Violência dos blogs por João Lopes

O crítico de cinema João Lopes, colaborador regular do blog Sound + Vision, tem vindo a desenvolver um conjunto de ideias sobre o tema da violência dos blogs. Mais precisamente, de como a arena blog parece representar um espaço de pluralismo e debate intelectual que, perante um olhar mais atento, revela recorrentemente uma carência profunda de racionalidade e pensamento crítico.

João Lopes refere-se a isso como sendo uma praga virtual: a repetida representação de pontos de vista opostos através da deturpação irónica. Nas suas próprias palavras, o blogging está a contribuir para um sentido enganador de democratização, frequentemente conducente a um “triunfo devastador da ignorância”.
As suas ideias parecem ter alguma ressonância com as considerações de Pacheco Pereira acerca da especificidade da cultura de blogue nacional. Esta tendência, como ambos os autores referem, não é exclusiva ao meio dos blogs. Faz parte, afinal, de um movimento mais vasto de ascensão da demagogia sobre o discurso racional – a fundação do pensamento democrático. Estaremos a caminho da Idiocracia?

No que aos blogs diz respeito, talvez seja esse o caso. A verdade é que a maioria dos bloggers desconhece as origens do blogging, não apenas como fenómeno mas como uma forma específica de expressão cultural – algo que a primeira geração de bloggers já debatia nos idos de 2002. Uma passagem do famoso livro de Rebecca Blood vem à memória: que existe uma grande diferença entre dizer “Os factos não corroboram essa interpretação deste evento” e dizer “isso é estúpido” – ou pior ainda: “Não fazia ideia que eras tão estúpido”.
Os bloggers de segunda geração deviam tomar consciência de que existe uma coisa chamada ética weblog e assumir-se como promotores dela. Mas deveremos esperar que o blogging se torne num farol da ética quando o mundo à nossa volta – da política ao jornalismo – parece atingido pelo mesmo tipo de corrosão intelectual? Afligido pela mesma lógica de simplismo excessivo, distorção caricatural e agressividade crua perante o contraditório?

A blogosfera é um lugar em que estas formas de comportamento podem parecer mais evidentes por lhe estarem ausentes os códigos de conduta sociais requeridos pelo contacto humano directo que fazem sentido no “mundo lá fora”. Mas os problemas que João Lopes identifica correctamente no seio da blogosfera são transversais e extensivos a quase todas as formas de expressão cultural da actualidade. Que o diálogo, sustentado no pensamento colaborativo, se está a tornar numa arte morta.
Muitos bloggers de segunda geração são seduzidos pela ideia de que os blogs são uma janela aberta para o mundo. Que os blogs são um palanque em que as ideias são ouvidas. E assim, o blogging de opinião é quase exclusivamente acerca da exibição de opinião, e não do intercâmbio de argumentos numa base civilizada e racional.
Muitos destes bloggers, receio bem, ainda que seduzidos pelo fascínio dos blogs, não são apaixonados pelo blogging como prática – seja para filtrar referências, reflectir sobre temáticas específicas ou para a expressão pessoal. Assim, a maioria revela um completo desinteresse em compreender a importância dos blogs como ferramentas de mapeamento do mundo online e a sua relevância no contexto de uma economia baseada no conhecimento. O declínio da “citação” e até da “hiperligação” como instituições é um sintoma relevante deste processo em curso. O blogging corre o risco de se tornar num exercício da mais pura opacidade.

Blogging violence
João Lopes is a renowned Portuguese film critic. He also writes regularly on the blog Sound + Vision (only available in Portuguese). Lately, he’s been developing some of his ideas on the issue of blogging violence. More precisely, on how the blogging arena seems to emulate an appearance of pluralism and intellectual debate that, looked upon closely, often reveals a profound absence of rationalist and critical thinking.


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João Lopes refers to it as a virtual plague: the unremitting depiction of opposite points of view through ironic misrepresentation. In his own words, blogging is contributing to a misguided sense of democratization, frequently conducive to a “devastating triumph of ignorance”.
His ideas seem to resonate with Pacheco Pereira’s reflections on the specificity of Portuguese blogging culture. This trend, as both authors agree, is not exclusive to the realm of blogs. It is in fact part of a wider tendency: the rise of demagogic speech over rationalist discourse –the very foundation of democratic thinking. On our way to Idiocracy, maybe?

As far as blogging goes, that may just be the case. The truth is that most bloggers have no clue as to the origins of blogging, not only as a phenomenon but as a culture in itself as well – something that first generation bloggers were already debating back in 2002. A passage from Rebecca Blood’s popular book comes to mind: that there’s a big difference between saying “The facts don’t corroborate that interpretation of this event” and saying “this is stupid” – or even worse: “I had no idea you where this stupid”.
Second generation bloggers should probably come aware that there is such a thing as weblog ethics and become advocates for it. But should we really expect blogging to become a beacon of ethics when the world around it - from politics to journalism - seems to be wounded by the same kind of intellectual corrosion? Afflicted by the same logics of over-simplification, parodic distortion and blatant aggressiveness on the face of contradictory points of view?

The blogosphere is a place where these forms of behavior may appear more evident as it lacks the social codes of conduct required by direct human contact that make sense in the “outside world”. But the ills that João Lopes correctly identifies within the blogosphere are widespread and extensive to most forms of cultural expression today. That dialogue, sustained on collaborative thinking, is a seemingly dead art.
Many second generation bloggers are seduced by the idea that blogs are an open window to the world. That blogs are a stand where your ideas will be heard. And so, opinion-based blogging is all about the exposition of opinion, and not about interchanging arguments on a rational, civilized basis. Most of these bloggers, I’m afraid, although seduced by the allure of blogs, are not in love with blogging as a practice – either for filtering references, reflect on particular subjects or even for personal expression. And, most of all, they reveal no interest in understanding the significance of blogs as the cartographers of the online world and its importance in the context of a knowledge based economy. The declining importance of the “quote” and even the “link” as an institution is a relevant symptom of this undergoing process. Blogging is becoming an exercise on opacity.

2 comentários:

  1. Mas não lhe parece que os blogs não são exactamente o reflexo da forma como no mundo real também se discutem os problemas ? Numa democracia em que existe o direito à opinião parece-me que a primeira lição e talvez única é que se podem combater ideias mas nunca fazer processos de intenção. Pode-se discordar frontalmente mas não insultar. Assim posso dizer-lhe que concordo que os blogs têm efectivamente esse problemas mas não é só em Portugal. E infelizmente na minha opinião é apenas o prolongamento do que acontece no mundo real.

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  2. A grande vantagem é que assim se torna mais fácil eliminar blogs da leitura diária!

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