Gente vulgar



Gente Vulgar foi a estreia de Robert Redford na realização e a obra que conquistou o Óscar para melhor filme em 1980, contra Raging Bull de Martin Scorsese. Continua a ser para os críticos da cerimónia de Hollywood um dos casos mais paradigmáticos da falta de rigor da Academia.
Goste-se ou não, os Óscares permanecem como o maior evento de promoção da indústria cinematográfica. Por isso mesmo, continua a motivar amores e ódios de estimação (ver Cinema 2000). É certo que nunca compreenderemos como Rocky ganhou o prémio principal a Taxi Driver, ou Forrest Gump a Pulp Fiction. Os exemplos sucedem-se. Não é hoje difícil descortinar quais os títulos que marcaram o futuro do cinema e se tornaram referências icónicas da sua linguagem.
E no entanto, a surpresa contida na cerimónia desse ano de 1980 persiste como um dos momentos mais erradamente consensuais de que há memória. Gente Vulgar é um filme de percurso discreto, tendo-se tornado objecto de culto para um restrito número de cinéfilos. Trata-se de uma das mais belas e desvalorizadas pérolas da sétima arte, esta história de um jovem adolescente em luta com os seus demónios interiores e do terrível complexo de culpa pela morte de um irmão exemplar. É, acima de tudo, um dos mais puros retratos da desagregação de uma família, da desconexão na fronteira dos sentimentos humanos e dos frágeis fios que nos unem nos lugares mais inesperados da vida. Uma história subtil, densa e arrebatadora sobre pessoas comuns e as crises que nos fazem ocultar os mais duros demónios ou enfrentá-los e transcender no caminho da consciência e da redenção.
Talvez alguns prefiram a beleza monumental do preto e branco de Scorsese e a memorável estatuária humana do Touro Enraivecido, mas confesso que é no tecido de aparências simples e complexa densidade subterrânea que encontro paralelos com a realidade da vida e as razões que, hoje e sempre, me continuam a conduzir à sala de cinema. É que essa forma de amor que é a cinefilia não é tão só a adoração das grandes paisagens desertas de Lean ou a sinfonia voadora de Coppola, antes a paixão pela magia que se encerra nos pequenos lugares, e as verdades que neles nos tocam e transcendem. Gente Vulgar é para mim um desses lugares, onde gosto de regressar vezes e vezes sem conta.

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