Facebook: pensar antes de usar

Image credits: Jaya Nicely.

O que Zuckerberg não gosta é que alguém questione, não exactamente a legitimidade do seu negócio, mas as implicações práticas, simbólicas e políticas do Facebook. Comporta-se mesmo como um fabricante de automóveis que, socorrendo-se de uma verdade insofismável – todos os cidadãos tiram ou podem tirar gratificantes vantagens dos veículos fabricados – recusasse qualquer tipo de responsabilidade na poluição do planeta.

João Lopes, Sound + Vision: Amigos e inimigos do Facebook, 2014-11-14.

A todos os homens é dada a chave dos portões do céu. A mesma chave abre os portões do inferno.

Richard Feynman, The Meaning of It All: Thoughts of a Citizen Scientist, 1998.

No final do ano passado o Facebook contava com cerca de 1230 milhões de utilizadores activos, dos quais 757 milhões acedem à rede social todos os dias.

A esta realidade somam-se outros dados relevantes: uma sondagem ao universo de cidadãos norte-americanos permite-nos saber que 64% dos adultos utilizam o Facebook e, destes, metade utiliza o site como fonte de acesso a notícias – o que corresponde a um terço daquela população.

Um olhar mais detalhado aos números permite-nos concluir que apenas uma parte (38%) deste último grupo afirma considerar o Facebook como fonte principal de informação. Importa no entanto ter em conta que estamos perante um fenómeno tendencialmente crescente e que o número de utilizadores que tem nessa página o veículo central de acesso a notícias aumenta à medida que vamos considerando a população mais jovem.

O peso do Facebook como fonte de tráfego dos sítios web de meios de comunicação é assim cada vez maior e tem influência na própria produção dos conteúdos jornalísticos. Os artigos tendem a ser escritos e intitulados tendo presente a repercussão potencial que vão ter na internet e, em particular, nas redes sociais. A título de mero exemplo, publicar que [Angela] Merkel diz que Portugal tem demasiados licenciados não é o mesmo que referir que Angela Merkel defende aposta no ensino técnico especializado – sendo a última asserção mais próxima do justo relato dos factos.

A verdade é que o Facebook vem contribuindo para uma progressiva e persistente degradação do jornalismo ou, pelo menos, de algumas formas de jornalismo que vão ganhando visibilidade ao recorrer a processos de apelo ao sensacionalismo e à emoção.

O problema decorre, em primeiro lugar, dos mecanismos de funcionamento do próprio Facebook. Com a perda de expressão dos blogues, as principais páginas da internet abandonaram o célebre formato cronológico-invertido para adoptarem algoritmos automáticos de valorização de conteúdos tendo por base o número de “gostos”, comentários e partilhas. Ao impulsionar esse modelo de publicação, o Facebook está efectivamente a retirar aos utilizadores o controlo sobre aquilo que vêem.

O resultado é uma rede que valoriza o que é mais popular mas despreza a unicidade daquilo que é especial. As distorções surgem pela prevalência de conteúdos mais apelativos e populares, favorecendo o clickbait e desvalorizando histórias com mais conteúdo e melhor qualidade. Como consequência, o público deixa de ver muitas coisas publicadas pelos seus contactos ou pelas páginas que os utilizadores estão voluntariamente a “seguir”.

O caso torna-se ainda mais controverso quando o algoritmo do Facebook valoriza outras páginas e outras publicações mediante o seu próprio sistema de monetização. Como seria de esperar, os posts pagos são considerados preferencialmente na escala de relevância, ganhando maior visibilidade.

O ecossistema que resulta desta conjugação de populismo e publicidade tem dado lugar a sites de pseudo-notícias que abandonaram qualquer referência de ética de conteúdo, tendo por fim alcançar o máximo retorno financeiro possível. Quanto mais escandaloso ou sensacional for o título, mais provável será a hipótese de receber “gostos” e partilhas. Para essas páginas o único objectivo é alavancar as suas visualizações – sendo certo que quantas mais visualizações obtiver, mais será o revenue alcançado por via da publicidade.

Mas se é verdade que o Facebook é o principal catalisador deste processo, a responsabilidade última impende sobre os utilizadores que adoptam a rede social como meio de acesso priviligiado a notícias e se submetem acriticamente aos seus processos de selecção automática.

Acompanhando o desvanecer da cultura blogue, muitos dos novos internautas deixaram de construir os seus próprios canais de recolha de informação através de feeds criteriosamente seleccionados, para passarem a ter nas plataformas pré-formatadas das redes sociais a sua principal experiência web. Ao fazê-lo, os utilizadores estão a abdicar da possibilidade de tornar a internet numa poderosa fonte de informação seleccionada e editada por si, para mergulharem num mundo caótico de sensacionais irrelevâncias e conteúdos pagos, sem critério e sem fim.

O resultado último é uma desqualificação da experiência pessoal, tornando a cultura web e o jornalismo refém das regras impostas por corporações privadas com os seus algoritmos e prioridades publicitárias.

Como quase tudo o que envolve a evolução da tecnologia o Facebook é uma plataforma com enorme potencial, tanto para o bem como para o mal. Cabe a cada um construir a sua rede de conteúdos ou ser vítima das regras impostas pela própria rede. No entanto, num mundo em que a internet será absolutamente intrusiva para as próximas gerações, parece estar ausente de qualquer discussão social a necessidade de uma educação para a vida online. Como tudo aquilo que evolui "por defeito", as tendências que estão já no terreno não permitem acalentar grandes esperanças.

2 comentários:

  1. A realidade, é que o sucesso do FB está na sua simplicidade. Eu nunca criei um feed de notícias de blogues, porque simplesmente nunca tive pachorra para perceber como ou o que usar para ter esse feed. E 99% da população, mesmo a que tem acesso ao computador, não sabe nem quer saber.

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  2. Acho que não sou teu "amigo" no facebook, e ainda bem :-) Tenho uma conta por imposição familiar, só a utilizo de forma automática (ifttt).
    Gostei muito de ler o texto. Ainda tenho saudades do googleReader. No entanto, julgo que consegui colmatar o desaparecimento do mesmo com o twitter. Mas por vezes sinto falta de alguns tweets. Estes teu texto, não o apanhei por lá. Foi esquecimento? Se tiveres paciência encontra uma forma da "barrigaDeUmArquitecto" não falhar o twitter.

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