Isenção de IMI nos centros históricos classificados Património Mundial – uma questão nacional

Pode a mesma lei ser aplicada de modo diferente no território nacional? E podem as Finanças ignorar requerimentos e pedidos de informação desrespeitando as normas em vigor e ignorando os cidadãos? Eis o que se parece estar a passar em Évora a propósito do benefício fiscal de isenção de IMI aplicável ao seu centro histórico, em virtude da classificação como Património Cultural da Humanidade pela UNESCO. Um caso local com implicações que se poderão vir a estender a todo o país.



1. O que diz a Lei

Os conjuntos classificados como Património da Humanidade, em que se incluem os centros históricos de Évora, Porto e Guimarães, bem como a Paisagem Cultural de Sintra, estão reconhecidos como de Interesse Nacional pela Lei de Bases para a Protecção e Valorização do Património Cultural (Lei n.º 107/2001), passando a receber a designação de Monumento Nacional (Art.º 15.º, n.º3).
O Estatuto dos Benefícios Fiscais refere que «estão isentos de imposto municipal sobre imóveis: os prédios classificados como monumentos nacionais e os prédios individualmente classificados como de interesse público ou de interesse municipal, nos termos da legislação aplicável». Resulta assim que os prédios situados nestes centros históricos beneficiam de uma isenção de IMI, obtida mediante apresentação de um requerimento nas Finanças acompanhado de uma declaração emitida pelo IGESPAR. É este o procedimento que tem vigorado em todos estes centros históricos, situação que se estende ao caso da Vila de Óbidos classificada Monumento Nacional em 2007.


Aplicação prática da Lei do Património em conjugação com o Estatuto dos Benefícios Fiscais. Clique para ampliar.

2. Razões de uma isenção

A classificação de Património Mundial acarreta para os imóveis inseridos nestes centros históricos um conjunto de restrições regulamentares que têm por objectivo preservar as suas características particulares, como salvaguarda do interesse patrimonial que lhes está reconhecido. A isenção de IMI constitui uma forma de incentivo directo no sentido de promover a captação e fixação de novos habitantes em áreas por vezes sujeitas ao envelhecimento e abandono gradual de população.
É também este o caso do centro histórico de Évora que vem assistindo à deslocação populacional para bairros periféricos, fugindo às limitações e aos custos acrescidos que acarreta a vida num parque edificado antigo e pouco adaptado às exigências da sociedade contemporânea. Importa sublinhar o papel positivo que desempenham os residentes destes centros históricos que constituem uma mais-valia para as suas cidades, contribuindo para a recuperação do parque edificado que é um dos seus principais “valores simbólicos” e motivo de promoção económica, cultural e turística. São também uma mais-valia para o comércio local bem como um garante de segurança da vida pública, contrariando o abandono de que podem resultar fenómenos de isolamento, insegurança e vandalismo.

3. O caso de Évora

Foi com surpresa que os munícipes de Évora foram confrontados com a intenção de anular um benefício fiscal que estava a ter um impacto ténue mas positivo no sentido de atrair novos moradores. Uma situação tanto mais surpreendente quanto se observa que teve como principal mobilizador o próprio Presidente da Autarquia, que promoveu junto dos serviços de Finanças o acolhimento de uma interpretação da legislação segundo a qual apenas os imóveis individualmente classificados como Monumento Nacional deveriam beneficiar dessa isenção fiscal (ver imagem acima).
Declarações do Presidente da Câmara publicadas no jornal local Diário do Sul, em edição de 29 de Maio, davam conta de uma tomada de posição das Finanças segundo a qual deixaria de ser concedida isenção do IMI a todos os imóveis e que os proprietários beneficiados com a isenção seriam obrigados a pagar retroactivamente os impostos a que haviam sido isentados em anos anteriores.
Perante estas ameaças, um conjunto de munícipes resolveu criar um movimento de cidadãos determinado a fazer prevalecer a correcta aplicação da legislação, à semelhança do que ocorre nos restantes centros classificados Património Mundial. Este movimento divulgou as suas posições através dos meios de comunicação local, lançou uma petição pública (online e porta-a-porta) que obteve o apoio de largas centenas de habitantes da cidade e tem vindo a desenvolver contactos junto dos órgãos do município e dos deputados da Assembleia da República.

4. Uma questão nacional

Os serviços de Finanças de Évora têm vindo a assumir uma posição expectante, não dando despacho aos requerimentos de reconhecimento da isenção do IMI que se foram acumulando sem resposta durante todo o ano. Perante as reacções da opinião pública as Finanças locais não concretizaram ainda a ameaça de supressão da isenção e pagamento retroactivo por parte dos contribuintes que foram reconhecidos como isentos no passado. Não obstante, face a pedidos de informação sobre o andamento dos processos formulados pelos contribuintes ao abrigo da Lei Geral Tributária, e aos quais os serviços devem resposta no prazo de 10 dias, as Finanças não respondem em manifesto incumprimento da lei. Fazem saber por vias informais que o caso será objecto de uma decisão do Director Geral de Contribuições e Impostos, aguardando pela supressão da isenção de IMI cujos efeitos se deverão estender a todos os Centros Históricos Património da Humanidade em território nacional.
A verificar-se este desfecho estaremos perante um caso em que as Finanças se assumem como agente clarificador da Lei, ao arrepio das atribuições próprias da Assembleia da República. O caso é ainda mais grave ao observar que as Finanças acabam por actuar em causa própria, assumindo interpretações muito questionáveis da legislação e anulando as suas próprias deliberações passadas, em prejuízo dos contribuintes. Eis um caso em aberto que deverá merecer a atenção das comunidades locais, não apenas de Évora, mas também do Porto, Guimarães, Sintra e Óbidos, na defesa dos seus direitos e dos lugares onde vivem, bens edificados indissociáveis da memória colectiva e histórica do país, e referências patrimoniais em Portugal e no mundo.

4 comentários:

  1. Boa explicação. Obrigado.

    ResponderEliminar
  2. Não seria melhor almoçar com o chefe das finanças?

    ResponderEliminar
  3. Não basta almoçar com o chefe de finanças - tem de levar um envelope bem recheado que isto almoços de graça há muitos ...

    ResponderEliminar