Uma Escola para um mundo de incerteza


If you think of it, children starting school this year will be retiring in 2065. Nobody has a clue, despite all the expertise that's been on parade for the past four days, what the world will look like in five years' time. And yet we're meant to be educating them for it.
So the unpredictability, I think, is extraordinary.

Sir Ken Robinson – Do Schools Kill Creativity?, via TED.

A Educação motiva as paixões de muitos e desperta por certo os desesperos de tantos outros. Sobre a Escola projectam-se expectativas tanto quanto se revelam as disfunções do fazer colectivo. Algo que podemos sentir com alguma facilidade nestes tempos cheios de complexidade e incerteza quanto ao futuro.

Entrei para a Escola há pouco menos de trinta anos. Pensando nisso, é quase inacreditável pensar em como as coisas mudaram – na nossa relação com o conhecimento, na comunicação global, no sistema económico e nas expectativas laborais, na estrutura social. Em tudo.

A exposição sedutora de Ken Robinson no TED é um bom pretexto para pensar nesse futuro imprevisível que nos maravilha e inquieta ao mesmo tempo. As suas preocupações quanto ao papel da criatividade numa nova economia baseada no conhecimento deixam claro o desafio assente à Escola de hoje. Uma Escola que tem de servir de abrigo para a experimentação e a expressão de formas de inteligência bem diferentes daquelas promovidas por modelos passados. Um lugar onde o objectivo não se pode resumir a evitar o erro; antes promover o risco, a originalidade, a criatividade.

É muito acertada a observação de Robinson: que o propósito da educação pública em todo o mundo parece ser produzir professores universitários – “são aqueles que saem no topo da pirâmide”. Temos assim um sistema educativo predicado na ideia de “academicabilidade”. Ou seja, as universidades delinearam o sistema à sua imagem – o que reflecte toda uma visão sobre a “inteligência humana”. Aqueles que seguirem os parâmetros estabelecidos, tocarem as teclas certas, obterão sucesso. Um “processo retroactivo de acesso à universidade”.

Mas o mundo muda, de facto, ainda que os sistemas educativos e as academias possam não o fazer. Onde antes uma licenciatura era garantia de emprego, temos hoje uma realidade de inflação académica. Ou seja, as qualificações do sistema vão perdendo adequação a uma realidade económica em que outros valores se sobrepõem.

Sou arquitecto e não um especialista em Educação. Nestas breves reflexões abordei o papel que a arquitectura pode desempenhar para suportar novas ideias e novos modelos para o ensino. Porque na Escola a arquitectura não é tanto um fim mas um meio para consolidar um lugar capaz de albergar as novas funções que se lhe exigem.

Ao fazê-lo, confesso, tenho perfeita noção do distanciamento que este registo de discussão de arquitectura tem perante os critérios de uma análise super-académica da arquitectura. O exemplo de planificação tipológica presente na página da DesignShare é o tipo de coisa votada ao mais completo desprezo – uma espécie de discussão arquitectónica de segunda categoria, de tão básica na sua forma e tão evidente na sua substância. Mas o que me importa dramatizar é a importância em valorizarmos não apenas as manifestações de arquitectura de elite – que nos podem e devem motivar um justo entusiasmo – mas considerar igualmente o alcance da doutrina da arquitectura na elevação de padrões e tipologias. Naquilo que têm de expressão no território vivido pela comunidade colectiva. Da realidade massificada. Na vida de todos.

Um paralelismo que faço muitas vezes ao pensar em urbanismo; ponderar sobre os ideais que deviam estar subjacentes na construção do espaço da comunidade e pensar no vazio doutrinário que se exprime na definição jurídica que temos do que é um passeio, uma rua, um bairro. Uma realidade construída com base em indicadores quantitativos, estritos, despidos de conteúdos morfológicos, de um desígnio para o que se pretende da “cidade”.

Também ao olhar para a nossa Escola questiono que visão se pretende que esta sirva afinal. Escolas, também elas um produto quantitativo, onde se definem salas e gabinetes, mas em que não se alimenta uma visão para o Ensino enquanto plataforma para promover os valores em que se pretende instituir uma ideia de sociedade e construir a nossa capacidade de competir na economia global do conhecimento – em que as pessoas são um recurso inestimável.

Deixo o exemplo de um projecto de ensino promovido pelo Department of Culture, Arts and Leisure – Northern Ireland, com o envolvimento activo de Ken Robinson e intitulado de Unlocking Creativity Initiative:

Unlocking Creativity (1): A Strategy for Development;
Unlocking Creativity (2): Making it Happen;
Unlocking Creativity (3): A Creative Region.

Nela se inscrevem os princípios para um sistema de ensino orientado para a promoção das capacidades de iniciativa individual, na base de uma estratégia de desenvolvimento económico. Também aqui se faz referência ao papel da arquitectura como mais-valia para consolidar um ambiente criativo e estimulante; valores essenciais para a qualidade da aprendizagem. E se estabelecem metodologias para o envolvimento dos arquitectos no desenho das escolas, afinal os lugares de promoção da educação cultural dos jovens.

Independente dos modelos que adoptemos, com estas ou outras prioridades, não podemos descurar o motivo primeiro de tudo isto: que à frente de uma instituição deve estar uma ideia, e que na sua execução deve assentar uma estratégia.
E que, mais importante que tudo o resto, não basta falar a linguagem, é preciso fazer o caminho. “Talk the talk, walk the walk”. Sem um desígnio que a alimente não haverá esperança para a nossa Escola. Mas sem fazer o caminho prático das ideias, de nada servem as mais bem intencionadas teorias, sobre a educação como sobre tudo o resto.
E como diz o coelho da Alice no País das Maravilhas: “é tarde, é tarde”.

Um jardim em cada escola

A Barriga de um Arquitecto feita pelos seus leitores. Fica a participação de Tiago Torres Campos, arquitecto paisagista colaborador do projecto Um Jardim em Cada Escola, falando da necessidade em cuidar dos espaços exteriores dos recintos escolares – uma dimensão diferente mas igualmente importante das preocupações que aqui tenho reflectido. Via email.

Caro Daniel,

Elogio desde já as reflexões que tem feito sobre a Escola em Portugal. Curiosamente este tema, basilar na formação da pessoa, tem sido estranhamente votado ao silêncio. Que significa este silêncio? E mais importante do que isso, como poderá o Arquitecto participar activamente na redescoberta daquilo que é o Parque Escola.

Sou Arquitecto Paisagista e interesso-me bastante pelo tema da Escola, principalmente porque considero que no nosso País há um longo e burocrático caminho a percorrer na sua melhoria. Estou, desde Setembro de 2007, envolvido no projecto Um jardim em cada escola, um projecto pedagógico de carácter ambiental, cujo principal objectivo é a requalificação dos espaços exteriores escolares. A ideia fundamental desta equipa de profissionais não é a simples implementação de projectos paisagistas nas escolas, mas o envolvimentos de todos - crianças, pais, docentes e comunidade - na construção dos espaços que afinal são o principal lugar de brincadeira durante largos anos.

A nossa experiência na divulgação do projecto Um jardim em cada escola, junto de quase trinta escolas públicas e mais de dez colégios privados, na Área Metropolitana de Lisboa, tem sido positiva, sendo a receptividade total e o interesse muito grande. Por parte dos corpos executivos e docentes, dos alunos, dos pais e da comunidade envolvente.

O que nos move é sobretudo a intervenção em escolas públicas, pela urgência na sua recuperação. Embora os recreios sejam, em geral, espaços funcionais para os alunos brincarem e descontraírem, eles são acima de tudo "uma terra de ninguém". Ninguém é responsável, ninguém cuida deles, e ninguém parece ficar realmente incomodado com isso. Encontram-se bastante descuidados, sendo na sua maioria constituídos por pavimentos estéreis e equipamentos obsoletos e degradados. Transformar parte destes espaços em jardins, abre a possibilidade de proporcionar aos alunos, além de uma qualidade ambiental inestimável, experiências interessantes e saudáveis que os aproximem do mundo natural e, por outro lado, tragam esse novo mundo para as salas de aulas.

As crianças e jovens que venham a estar envolvidos neste projecto aprenderão a compreender e a cuidar do ambiente que os circunda, adquirindo conhecimentos e competências de grande valor prático e cívico, que os acompanharão ao longo da vida.

Temo-nos deparado, naturalmente, com problemas na implementação dos projectos, relacionados, por um lado, com a angariação de fundos, e por outro, com a resolução de toda a burocracia junto de todas as entidades que têm uma palavra a dizer sobre a Escola. A minha opinião geral é a de que, ressalvando as pouquíssimas excepções, muita gente tem alguma coisa a dizer sobre a Escola, mas pouca gente quer realmente fazer alguma coisa.

Quero acreditar que esta é uma ideia sólida, pelos objectivos que nos propomos alcançar, pelas preocupações ambientais que caracterizam a nossa geração e por uma genuína componente educacional e pedagógica. Neste domínio muito está por fazer. Um jardim em cada escola propõe-se a começar.

Os melhores cumprimentos,
Tiago Torres Campos

Escola: o exemplo vem de cima

Segue-se a transcrição de um email de Joana Pestana Lages, arquitecta de 29 anos, que partilha a sua opinião e algumas ideias sobre a experiência de renovação de edifícios escolares no Reino Unido.


Kingsdale School, de Rijke Marsh Morgan Architects.

Caro Daniel,
(...) Gostei bastante da reflexão que fez sobre a problemática das escolas. E que escolas queremos nós?
Em Inglaterra existe um programa governamental chamado Building Schools for the Future (BSF). Foram desenvolvidos projectos por Wilkinson Eyre, Sir Norman Foster, Future Systems, entre outros. Entre esses "outros" mais pequenos destaco um, premiado diversas vezes pela RIBA, de Rijke Marsh Morgan Architects, onde trabalhei entre 2005 e 2007.

A primeira grande encomenda que tiveram, fruto de um 1º lugar num concurso, foi exactamente a remodelação de uma escola dos anos 60, a Sul de Londres, no âmbito deste programa. Antes da renovação, os alunos (muitos com desordens de comportamento e/ou problemas de aprendizagem) vandalizavam a escola, melindravam professores, enfim metiam a escola no mapa pelas piores razões.
Agora não só existem estatísticas que provam que os resultados escolares melhoraram consideravelmente, como a postura dos alunos mudou; gostam de estar na escolar e gostam de cuidar da escola. Kingsdale School é tudo isso; lugar de encontro da comunidade, espaço de aprendizagem, espaço para crescer e formar carácter.
Destaco duas razões simples para o sucesso: a realização de um extenso processo de consultoria, onde pais, professores, alunos e toda a equipa projectista foi largamente envolvida, e a procura constante de soluções de projecto que servissem a ESCOLA.

Estas soluções de projecto podem ser encontradas aqui - School Works - de forma expedita, numa simples lista onde se apontam problemas, a visão estratégica escolhida e as soluções encontradas. Sem imagens, ou com poucas, sucinto e directo - uma das boas características dos ingleses. Podem ver um tour virtual da própria escola.
Imagens da escola de música e pavilhão do desporto (Music & Sports Pavillion), último parte do projecto, independente em relação ao bloco das aulas podem ser vistas aqui - thecoolhunter.net. Este atelier vê na utilização de painéis estruturais sólidos em madeira (cross laminated timber) uma solução sustentável. As preocupações ambientais são também um dos principais vectores no desenvolvimento de cada projecto.
Tenho um enorme orgulho por ter trabalhado com as pessoas que tornaram isto possível. Embora o meu contributo tenha sido feito noutros projectos, não pude deixar passar a oportunidade de mostrar um bom exemplo daquilo se faz na Europa, quer através deste programa do governo inglês, quer através da respostas dadas pelas equipas escolhidas.

Acredito que os arquitectos perderam terreno em Portugal. E continuam a perder peso no mundo. Como disse Prince-Ramus na última Icon: it's our own damn fault. Architects have become stylists, people who do window dressing. We're taught to say 'that's my vision' and the client says 'but that's not what I need'. Meanwhile, all the important stuff that has a moral or social agenda, we have no involvement in anymore. That gets carried out by developers.

A juntar ao debate da travessia da ponte, do novo aeroporto, é urgente um debate sobre a instituição da escola entre nós, os "formadores do espaço" que vai formar pessoas. (...)

Este contributo da Joana Lages, a quem deixo o meu agradecimento, sublinha algumas preocupações que julgo importantes - não apenas na intervenção dos arquitectos no campo da arquitectura escolar mas quanto ao papel que gostaríamos de assumir como participantes da construção do espaço social, do espaço colectivo das comunidades em que vivemos. São questões que abordarei em breve, concluindo esta série dedicada ao tema das escolas.

Escola: juntando as peças

Percorrendo os projectos apresentados no sítio web do DesignShare podemos observar o resultado prático de muitas ideias propostas para uma Escola melhor. Proponho assim um pequeno passeio por alguns desses ambientes reflectindo sobre os conceitos que lhes deram origem.


Entrada principal, Thomas L. Wells Public School, Baird Sampson Neuert Architects.

A identidade da escola é um aspecto sempre muito sublinhado. Cada escola deve transparecer uma personalidade própria, romper com o anonimato e a repetição mecanicista de modelos tipificados. A escola deve assumir um lugar de relevo na comunidade em que se insere e a sua arquitectura deve demonstrá-lo, ao serviço de uma missão mais vasta de humanização do ambiente urbano.
Independentemente dos meios disponíveis, com maior ou menor grau de espectacularidade, a instituição da escola deve transportar a sua assinatura e ser um lugar reconhecível. Um espaço para ficar na memória de quem a vive e de quem a visita.


Átrio de entrada, Pistorius-Schule, Behnisch Architekten.

O átrio deve prolongar a expressão dessa personalidade própria, favorecendo o contacto social, o encontro e o diálogo. Ambientes humanizados promovem um comportamento mais humano. A luz, a textura material, a dimensão e a comunicação visual devem servir esses fins. Não se trata de uma simples necessidade de embelezamento estético, antes compreender que um ambiente qualificado valoriza quem o vive, propiciando o retorno de comportamentos igualmente qualificados.


«Learning street», Vidyalankar Institute of Technology, Planet 3 Studios Architecture.

As áreas comuns podem constituir todo o tema de um espaço escolar – uma verdadeira rua para ver e ser visto, caracterizada em diferentes escalas, nos pequenos detalhes e nos grandes gestos do edifício.


«School commons», High Tech High International, Carrier Johnson.

A afirmação do espaço comum como centro social de uma pequena comunidade – o «commons» - é um dos princípios centrais a uma nova filosofia de escola. As áreas de circulação devem servir uma função – não se reduzirem a canais de distribuição mas permitirem a convivência e a observação. Uma ênfase muito interessante é colocada na ideia de «soft-seating», ponto de descanso para um grupo de estudantes nas pausas do tempo de aula ou onde professores podem conversar informalmente com alunos e pais.


Corredor principal, Bronx Charter School for the Arts, Weisz + Yoes Architecture.

Também muito interessante é observar em muitas destas boas práticas uma relação descomprometida do espaço com a expressão própria da construção e das suas infra-estruturas. Condutas de ventilação e calhas técnicas atravessam as áreas de circulação de forma visível, tornando-se parte do seu desenho interior.



High Tech Middle School, Carrier Johnson.

O edifício não tem de ser uma construção pesada. Investir na casca da arquitectura não é mais importante do que enriquecer o seu interior com soluções de desenho inteligentes e criativas.


Escada principal, The Bay School of San Francisco, Leddy Maytum Stacy Architects.

Um recanto pode servir de ponto de encontro. O design interior deve contribuir para tornar cada lugar único, criando um espaço que conta uma história e se torna parte da sua memória.


Área de circulação, Pistorius-Schule, Behnisch Architekten.

As áreas de circulação podem servir várias funções, constituindo sub-espaços autónomos onde actividades diversas podem ter lugar.


Átrio, Greenman Elementary School, Architecture for Education Incorporated.

Um corredor não tem de ser anónimo. A cor, o desenho e o mobiliário podem transformar por completo a vida do interior de uma escola.


Espaço partilhado, Galilee Catholic Learning Community, Russell & Yelland Architects.

Uma sala de actividades colectivas não tem de ser uma balbúrdia. Mobiliário integrado e um uso inteligente do espaço contribuem para criar regras de utilização e promover uma cultura própria do lugar. A interligação com outras salas promove a interacção e torna possível a deslocação entre espaços para diferentes fins.


Salas interligadas, Great Beginnings Early Education Center, ACI/Frangkiser Hutchens.

Uma sala de aula não precisa de ser um compartimento estanque. A arquitectura pode estar ao serviço da flexibilidade através de soluções tão simples quanto inteligentes.


Salas interligadas, Chugach Optional Elementary School, McCool Carlson Green Architects.

A descompartimentação pode ser muito positiva. No entanto, em espaços polivalentes, deve ser tido em conta que diferentes funções requerem suportes diferentes. A especificidade deve conviver com a flexibilidade.


Sala de aula, Pistorius-Schule, Behnisch Architekten.

Uma sala de aula deve ser muito mais do que quatro paredes. A arquitectura escolar exige detalhe.


Sala de aula com «cave seat» (nicho), Galilee Catholic Learning Community, Russell & Yelland Architects.

Uma sala de aula não tem apenas uma função. Espaços de convívio e de recolhimento podem coexistir para proporcionar diferentes momentos e enriquecer a sua vivência.


Área de apresentações, PS1/Bergen School Library, Marpillero Pollak Architects.

Um espaço diferente promove um comportamento diferente. O mobiliário não serve apenas um único fim, podendo estar ao serviço de toda uma filosofia.


Espaços identificados, Northwest Middle School, VCBO Architecture.

A sinalética deve fazer parte da linguagem arquitectónica. Salas para funções diferentes devem assumir características diferentes, demonstrando-o tanto para dentro como para fora.


Espaço exterior, Paschalisschool, Atelier PRO Architects.

A escola deve apropriar-se do espaço exterior, conferindo-lhe funções e permitindo que esteja ao serviço da sua comunidade.


«Aula» - espaço de assembleia, Paschalisschool, Atelier PRO Architects.

A transparência é outro princípio muito valorizado. A escola deve olhar para fora, permitindo bons níveis de visibilidade tanto em áreas formais como informais. Uma vez que grande parte do tempo de aprendizagem acontece em espaços fechados, existe um grande benefício em expandir literalmente os horizontes dos alunos criando pontos de vista amplos e abertos.


Comunicação entre interior e exterior, Paschalisschool, Atelier PRO Architects.

De forma pouco convencional, a transparência pode ser levada ao limite. Uma sala de aula pode comunicar visualmente com o espaço exterior…


Comunicação entre espaços interiores, Paschalisschool, Atelier PRO Architects.

…tal como com o interior.


Rede de recreio, Yuyu-no-mori Nursery School and Day Nursery, Environment Design Institute.

Acima de tudo, na escola como em tudo o resto, não existem receitas feitas. E talvez não exista lugar mais nobre em que a arquitectura deva estar ao serviço de uma causa. Não aceitemos a ilusão de que a distância que temos para com estas práticas se deve simplesmente aos meios. Devemos questionar o que temos, o que fazemos e porque insistimos em fazê-lo. Com criatividade é sempre possível encontrar novas soluções. A imaginação, afinal, não tem limites.

Derrame de consciência

Mas percebi: «Ainda estou viva! Ainda estou viva e encontrei Nirvana. E se encontrei Nirvana e ainda estou viva, então toda a gente que está viva pode encontrar Nirvana». E visualizei um mundo cheio de beleza, paz, compaixão e pessoas amorosas que sabem que podem vir a este espaço sempre que quiserem. E que podiam com propósito escolher ir para o hemisfério direito ou esquerdo e encontrar este lugar. E percebi que tremendo presente esta experiência podia ser, que toque de génio isto podia ser para nos permitir viver a nossa vida.

Uma pequena pausa sobre o tema dos últimos dias, aproveitando a referência ao cérebro, para divulgar um testemunho muito belo sobre uma viagem pelo domínio da consciência. A neuro-anatomista Jill Bolte Taylor partilhou no TED a sua história de recuperação de um acidente vascular cerebral – ver My stroke of insight. O seu depoimento emotivo é também uma extraordinária observação da complexidade e dualidade do cérebro humano. Revelador e inesquecível, a sua visualização é obrigatória.
Podem também ler a transcrição original em inglês, bem como uma tradução livre em língua portuguesa publicada no blog de Bernardo Ramirez.

Jill Bolte Taylor shared her personal journey through a massive stroke in her extraordinary presentation on TED - watch My stroke of insight. Her powerful testimony is a remarkable observation on the complex duality of the brain. Revealing and truly unforgettable.

Escola: o fazer de um lugar

Para ir um pouco mais longe na reflexão sobre novas abordagens na área da arquitectura escolar recomendo uma leitura aprofundada de alguns textos de Jeff Lackney, um arquitecto especialista em psicologia ambiental. No documento Teachers as Placemakers são apresentadas algumas questões prévias importantes na relação entre o espaço construído e o processo de ensino. Refere-se que aspectos tão simples como a temperatura da sala de aula, a iluminação e a qualidade do ar parecem ter efeitos sobre a aprendizagem. Adicionalmente, a limpeza, a arrumação e as características transmitidas pelo ambiente da escola são identificadas pelos professores como tendo influência sobre o comportamento dos alunos. A própria organização do mobiliário ou a distribuição dos espaços dentro da sala podem fazer beneficiar em grande medida o sucesso da missão do professor.

Podemos observar o elaborado nível de preocupações tidas em conta na concepção de espaços escolares num outro documento intitulado Twelve Design Principles Based on Brain-based Learning Research. Entrando já no domínio das neurociências, estabelecem-se diversos princípios sobre a relação próxima entre espaço e comportamento. Ambientes ricos em estímulos, na cor e na textura; criação de “lugares” para diferentes formas de socialização; valorização de ligações entre espaços interiores e exteriores; simbologia e sinalética; diversidade de espaços e funções – permitindo tanto a convivência como a reflexão e a introspecção – são apenas alguns dos aspectos importantes a ter em conta. Lackney exprime preocupação pela existência de escolas baseadas num conceito homogéneo e inexpressivo, reforçando a necessidade de incorporar a complexidade e a flexibilidade para acomodar um conjunto diverso de processos de aprendizagem.

O próprio autor refere alguma prudência no modo como estas pesquisas devem ser incorporadas, reconhecendo que a neurociência é uma especialidade extremamente recente e por isso mesmo justificando um trabalho continuado de pesquisa. Mas a base de conhecimentos e princípios que se expressam são demasiado evidentes para continuarem a ser desprezados. Sublinha alguma frustração no modo como alguns especialistas da área de ensino “falam a linguagem” mas persistem na prática na utilização de metodologias antigas.
Tomaria a liberdade de prolongar esta preocupação para o modo como arquitectos assumem a concepção de equipamentos escolares. Em Portugal bastará consultar alguns projectos-tipo – ainda divulgados por entidades da área da Educação – e ver como os correctos pressupostos enunciados na teoria não têm a mais pequena correspondência com o objecto construído, onde afinal esses princípios deveriam tomar forma.

Na sua conclusão Lackney refere a necessidade de adoptar o conceito do “fazer de um lugar”, em oposição ao mero desenho dos seus espaços. O que em arquitectura significa ir além do ambiente físico para enquadrar a dimensão social, organizativa, pedagógica e emocional. Um trabalho que devia desafiar modos de operar pré-definidos ou tipificados para abraçar uma interacção disciplinar fértil, tanto na definição de princípios teóricos como na sua realização prática. As mais bem intencionadas ideias não servirão, caso contrário, nem para nada nem em benefício de ninguém.

Uma Escola para o século XXI

A educação mobiliza o sentimento colectivo de formas que poucas outras áreas são capazes de fazer. Na escola parecem advir todos os entusiasmos e todos os temores da comunidade, como demonstrou o recente episódio de afronta estudantil divulgado à exaustão, primeiro no Youtube e depois na comunicação social.
À emotividade imediata seria útil seguir-se a reflexão sobre o que queremos da Escola do século XXI. Num país em que a educação parece ocupar um lugar de tamanha importância enquanto tema social e político, é interessante observar a enorme carência de saber técnico aplicado no domínio da arquitectura escolar. O sistema público continua subserviente da lógica do “projecto tipo”, sem que se reflicta mais profundamente sobre os conteúdos para produzir uma nova “tipologia de escola”. Assim, ao falar de uma Escola para o século XXI, não será demais lembrar que estamos a falar deste mesmo século em que já estamos a viver. Aqui e agora.

A arquitectura – mesmo a boa arquitectura – não é uma panaceia para os males do mundo. Uma boa escola não suprime a envolvente social que a rodeia ou as pulsões do tempo em que existe. Mas o ambiente construído é um reflexo visível da filosofia que lhe dá origem. E assim também a escola é um símbolo daquilo que a comunidade dramatiza, aquilo a que dá importância.
A escola preenche hoje um conjunto muito diverso de funções. É um lugar de aprendizagem para aptidões a muitos níveis diferentes – das ciências às artes, à actividade física e ao relacionamento social e interpessoal. Para além disso, a escola ocupa cada vez mais um lugar de instituição comunitária, em que jovens mas também adultos se podem reunir para ocupações bastante flexíveis.
Mas para que a escola possa desempenhar eficientemente essas funções tem de existir um propósito que lhe dê origem. O “espaço da comunidade” não acontece por acaso. É necessária uma intenção que o promova, que dê corpo a um conjunto de preocupações muito específicas na sua concepção, de cuja execução depende o seu sucesso futuro.

Como ponto de partida para uma longa reflexão vale a pena conhecer o sítio web da DesignShare. Trata-se de uma página de divulgação de boas práticas de arquitectura escolar em todo o mundo. Nela podemos encontrar a referência ao livro Design Patterns for 21st Century Schools - ver The Language of School Design (PDF summary) - onde se sintetiza um conjunto de conhecimentos em torno das melhores práticas no planeamento e construção de edifícios escolares.
Num formato de manual técnico quase elementar, sem teorizações obscuras, processa-se em doutrina aplicável uma série de factores complexos com vista a funções muito específicas. Temos assim o oposto da solução-tipo, antes a busca de ideias experimentadas, o padrão comum entre muitas formas possíveis para a boa prática que se procura implementar.



O site oferece um ensaio introdutório acerca de alguns dos princípios que se propõem para esta escola do século XXI. Partindo do modelo Ford da escola de início do século XX, observa-se a expansão do espaço de corredor para se tornar num lugar de interacção social.





A própria sala de aula sofre mutações diversas, na forma e no tipo de relação com o exterior e interior do edifício. Promove-se a interacção e a multi-funcionalidade – não uma polivalência inespecífica, mas a afectação de sub-áreas a funções bem definidas.



Uma referência particularmente curiosa é a ênfase colocada no desenvolvimento de aptidões relacionais: A maioria das escolas tradicionais, na verdade, desmotiva a interacção social dentro da escola por considerá-la uma “distracção” e por medo que da socialização dos estudantes resulte uma ameaça para o objectivo de disciplina e obediência às regras dos adultos. Sabemos hoje que a capacidade discursiva e a aprendizagem colaborativa são aspectos críticos para o desenvolvimento de cidadãos completos. Estas chamadas “aptidões leves” estão no topo da lista de qualificações para o sucesso em qualquer profissão.





Igualmente importantes são as considerações feitas em torno do objecto-escola enquanto parte do coração da comunidade. Algo que extravasa necessariamente as considerações de ordem meramente arquitectónica. A Escola vista no contexto da comunidade global, o verdadeiro ambiente da aprendizagem – que tem por isso de encontrar novas formas de ocupar o ambiente urbano para deixar de ser uma fortaleza de ensinar e relacionar-se com suportes tecnológicos, o ensino à distância, as parcerias com entidades externas, públicas e privadas – e assim tornar-se uma verdadeira instituição para o presente e o futuro daqueles que por ela passam.

O tema é longo e merecerá por certo uma reflexão continuada. Mas seria importante que, também por cá, estes princípios tomassem corpo em formas de proceder, planear e projectar, mais esclarecidas. Para que a escola possa realmente contribuir para o futuro mais lúcido e mais próspero que todos desejam.

A Barriga reloaded

Apresento-vos a versão 2008 do blog, a marcar o início de uma nova fase de actividade. Opiniões – e reclamações – na caixa de comentários ou para o email do costume. A Barriga regressa à velocidade de cruzeiro já na próxima semana. Até lá!

The Belly reloaded
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