(imagem via FotoBen)
O urbanismo compreende a planificação, o desenvolvimento e execução dos espaços das cidades, suas estruturas e circulações, com o fim de promover a qualidade de vida de quem nelas habita. Numa outra definição, o urbanismo pode ainda ser entendido como uma montanha de problemas de toda a espécie, consequência directa das relações que esta disciplina mantém com muitas outras do domínio social, económico, cultural, natural e por aí adiante.
O planeamento urbano é pluridisciplinar por natureza e, bem entendido, integra-se no planeamento estratégico do conjunto do território; que evidentemente se relaciona com o seu planeamento económico, jurídico, ambiental, habitacional, do património histórico, da mobilidade, infraestruturas, equipamento. Isto significa que é uma área de trabalho carregada de consequência política: o urbanismo pode ser incompetente mas não é inocente; ele permite conformar objectivos concretos e promover visões específicas sobre a ordem social, a dinâmica económica, a regulamentação jurídica do espaço de acção do cidadão entre tantos exemplos possíveis.
Com isto presente, é fácil compreender que o verdadeiro urbanismo só pode resultar da cooperação de vários domínios do saber: na área do “desenho urbano” e daquilo que chamarei de “não-desenho”. Entre os primeiros estão necessariamente o arquitecto paisagista, o engenheiro civil, o arquitecto; eles constituem o motor dos aspectos relativos à concepção e materialização das ideias no espaço. Entre os segundos, deverão estar os técnicos do ambiente, da gestão urbana, do financiamento e análise financeira, membros do planeamento local, grupos de interesse da comunidade e até indivíduos particulares. Evidentemente, o tamanho de uma equipa deverá resultar da importância e escala do projecto.
O urbanismo em Portugal não tem verdadeira doutrina que resulte de uma tradição ou do fruto de boas práticas. Não parece existir sequer um espírito de cooperação na área ou um entendimento do significado da missão ou serviço público que o urbanismo deveria servir. Na verdade, estamos ainda no tempo da reivindicação de competências, cada um querendo emancipar-se frente ao técnico do lado. O planeamento urbano em Portugal está ainda longe da maturidade.
Os engenheiros, por terem a profissão mais enraizada historicamente, assumiram tradicionalmente um papel importante na produção urbanística e mantêm ainda hoje uma presença forte ao nível do Estado. Para o bem e para o mal, os engenheiros servem também de alibí para justificar todos os males cometidos ao longo de décadas.
Os arquitectos só há poucas décadas se estabeleceram como profissão reconhecida com peso social e político. Na sua necessidade de afirmação, procuraram remeter os engenheiros para um papel de mera especialidade técnica, tomando-os como autênticos “desenhadores dos cálculos” e desvalorizando a mais-valia do seu saber. O urbanismo foi-se tornando monopólio dos arquitectos que tomaram o espaço do engenheiro e também o espaço ainda vazio dos arquitectos paisagistas.
Recentemente os paisagistas têm vindo a conquistar o seu espaço e afirmar-se fazendo valer a forma abrangente como a sua disciplina compreende a cidade e a sua integração no território em larga escala, sendo igualmente sensíveis ao tecido interno e orgânica da cidade. Na necessidade de conquistar o seu lugar, os paisagistas muitas vezes querem reduzir os arquitectos como especialistas em fazer prédios, que por isso não deveriam pôr o pé fora dos seus polígonos de implantação.
E estão já chegando os urbanistas que nos explicam que a situação de caos urbanístico que se vive em Portugal é culpa dos engenheiros civis e dos arquitectos, assim mesmo. Na Proposta de “Projecto de Lei” sobre a profissão, a prática e a formação do Urbanista, produzida pela APROURB, escreve-se que os urbanistas procedem, à elaboração dos planos (sob a forma de desenho), que contempla o volume dos edifícios, as vias de comunicação, os espaços verdes e os terrenos destinados à habitação, ao comércio, à indústria e aos equipamentos sociais. Tranquilizam-nos no ponto seguinte, assegurando que dada a inter-relação com outras áreas profissionais, muito do seu trabalho é realizado em equipas interdisciplinares compostas, para além dos urbanistas, por geógrafos, arquitectos paisagistas, engenheiros do ambiente, arquitectos, economistas, sociólogos, arqueólogos e historiadores, entre outros, pelo que deve poder assegurar funções de mediação e de coordenação. Curiosa, mas não inocente, a ausência de referência ao engenheiro civil.
Apesar de ser caricatura, o que escrevi não anda longe da forma como se fazem as coisas no nosso país. Enquanto os vários intervenientes da área se entretêm em guerras de alecrim e manjerona o urbanismo continua a produzir-se segundo os mesmos velhos paradigmas e a mesma insensibilidade técnica que sempre o caracterizou. O problema, claro está, é que o urbanismo resulta de uma conjugação de saberes e não de um mero agrupamento de técnicos de mentalidade mono-funcional.
A desvalorização da cooperação neste processo resulta de uma coisa muito simples: ignorância. A incapacidade de cada um compreender a urgência do saber dos outros; de que cada vez que olhamos o problema por um diferente ponto de vista técnico vemos coisas diferentes e encontramos necessidades diferentes.
Em boa verdade, no desenho urbano a própria criatividade não resulta tanto do talento individual mas da capacidade adquirida para resolver problemas muito diversos. O urbanismo resulta de fazer as perguntas certas que permitem obter a visão global e começar a identificar as soluções. Nesse processo, a criatividade é a faísca que dá vida aos elementos brutos, quando elementos antes desconexos da pesquisa e inventório começam a tomar forma e revelar padrões. Quando tudo parece tomar forma e começa a fazer sentido, maravilhamo-nos com a sua simplicidade: a solução tinha mesmo de ser assim; mas para lá chegar são precisas muitas reformulações que ocorrem para conjugar as diferentes prioridades que sobre ela actuam.
A criatividade em urbanismo não resulta assim da prática de uma qualquer arte misteriosa ao alcance de indivíduos superiores. Na verdade, e especificamente em desenho urbano, o acto de ser criativo é o processo de fundir os objectivos de um programa com um conjunto de ideais fortes e os constrangimentos das condições existentes. Em urbanismo, como na natureza, a floresta não é apenas um somatório de árvores mas o fruto de muitas interacções e de frágeis equilíbrios que demoram sempre muito tempo a desenvolver.
As árvores e a floresta
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e impressao minha ou o gajo fez a barba???
ResponderEliminar:))
ResponderEliminarHá uma coisa engraçado nisso tudo, todos são essenciais mas "eu quero a brasa puxada à minha sardinha"!
ResponderEliminarO mais engraçado é quando a sardinha é de todos e acabam por não comer nenhuma. Pois muitas vezes quem quer e faz urbanismo, e decide sobre que qualidade de espaço urbano e de edificado temos são políticos que querem é construir e empresas de construção que querem é manter os níveis de lucro ou aumentá-los. Portanto quando alguém sugere o facto de se estar a perder uma oportunidade para melhorar e conceder algum espaço público numa determinada zona, a única coisa que veêm é menos área bruta construída (a empresa), e por outro lado o facto de o projecto já practicamente aceite e quase aprovado ter de ser completamente revisto e repensado, pois ninguém pensou num programa preliminar, nem nunca se pediu a qualquer técnico(s) da área para fazer um estudo das possibilidades, pelo contrário, pediu-se só que indicassem o máximo de construção possível naqueles lotes, provavelmente a um "técnico" de confiança política, não importa se jurista, engenheiro, arquitecto ou contabilista, e todos com áreas de habitação social ou cumprindo quase exclusivamente os mínimos do RGEU.
"Perdoai-les Senhor! Pois não sabem o que fazem!" è mentira, porque sabem muito bem o que fazem, não querem é "perder tempo" com arquitectos ou urbanistas que lhes podem, eventualmente, reduzir o número de obras a inaugurar ou de projectos a apresentar, pois de 4 em 4 anos há renovação do assento, e as empresas, (in)conscientes, não querem saber se os seus filhos não têm espaços verdes, de lazer, ruas com passeios ou seja lá o que fôr, parece que não se importam, pois no seu discurso dizem "Importo-me muito com as pessoas!" no entanto muitos dos actos demonstram o oposto.