Oitocentos anos de escárnio e maldizer

Em oposição à exaltação não-crítica do “autor” está o papel desempenhado pelos blogues e as redes sociais enquanto espaços de opinião no directo da rede. Se por um lado temos a incapacidade em produzir asserções sobre “a obra” baseadas em argumentos substantivos, subjectivos mas qualificáveis, temos por outro o exercício infeliz do “achómetro”. Oitocentos anos de escárnio e maldizer encontraram na internet a placa de petri ideal para a fermentação, tudo reduzindo a uma caricatura do outro.

Exemplo deste fenómeno são os ataques recorrentes que a artista portuguesa Joana Vasconcelos parece merecer na nossa blogosfera. Se é certo que não devemos sustentar a ideia provinciana de que só porque alguém é “reconhecido lá fora” será merecedor de vassalagem “cá dentro”, também não devemos alimentar a agressão moral sobre outrem pelo simples facto de ter conquistado notoriedade.
O facto torna-se mais grave quando não encontramos nesses ataques qualquer substância argumentativa que os sustente. Os casos variam entre o engraçadismo habitual, assente na adjectivação mais ou menos colorida, a ataques de classe dirigidos à “política cultural do governo” para quem a artista é um mero dano colateral, ignorável e até desejável. Sobre as obras, invariavelmente, nada se diz.

A subserviência acrítica sobre uns e a destruição liminar de outros são duas faces da mesma moeda, de uma grosseira incapacidade de produzir juízo de valor sobre as coisas. Em boa verdade pouco falamos de obras, antes enfatizamos a chancela do autor – e para quem não tem chancela não há obra que lhe valha, por melhor que seja.
O que perpassa de tudo isto é o modo como olhamos uns para os outros neste tempo tóxico que estamos a viver. A cultura do escárnio é produto da descrença e do cinismo, inimiga maior de uma sociedade meritocrática, entusiástica e desinteressada, motivada por descobrir, partilhar e proteger aquilo que tem valor.

Adenda: uma resposta e um comentário, aqui.

1 comentário:

  1. Aplaudo de pé.
    Já disse várias vezes isto mesmo, precisamente sobre o caso Joana Vasconcelos.
    A inveja lusa é o pior mal de que sofre este país.
    Será que alguma vez vai mudar?

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