Miami Vice


Costumo dizer – mas ninguém me liga – que Collateral está para Los Angeles como Taxi Driver está para Nova-Iorque. Raras vezes se terá captado a espessura complexa de uma cidade como na obra de Michael Mann, utilizando técnicas sofisticadas de suporte de imagem para incorporar elementos estéticos e temáticos e com eles criar reproduções únicas da paisagem urbana.
A propósito do seu mais recente filme Miami Vice têm surgido diversas críticas que o apontam como um trabalho inferior a Collateral ou mesmo a Heat. Nada mais errado do que desconsiderar esta absoluta obra prima, um filme que transcende em muito as fronteiras de uma qualquer visão convencional de cinema. Miami Vice é um filme de acção no mais puro sentido, uma viagem visceral, exercício de tensão e estilo. É um documento exemplar de realismo minimalista suportado por uma elaboração extrema do seu universo visual. Michael Mann retrata o denso panorama em que navegam aquelas personagens usando fragmentos de urbanidade e arquitectura como uma ferramenta ao serviço da história. Texturas urbanas, pontuados de saturação de cor, letterings publicitários parciais, emaranhados aéreos de linhas eléctricas - são algumas das substâncias que dão corpo ao seu universo formal. Depois é o oceano que se espraia para lá de Miami, o mar como terra de ninguém, espaço de fronteira entre a lei e o crime onde todas aquelas vidas se cruzam.
Destaca-se uma proximidade assinalável ao espírito da mítica série televisiva da década de oitenta. Para lá disso, o filme despoja-se de todos os seus antigos acessórios: os casacos blazer, o barco de Sonny Crockett e o seu crocodilo de estimação Elvis, o saudoso Ferrari Testarrossa. O que fica é a alma brutal da noite de Miami e as suas complexas ramificações humanas.
Miami Vice é um filme marcado por uma intensa atmosfera. O manuseio dinâmico da acção por Michael Mann é um exemplo de uma realização sem rodeios capaz de ascender a uma sedução quase lírica. O seu uso da profundidade e da escuridão nocturna, manipulando a cor para obter o máximo efeito expressivo, uma luminância acentuada e um forte jogo de contrastes, oferece ao espectador paisagens urbanas de uma deslumbrante textura visual. Num género tantas vezes desvirtuado em nome dos piores exemplos que se vão produzindo na indústria cinematográfica americana, Mann afirma-se como uma referência essencial. Por isso afirmo que este é o melhor filme de acção da década – mas ninguém me liga.

1 comentário:

  1. Até q enfim alguem q viu este filme com os mesmos olhos que eu e lhe da o devido valor!
    Parabéns pela crítica.

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