Casa da Música

Uma arquitectura que se pretende notável é em primeiro lugar um acto político. Mais do que o edifício, é todo o evento em seu torno que se torna instrumento de uma visão de cultura ou poder, uma intenção de acção política que transcende o objecto construído.
O conflito que reside nesta arquitectura dependente de super-estrelas, nomes que magnifiquem o efeito da sua projecção, resulta dessa dupla expectativa. Por um lado, quando bem sucedidos, são edifícios que demonstram o poder da arquitectura enquanto alavanca da vivência urbana. No panorama de competição de que vive o tecido económico das cidades, o jogo do reconhecimento e do marketing ganha crescente importância. O exemplo maior talvez seja o Guggenheim de Bilbao, cujo mérito é ser motor e símbolo de uma verdadeira transformação à escala global numa cidade que lutava para ultrapassar sérios problemas de expansão pós-industrial.
O reverso destas encomendas de dimensão pública é produzir objectos em que a sua singularidade é inversamente proporcional à sua consequência no restante tecido urbano. Estes edifícios são de tal forma dependentes do exercício da tecnologia como suporte à sua expressão mediática que se tornam peças – únicas, é certo, mas - sem mais valia para uma doutrina da prática arquitectónica corrente.
A Casa da Música de Rem Koolhaas é exemplo disso. O tempo limitado não me permitiu esperar pela visita guiada, pelo que pude percorrer apenas os poucos espaços de acesso aberto no interior do edifício. Ficar sem conhecer a sala de concertos é motivo para me restringir de elaborar maiores considerações. Fico-me assim pela reflexão mais centrada na sua dimensão urbana.
O projecto cumpre com as expectativas de grande atractor turístico. Não tendo eu qualquer referência do local antes da intervenção, é com desprendimento que reconheço a inteligência presente na solução do quarteirão abrindo-o à Praça Mouzinho de Albuquerque e trabalhando com irreverência a plataforma envolvente - em clara rotura com as aparentes pré-existências. A leitura limpa do edifício-objecto, a forma solta e a resolução funcional dos acessos periféricos, a clareza material que emana do edifício são qualidades que lhe estão bastante reconhecíveis. A Casa da Música ostenta assim uma aproximação empolgante, especialmente para quem não conheça outros projectos de Koolhaas. De resto, ensaiam-se ali algumas soluções que lhe são já conhecidas, em particular na elevação das plataformas que reforçam a sua presença central. Deixo-vos com alguns detalhes que recolhi do meu breve passeio, enquanto planeava seguir viagem.
A seguir, o Museu de Arte Contemporânea de Serralves. Siza, pois então...








Casa da Música, Porto, 2006-02-10.

5 comentários:

  1. Curioso, também estive na Casa da Música para uma visita guiada nesta quarta, depois de uma passagem pela alfandega para a exposição entitulada "Reunião de Obra" sobre a reabilitação do Palácio do Freixo pelo Távora.

    Quanto à casa da música é quase impossivel não ficar impressionado. A visita guiada contudo não nos mostrou o auditório, nem espaços de artistas, ficou muito por saber do projecto... o guia enfatizou muito mais os aspectos ligados aos materiais.

    No dia seguinte, entre professores e alunos, numa conversa informal discutíamos o projecto. Os docentes, tratavam de dizer mal, da articulação forçada, dos espaços que nascem dos restos, dos cantos... sem que nada bata com nada, escadas que vão para lado nenhum, enfim. Não é de admirar que muitos dos meus colegas se apressaram também a dizer mal do projecto: da forma, da implantação, que não causa emoção, que lhe falta escala humana e espaços estáveis... critica-se, questiona-se...
    No fim, exalta-se o processo construtivo: a acústica e a engenharia civil, os técnicos que a possibilitaram.

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  2. A dor de coto entre arquitectos é algo que ultrapassa a própria essência dos projectos, e é tão fácil criticar quando não se tem capacidade ou génio para o trabalho. Porque provavelmente não passam de frustrados que se enfiam no casulo da docencia nas faculdades para daí nunca mais sair.
    Podemos criticar a relação com a envolvente, a forma como o monolito assenta na sua base monumental procurando roubar a atenção da rotunda da boavista, mas nunca a noção de espaço interior, os supostos espaços perdidos.
    Para esses apenas digo que devem visitar o espaço, vivê-lo, senti-lo ...e depois estudar os seus rigorosos, percorrer os cortes e as plantas e após esse estudo com certeza não virão com certos comentários sem estudo prévio :

    "Os docentes, tratavam de dizer mal, da articulação forçada, dos espaços que nascem dos restos, dos cantos... sem que nada bata com nada, escadas que vão para lado nenhum, enfim. Não é de admirar que muitos dos meus colegas se apressaram também a dizer mal do projecto: da forma, da implantação, que não causa emoção, que lhe falta escala humana e espaços estáveis... critica-se, questiona-se..."

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  3. A Casa da Música, uma obra instrumental.
    O contexto urbano en que a CM se insere remete para uma (falsa, mas elaborada) improvisação que insínua um desejo de provocação /crítica em relação à encomenda (e às sucessivas administrações) e, depois, em relação à arquitectura de referentes clássicos ou regionais.
    Leia-se aqui, a arquitectura da Escola do Porto.
    O lugar existente e o gerado pela implantação da CM é aquele que melhor reflecte os estudos de Marc Augé e do I Solá Morales sobre a cidade contemporánea, e é aqui que este icon-coqueluche do Porto tem anexadas as suas maiores potencialidades. O objecto em si e a implantaçnao de pura inspiração corbusiana são factos de menor importancia para o debate, apesar de concentrar nele próprio um programa teoricamente simpático para Rem Koolhaas - Delirious New York - e antecipado pela primeira aparição da Torre do Globo em 1906. Pois, a escala é outra ...

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  4. Inserido neste meio portuense, em que grande parte dos nossos colegas arquitectos continuam a criticar negativa e constantemente, ainda que em geral sem grandes argumentos - aliás, em geral só bocas! - , esta Casa da Música (CdM), vou reparando em algumas coisas pequenas, que não deixarão por isso de ter algum significado. Partilho 3.


    [1]
    Folheando o 'Guia de arquitectura do Porto', publicado pela Asa, depara-se com uma única obra de que só constam desenhos - a Casa da Música. Porque há muitos trabalhos em fase de projecto, de autores muito interessantes, a decorrer no Porto, e que foram excluídos desta colectânea, a única explicação possível é que os autores tenham concluído que a sua inclusão seria inevitável dada a relevância da obra.

    (Aproveito e acrescento dois apartes neste ponto. O primeiro que, recentemente, depois de esgotado este guia, publicou-se uma 2a edição e não se actualizaram as ilustrações da CdM, entretanto construída e em funcionamento - o que é pena. O segundo (e sem ter nada que ver com o tema CdM), que nunca percebi a razão para que aquele projecto da 'casa do futuro' ou da 'casa do século XXI' ou da 'casa do seja-lá-o-que-for' conste nesse guia - a não ser que essa razão seja a mais óbvia, o que seria um facto extremamente triste.)

    [2]
    A editora GG, publicou uma 'brochura' que dá pelo nome de 'Portugal 2000-2005. 25 edifícios do século XXI'. Diz o texto de divulgação desta publicação:

    "Neste volume foram recolhidas 25 obras de escalas e tipologias variadas, realizadas durante o último lustro por arquitectos portugueses de gerações distintas. [...] [E]stas obras oferecem um retrato arquitectónico 'aberto e inclusivo do país luso', que está em pleno processo de transformação e consolidação para uma nova realidade muito mais plural."

    Pois, este simpático livro apresenta, no fim, estranhamente, um projecto de arquitecto estrangeiro, Rem Koolhaas, aliás O.M.A., que deriva completamente do âmbito do conjunto apresentado - a Casa da Música.

    Será um truque comercial ou será que alguém não conseguiu excluir a CdM dada a sua relevância? Mas então o texto de introdução deveria referir 'arquitectura em Portugal' e não 'arquitectos portugueses'. Poderão ter sido os catalães a decidir incluí-la para tornar a edição mais interessante, mas há pelo menos dois nomes de jovens arquitectos portugueses envolvidos na equipa editorial que julgo possuidores de voz crítica.

    Quem é que está a usar e quem é que está a ser usado?

    [3]
    O último edifício referenciável do Porto projectado por um arquitecto não-português foi o Hospital Geral de Santo António. O autor foi o britânico John Carr e a data de finalização foi a meados dos anos 1820s. Só quase 200 anos depois, tal situação voltou a acontecer. O arquitecto foi Rem Koolhaas. O edifício, a Casa da Música.

    (Mais dois apartes. O primeiro, que excluo conscientemente o chamado Edifício Transparente. O segundo, que alguns dos espantosos complexos industriais do Porto, e arredores, tiveram, de facto, na sua concepção, intervenção de alguns projectistas estrangeiros. Muito destes edifícios, infelizmente, estão já desaparecidos. Outros ainda existem, é um facto, mas são, para os cidadãos, tão ou mais anónimos ainda que os seus autores.)


    Volto lá constantemente, sozinho ou acompanhado das mais variadas pessoas e respectivas opiniões, e vou descobrindo erros grosseiros, exageros, mas também coisas absolutamente incríveis.

    Sobre a Casa da Música, escrevi o que escrevi em http://www.archined.nl/archined/4694.html
    Convido para uma visita a quem tiver 5 minutos e vontade.
    Agradeço comentários.

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