«Por cada porta que se abre, em algum lugar do mundo, outra se cerra. Esta equação universal das aberturas e dos fechos é tão certa quanto indemonstrável. Mas parece claro que o número de portas no mundo é sempre estável e imutável e, portanto, deve ter-se muito cuidado para não abrir uma a menos que seja absolutamente necessário.
Das muitas coisas que as portas podem ensinar-nos, uma das mais sugestivas não é essa ficção verosímil mas outra de igual transcendência efabulatória: que toda a porta é uma membrana de muitas substâncias.
As portas deixam entrar o habitante mas também com este o frio. As portas deixam passar os odores da rua e dos vizinhos pelas suas frestas. Pelas portas atravessa o vento e por vezes a neve ou a água percutam nas suas folhas cerradas. As portas incham, roçam e mudam de tamanho. As portas rangem e oxidam. As portas deixam passar vírus, doenças e pragas bíblicas. As portas são o aperto de mão que nos dá o edifício. As portas, sob as suas folhas, são caixas de correio ocasionais para cartas e recados. As portas são esses seres maravilhosamente hostis à mudança, sendo em si mesmo causadoras de tantas. As portas deixam passar notícias, murmúrios e, por vezes, ladrões. As portas são tenazes que trilham os dedos ou o pé acostumado do vendedor de enciclopédias.
As portas deixam passar rios.
E pobre daquela porta que não aspire, ao menos, a todas essas coisas, para lá de entrar e sair.»
Santiago de Molina, La necesidad de las puertas. Via Multiples Estrategias de Arquitectura.
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