A partir do momento em que começamos a ler as páginas de economia dos jornais já não há volta a dar. Cheguei a essa fase da vida e, acreditem, é um elevador que só segue para baixo. Fiquem-se pelos manuais de ascensão rápida rumo a esse direito humano inalienável que é a felicidade, repletos de energias, auras e bonecas de vudu. Acontece que eu não tenho juízo e passei há muito o ponto de não retorno em matéria de imprensa económica. Foi assim, imbuído deste espírito, que resolvi animar ainda mais as coisas mergulhando de cabeça no Portugal, Que Futuro? do Medina Carreira. Trata-se da sequela - um follow-up - de outra obra do melhor terror nacional, O Dever da Verdade, lamentavelmente inspirado em factos reais.
A verdade, “agora falando sério”, é que o Henrique Medina Carreira, actualmente com 78 anos, é um dos mais lúcidos pensadores do Portugal contemporâneo. Não é o profeta da desgraça do regime nem tão pouco uma figura anedótica que “diz umas verdades na televisão”. É, talvez, o último patriota de uma ditadura das meias-tintas.
Para entender Medina Carreira convém lê-lo. O Dever da Verdade é um bom ponto de partida, em especial pelo ensaio que preenche a primeira metade do livro e resume o seu pensamento sobre a nossa circunstância económica. Ali se encontra um olhar abrangente de quem lê a História para lá dos estreitos horizontes da actualidade mediática. Um olhar que se sustenta em factos e números, em análise comparativa do nosso presente, do nosso passado, e na prospectiva de um futuro inevitável.
O seu livro mais recente aprofunda a reflexão que ali se havia iniciado, agora à luz das consequências que a crise financeira internacional trará para a nossa economia. Os alertas que vem fazendo, a pouco e pouco, parecem tornar-se realidade. Ainda esta semana chegam notícias das previsões da Comissão Europeia para o défice orçamental português que deverá chegar a 8% já no presente ano e subir em 2011. Também a despesa pública irá atingir valores superiores a 50% do Produto Interno Bruto. Perante estes dados, o FMI alerta para a necessidade de um novo esforço de contenção orçamental e estima que a dívida pública possa chegar aos 80% do PIB em 2010, subindo acima dos 90% no ano seguinte.
Pesem embora as justificações do Ministro das Finanças, o que estes dados nos dizem é que o cerco económico está lançado para a próxima década. A retoma da economia internacional trará factores mais agravantes para Portugal como o aumento de taxas de juro e a pressão de custos sobre os combustíveis, dificilmente rebatíveis por um motor produtivo que assiste à deslocalização e falência de empresas, fraca atractividade, perda de capacidade exportadora, aumento de desemprego.
Perante isto o novo Governo retoma uma agenda de obras públicas, de urgência e actualidade incompreensíveis. Portugal parece tornar-se, irreversivelmente, num país entregue a interesses sectoriais de forte influência política que vão dirimindo o acesso ao poder e a canalização dos dinheiros públicos. Um país com uma economia de cartas marcadas, jogadas por “empresas” que só o ridículo poderá hoje rotular de “estratégicas”, nos transportes, na energia, nas telecomunicações, na saúde, em todos os sectores de interesse do Estado.
Apenas uma fé inabalável na irrelevância dos défices pode sustentar o ciclo de obras públicas que agora se anuncia. Um tal ciclo, ainda que suportado por maior endividamento externo, terá expressão visível nos índices económicos e, temporariamente, no emprego. Importa no entanto perguntar a que preço para o futuro? Se não formos capazes de promover actividades exportadoras, em investir na educação para lá do betão, em preencher nichos de inovação e tecnologia, o que restará por fim? Uma nação entregue à precariedade, à incerteza e, porque não dizê-lo, à pobreza. Um cenário que não será evitado com retórica ou exuberância irracional, seja qual for o governo. O nosso futuro aí está para o comprovar e o caminho parece cada vez mais estreito. Como uma lâmina.
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Aproveito para deixar o link sobre um estudo do Architects’ Council of Europe sobre a análise da profissão de arquitecto na Europa. Nesse estudo podemos constatar a disparidade dos salários praticados em Portugal e o resto dos países membros. De realçar que o salário médio de um arquitecto por conta de outrem na Irlanda é de 65000 euros ao ano e no Luxemburgo de 90000 euros, bem distante dos vergonhosos recibos verdes portugueses, que tanto acumulámos e dificilmente chegámos aos 10000 euros ao ano, e igualmente bem abaixo dos salários praticados na Roménia e Turquia. No entanto, mesmo em países como a Irlanda, considero que a remuneração de arquitecto é bem baixa quando comparada com a de médicos e advogado. Mil vezes vergonha. Aqui vai o link www.ace-cae.org
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