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I’m ahead, I’m a man
I’m the first mammal to wear pants, yeah
I’m at peace with my lust
I can kill ’cause in God I trust, yeah
(...)
I’m at piece, I’m the man
Buying stocks on the day of the crash
On the loose, I’m a truck
All the rolling hills, I’ll flatten’ em out, yeah
It’s herd behavior, uh huh
It’s evolution, baby
(...)
I am ahead, I am advanced
I am the first mammal to make plans, yeah
I crawled the earth, but now I'm higher
2010, watch it go to fire
It's evolution, baby
Do the evolution
Come on, come on, come on
Pearl Jam: Do The Evolution, Yield, 1998.
Há uns tempos atrás falava-se no espaço de comentários de um texto anterior sobre o projecto dos holandeses MVRDV em Liuzhou. O complexo residencial encastrado num vale entre montanhas dá corpo a um curioso conjunto de células que se desenvolve sobre as encostas, envolvendo e reinventando a paisagem.
Regresso a este projecto porque me parece um bom ponto de partida para reflectir sobre os conflitos decisivos que pendem hoje sobre a disciplina do urbanismo e a extensão da sua contaminação arquitectónica.
Os MVRDV representam hoje, a par com nomes como Rem Koolhaas, Herzog & de Meuron ou Zaha Hadid, a referência de uma certa linha arquitectónica hipermoderna e vanguardista, debruçando-se nos limites das possibilidades tecnológicas para se constituir como campo de reflexão crítica sobre a experiência fragmentada do mundo global. Trata-se de uma forte corrente doutrinária que procura dar corpo a novas relações espaciais e sociais, que fogem às categorias tradicionais de definição do urbanismo e começam a conformar o que alguns definem como pós-urbanismo.
É curioso que os MVRDV apontem críticas à mediocridade da prática da arquitectura sustentada na imagem de marca autoral e ao arquitecto-celebridade. Curioso, digo eu, porque o reconhecimento que estas figuras encontram na sociedade, como carácter emblemático de uma certa avant-garde intelectual, se sustenta numa idêntica capacidade mediática provocadora, repetida e desinspiradamente alvitrada como anticonvencional. A responsabilidade por este fenómeno não é, provavelmente, devida aos próprios; que os mesmos media que celebram o feito sensacional sejam incapazes de compreender os processos que os sustentam. Mas não deixa de ser evidente que estes arquitectos sejam também eles hábeis manipuladores do meio e da mensagem, fundamentais ao seu sucesso comercial.
O aspecto mais importante de tudo isto é, no entanto, a forma como estas práticas vão dominando a doutrina e a pedagogia da arquitectura, com forte expressão nos meios universitários e na imprensa especializada. Passam por estes temas as discussões do momento; as reflexões no limiar dos conceitos em que se suporta a prática da profissão. Ao contrário do que possam pensar - e estou certo que alguns me interpretarão assim – não estou a pôr em causa a relevância doutrinária do trabalho dos MVRDV, da obra projectada e escrita de Koolhaas, por exemplo, ou mesmo da prática do criticismo arquitectónico dominante. O que está em causa é a prevalência da arquitectura, não apenas como exercício sobre si mesmo (ou processo como referem os MVRDV), mas sim sobre o território do real e os impactos que inflinge sobre o espaço individual, da comunidade, da sociedade; e mesmo sobre a história.
Alguns arquitectos têm-se debruçado sobre estes limiares da arquitectura contaminante, que extravasa sobre o urbano. No ensaio ZBBZ Stadtebau (imagem acima), os AllesWirdGut elaboram uma arrojada estratégia de densificação do centro de Bozen, criando uma mega-estrutura que se integra no tecido da cidade para fazer parte dela e resolver complexos problemas de acessibilidade e função.
É no contexto destes problemas que o projecto dos MVRDV em Liuzhou, na China, é igualmente pertinente. Para além de penetrar claramente na dimensão do urbano, o exercício dos MVRDV conforma núcleos construídos que são pouco reconhecíveis em termos de linguagem tipológica. Já não estamos na mera conjugação de espaços livres, circulações e estruturas. A mega-escala do projecto rompe com um sentido de coesão ou envolvência (enclosure), para formar um corpo de estruturas celulares, caixas suspensas sobre a textura natural. Estaremos no domínio de uma nova morfologia urbana, ou será esta uma variação sobre um repetido fenómeno de sprawl sobre a paisagem? A teoria da fragmentação como alibí destruidor da coesividade, conceito raíz do urbanismo, dando origem a uma espécie de pós-metrópole.
Este discurso que aqui deixo é, sem grandes dúvidas, extrínseco ao mainstream. É muito mais sexy promover o fascínio pela grande escala, o gesto arrebatador sobre os grandes desígnios: fragmentação de conhecimento, explosão demográfica, transformação de sistemas produtivos, sustentabilidade global. Ou a desesperada colagem doutrinária às raízes do modernismo como legitimação de uma prática que procura a todo o custo estabelecer-se como ideologia e não como brecha comercial. Perante isto, quando estamos no domínio do datascaping e do cripto-criticismo, quem quer reflectir sobre os pequenos problemas da comunidade ou da “civitas”?
Benvindos ao futuro, onde o encantamento do polémico é a fuga definitiva ao real, ao território e ao espaço do homem.