. A doutrina que resulta desta mentalidade é que a legislação definida para os mínimos aceitáveis se torna uma norma de projectar. Se a rua mínima é de 6 metros, a rua será de 6 metros. Se o passeio mínimo é de 2.25 metros, o passeio será 2.25 metros. Promove-se assim um urbanismo e uma arquitectura dos mínimos, e não da qualidade e da excelência.
É necessário romper com esta mentalidade, e fazê-lo de uma forma assertiva. É necessário dramatizar este problema, que o urbanismo tem de resultar de uma visão que o sustente. Que deve promover o sentido da comunidade. O território da cidade não é um lugar abstracto que resulta da aplicação de determinados índices de ocupação. É antes o tecido de uma realidade sociológica que deve ser valorizada e protegida.
Para que a comunidade possa, de facto, acontecer.
Construir comunidades
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ResponderEliminarAcho muitíssimo inteligentes estes textos! Tenho um blog sobre a Alta de Lisboa, e vou citar estes dois últimos textos além de referir o blog.
ResponderEliminarParabéns!
Tiago Figueiredo
Esqueci-em, evidentemente, de referir o enderenço do blog: www.viveraltadelisboa.blogspot.com
ResponderEliminarA colaboração nas nossas ainda pouco participadas discussões seriam muitíssimo benvidas e altamente enriquecedora!
Cumprimentos!
...filha de arquitecto, exilada em roma por incompatibilidades várias com a naçao, fico feliz de ver coisas bem feitas por pessoas inteligentes e com ideias próprias!
ResponderEliminarQue bonito é o teu blog!
E, já agora, se passares por estas bandas, tenta ir a Napoles ver o novo museu do Siza.
Vale a pena.
Infelizmente caro bom selvagem , esse tipo de pensamento e atitude é povoa a maior parte das almas dos que trabalham (mas tb os que nao trabalham) nas autarquias, admito que é a realidade mas esse tipo de atitude não leva a lado nenhum. Eu trabalho numa autarquia e o Daniel tb. Temos o privilegio de poder trocar ideias e debater estas questões todos os dias e o que de inicio poderia parecer uma utopia e uma luta perdida á partida, passou a ser tarefa encarada com a responsabilidade e o prazer que estão subjacentes ao que motivou a desempenhar a nossa profissão e tb cidadania.
ResponderEliminarÉ uma questão de brio, preserverança e respeito pelos nossos princípos e pelos outros. E por mais que as coisas continuem a não funcionar da forma que achamos mais correcta, penso que como responsaveis que somos devemos sempre continuar a pensar e actuar de acordo com aquilo que genuinamente achamos mais correcto.
E se "isto" se começar a alastrar qual doença epidémica, quem sabe daqui a umas décadas nao podemos viver numa sociedade melhor ( atodos os niveis)!