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Sexta-feira



[Patrícia Santos Pedrosa, via email]
Daniel,
lamento mas não posso discordar mais.
O dito fórum das culturas é tudo menos uma novidade.
É, realmente, uma velha forma de deixar que o dinheiro
vampirize a cidade.
Nem as culturas, nem a sociedade plural, nem a cidade
estão aqui em causa... Só entra quem paga, só fala
quem é convidado e a cidade feita é má, triste e Barcelona
não merecia um final assim para a Av. Diagonal.
Um abraço,
Patrícia

patrícia santos pedrosa
[arquitecta/investigadora - upc.etsab]
Barcelona


Projectos em curso, obras em casa, enfim, a desorganização habitual e o blog tem-se mantido com divulgação apenas, deixado por assim dizer em modo “Acontece”. Quando me foi dado a conhecer o grande evento em curso a propósito do Fórum Barcelona 2004 fiquei entusiasmado, deslumbrado ainda mais pela sua interessante página de internet. De resto, só mesmo uma grande desatenção poderia justificar o meu desconhecimento total do acontecimento mesmo até ao dia de abertura. Eis então que este email da Patrícia me veio despertar para a polémica por detrás do Fórum que eu julgara tão consensual e pacífico. Resolvi investigar...

Debaixo do slogan “um evento que vai mover o mundo” iniciou-se o maior acontecimento europeu do ano, quatro meses e meio de exposições, conferências e espectáculos naquele que se proclama como “o ponto de encontro para todos os cidadãos do mundo” e um espaço de debate de ambiciosos temas geopolíticos: o Fórum Barcelona 2004. No seu coração está o edifício principal, símbolo maior do empreendimento, projectado pelos arquitectos suíços Jaques Herzog e Pierre de Meuron que se localiza exactamente no topo da Diagonal, a grande avenida que divide Barcelona ao meio até ao mar. A vista aparentemente infinita deste eixo termina agora no impressionante edifício de Herzog e de Meuron, que sob certa luz se parece desvanecer na água que o envolve.
Anunciado como um evento sem precedentes com mais de 1500 espectáculos, incluindo mais de 400 concertos e 45 conferências em torno dos três grandes temas do fórum, “Diversidade, Paz e Desenvolvimento Sustentável”, o projecto foi ainda assim alvo da desistência de alguns organizadores e a recusa de muitas organizações não governamentais e locais em participar no projecto, levantando dúvidas sobre a autenticidade dos seus temas e as motivações financeiras que o sustentaram.

Apoiado pelos diversos níveis da administração pública (o município de Barcelona, o governo da Catalunha e a administração central do estado espanhol), o F2004 obrigou ao estabelecimento de contratos de parceria com grandes companhias privadas de modo a cobrir as despesas de um tão grande empreendimento. Numa tempestade de controvérsia, foi decidido que o “Fórum das Culturas” seria financiado por corporações multinacionais como a Telefónica, a companhia eléctrica Endesa, a Iberia, o El Corte Inglés, a Toyota, a companhia bancária La Caixa, a Nestlé, a Coca Cola, e finalmente a (menos publicitada) Indra Information Technology. Se algumas destas empresas se revelaram polémicas por simbolizarem alguns dos receios em torno dos processos de globalização, esta última (Indra) mereceu uma atenção especial uma vez que esta corporação efectua a maior parte dos seus lucros pelo desenvolvimento de tecnologia militar – contraditório a um fórum que se pretende comprometido com o diálogo sobre a paz mundial.

O evento foi também o pretexto para um projecto maciço de “renovação urbana” de proporções nunca antes vistas: nada menos que a requalificação do inteiro norte costeiro da cidade. Assim começaram os trabalhos de planeamento para aquele que se viria a chamar o “District 22@” ou a “cidade do conhecimento” como lhe chamam os seus promotores. No outro lado da polémica esteve a necessidade de demolir uma quantidade apreciável de edifícios antigos ou históricos e a expropriação de milhares de residentes. No seu lugar, o novo “District 22@” prepara-se para vir a oferecer hotéis, centros comerciais, torres de escritórios e casas de luxo.
O custo total das actividades a realizar em torno do F2004 está assim previsto em 2 mil milhões de Euros. Destas despesas, apenas 319 milhões de Euros se destinam ao conteúdo real do fórum em si; os outros 1,740 milhões destinam-se aos novos projectos de remodelação urbana. O projecto é assim acusado de favorecer os grupos interessados no desenvolvimento imobiliário da área e as grandes empresas que aí adquiriram largas parcelas de terreno, sendo o F2004 nada mais que uma propagandeada “face cultural”.

Por todas estas razões, alguns nomes notáveis como Noam Chomsky e Naomi Klein recusaram o convite para participar. No entanto, o fórum confirmou a presença de nomes sonantes como Mikhail Gorbachev, Adolfo Peréz Esquivel, José Saramago, Susan Sontag, Rita Levi-Montalcini, a jornalista Susan George, o editor do Le Monde Diplomatique, Ignacio Ramonet, o activista Arhunditi Roy entre muitos políticos, dirigentes de associações, escritores e jornalistas. Várias centenas de organizações não governamentais também aderiram ao evento e as actividades reveladas pelo site oficial parecem demonstrar o construtivo potencial do evento mais ambicioso do ano.

Enfim, duas faces para um fórum em que a globalização se apresenta sobre o manto colorido da publicidade. A fazer lembrar as palavras de Mariel Hemingway para Woody Allen em Manhattan: “Nem toda a gente é corrompida. Às vezes tens de ter alguma fé nas pessoas”.

Fontes:

Site Oficial do Fórum Barcelona 2004;

Descrição da intervenção urbanística levada a cabo no âmbito do Forum 2004 Barcelona no site da ACTUrban (Agrupació Catalana de Tècnics Urbanistes);

Artigo “Want to Put the World to Rights? Visit Barcelona” por Estelle Shirbon (Reuters);

Artigo “Forum Barcelona 2004: Peace or Profit?” por Nicholas Mead;

Artigo “Waiting For The Rain” por Stefano Portelli.

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