Open House de Arquitectura





Tive o prazer de estar presente na Open House da Faculdade de Arquitectura da Universidade Católica, em Viseu, na passada sexta-feira. Foi uma oportunidade para conhecer a dinâmica da escola e partilhar algumas reflexões sobre a sociedade em rede, os seus efeitos na nossa forma de lidar com a informação e no modo de pensar e viver as cidades, a arquitectura, o espaço.







Tentei focar alguns aspectos da nossa contemporaneidade hiper-tecnológica, os receios de uma sociedade distópica dominada por um sentido de desadequação, de displacement psicológico bem ilustrado nas imagens macro-escala de David Maisel.
Vivemos numa era de crescente complexidade, um mundo que convida à interactividade, de interfaces abertos à nossa manipulação. Cada vez mais submersivos, estes suportes que nos permitem ver uns aos outros em qualquer parte do mundo, falar, interagir em rede, conduzem-nos também a uma experiência abstracta desse mundo.
São afinal tecnologias que repercutem ambientes sociais mas encerram ao mesmo tempo certos perigos, tornando a existência humana numa experiência híbrida. Um conceito interessante desta dinâmica é o de urbanismo desconectado – o efeito do telefone no espaço público não é o da intrusão pelo toque; é antes, mesmo quando o telefone não toca, o modo como torna o espaço público menos público, o indivíduo social num indivíduo sequestrado. E, de certo modo, o sentido da rua como espaço público, torna-se diminuído.
Deixamos, por via de uma portabilidade intrusiva, de ser indivíduos fixos, discretos, passando a ser nódulos na rede. Eu sou parte da rede e a rede é parte de mim. Sou visível ao Google. Eu linko, logo eu sou.

Cabe-nos reflectir um pouco sobre como esta realidade altera os padrões de comportamento, de uso e mobilidade no espaço. Qual o efeito deste espaço híbrido – um mundo com duas existências, em que as coisas do espaço físico têm a habilidade de ser disseminadas, gravadas ou colocadas no contexto do que acontece na rede? O mundo como base de dados de si próprio, com sub-data acessível por interface móvel em qualquer parte da cidade.
Penso que é importante reflectir sobre estes aspectos sociais da rede, porque as redes não são necessariamente comunidades. A comunidade – em proximidade – é um conceito com uma dimensão qualitativa. Por outro lado, uma rede – network – compreende um grupo ou sistemas de pessoas inter-conectadas. É, antes uma medida quantitativa de proximidade: o número de pessoas e as suas intersecções – nodes.
Ao trazermos para dentro da rede conceitos da linguagem social que lhe são externos, utilizando-os como metáforas de realidades novas, abstractas, estamos a projectar sobre elas uma intenção cultural. Mas existem de facto comunidades na rede, ou antes percepções de comunidade, em que mergulhamos cada vez mais profundamente, cada vez mais sós?

Como contextualizar este não-espaço, dentro e fora da experiência virtual? Dentro do mundo real? Como uma categoria autónoma de espaço, ou um sentido de narrativa abstracta, ficcional, da vida? São ideias que me recordam a Proxémica de Hall. Habitamos lugares – não apenas coordenadas físicas ou zonas de percepção. Os lugares estão imbuídos de significado pela prática cultural; os lugares estão relacionados de formas que podem ou não corresponder ao meio físico ou tecnológico.

Terminei, por fim, a falar um pouco do efeito destas ideias no modo de pensar a arquitectura contemporânea. Julgo que os processos pragmáticos, programáticos, da arquitectura como advogados por Joshua Prince-Ramus por exemplo – em extensão de Koolhaas – exprimem a necessidade de encontrar novas formas de manipulação de informação, de sistematização. São abordagens que tentam compreender a escala de complexidade da cidade. A fazer lembrar também a última Biennale de Veneza - cidades que operam como organismos, capturadas pelo olhar numérico, estatístico, de base sintética. Expressão da urbanidade genérica, a cidade por catálogo, a verdadeira cidade, subproduto da cultura contemporânea.
Prince-Ramus advoga uma arquitectura sem base autoral, antes processada por uma equipa, determinada a sintetizar factores programáticos até à resolução da sua organicidade interna. O resultado é uma arquitectura que não tem assinatura estética. Em vez de forma ou estilo, a REX organiza um edifício pelas suas funções, usos conteúdos – numa teia de relações qualitativas e quantitativas.
Existe, neste momento de incerteza conceptual e transição tecnológica, uma necessidade de dramatizar algum pragmatismo, uma perspectiva historicamente informada que mapeie o meio termo sensível entre a euforia e a inquietação geradas pelas novas manifestações arquitectónicas, urbanas, sociais. Cabe-nos dotar a sociedade de uma capacidade de compreensão por estes novos lugares da experiência humana; conciliando o lugar do económico, do político, do social, do cultural, e mediando os seus valores por entre os efeitos do suporte tecnológico híbrido e em permanente mudança da nossa existência.

Referências: David Maisel, Ryota Kuwakubo, Jeff Han, Hiroshi Ishii, Vito Acconci, Disconnected Urbanism, I link, therefore I am, Edward T. Hall, ArtFutura, Biennale di Venezia, Rem Koolhaas (OMA), Joshua Prince-Ramus (REX).

4 comentários:

  1. É de facto um tema que me "assusta", ou não...
    Alvo de muitas horas de discussão, é chegada a altura de pôr em prática a política do "PPP"...PARE PARA PENSAR...
    Hoje respondemos muito por impulsos e isso pode tornar-se perigoso, conjuntamente com dependência das máquinas "pensantes"...será que nos aproximamos de algum argumento "hollywoodesco"?
    Foi um prazer estar presente na "OPEN HOUSE" (Festa da Arquitectura da Universidade de Arquitectura de Viseu) e ouvir a sua dissertação!

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  2. É fascinante pensar que as estereotipadas três dimensões do espaço físico se podem multiplicar (quase) infinitamente num espaço virtual que nos é cada vez mais familiar.

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  3. Parabéns pela dissertação, que não desiludiu nenhum dos habituais utilizadores deste "espaço" que estiveram presente.

    Quanto à questão das redes não serem comunidades:

    Serão ou não, dependendo dos conceitos que se apliquem.

    Mas , mais importante, é que os seus componentes são os mesmíssimos: Pessoas.

    Isto é, até ao dia, não muito distante, em que as entidades artificias deixem de se distinguir dos seres humanos.

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