Blogosfera de terceira geração

O recente artigo de José Pacheco Pereira - A bloguização da comunicação social - mete o dedo na ferida de uma degradação continuada do exercício de opinião, tanto nos blogues como na imprensa escrita. Curiosamente, quase ao mesmo tempo, João Lopes publicava um outro artigo de contornos próximos - A infância dos blogs.
Pacheco Pereira e João Lopes têm sido dos poucos autores capazes de produzir sociologia crítica sobre a blogosfera, questionando as especificidades da sua prática em Portugal. Este último afirma que a blogosfera adquiriu uma extensão imensa sem ter passado por um verdadeiro processo de maturação. Talvez isto não seja completamente certo se observado numa perspectiva internacional, mas parece próximo da verdade quando analisado no plano da nossa conjuntura. Entre nós nunca se afirmou uma cultura ou uma ética blog, discussão travada aberta e entusiasticamente na blogosfera ainda no início da década. Em Portugal, a explosão do fenómeno blog ocorre com o aparecimento das grandes plataformas – blogger, wordpress, sapo – ou seja, à blogosfera de segunda geração. E vemos hoje um fenómeno ainda mais surpreendente a que eu chamo de blogosfera de terceira geração: uma apropriação livre e espontânea da ferramenta blog, totalmente desinteressada da sua história e função original, suporte a conteúdos de download ilegal, pornografia barata, notícias de especialidade copiadas sem referenciação ou edição sobre consolas, wrestling, cinema, etc…
A horizontalidade da blogosfera é um prolongamento dessa cultura de relativização absoluta. Num espaço onde tudo vale o mesmo já nada tem valor. O paralelismo dos “temas fracturantes”, espécie de regurgitação compulsiva de questões que estão carregadas de complexidade real, denuncia esse absoluto simplismo de quem não é mais capaz de discutir o que quer que seja, da ausência de uma sombra que seja de reciprocidade.
Nesta opacidade ofusca-se em razão o que se troca por uma mera lógica de rejeição ou colagem, uma dinâmica opinativa que nada já tem de expressão intelectual mas antes de uma mera dissimulação identitária, de “acknowledgement” de grupo. A grupusculização de que fala Pacheco Pereira.
A decadência do exercício da opinião é mais um reflexo dessa devastadora terraplanagem intelectual em que vivemos e em que os blogs participam alegremente. A aparente agitação de conflitos de opinião não é apenas, como diz João Lopes, resultado de uma dimensão totalitária da agressividade sem pensamentos. É também o epitáfio de um domínio de simulação absoluta em que já nada, realmente, tem consequências. Um lugar em que nada acontece. A vitória da idiocracia.
Há quem chame a isto liberdade.

7 comentários:

  1. Tudo o que aqui é afirmado pode ser visto como uma verdade; mas não nos podemos esquecer que o rápido desenvolvimento e proliferação deste tipo de plataformas, como todo de produto que hoje em dia se destina a um rápido consumo, impõe à partida uma apropriação imediata e desregulada, sem edição, quer por parte de quem comenta ou de quem posta.
    A meu ver este tipo de plataformas tem os dias contados já que a sociedade assim o exige, na busca constante de inovação; outra diferente e mais evoluída aparecerá. É esta inovação permanente e cada vez mais acelerada, que impõe estratégias agressivas de adaptabilidade e de promoção que não deixam tempo ou espaço para se editar ou legislar seja o que for.
    O séc. XXI começa pois como o século da desregulamentação - porque as regras vigentes são cada vez mais desajustadas da realidade, e da autogestão - já que o futuro é hoje e o dia-a-dia a única certeza de que somos e controlamos a nossa parca realidade.

    PMG70

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  2. Há quem conviva muito mal com a massificação e a democratização e as massas sejam apenas um complemento de lautas refeições. Por estas e por outras é que somos um local pouco recomendável, como os estratosféricos e inalcançáveis médicos, um espaço onde arautos e galos se pavoneiam e degladiam, pois em Portugal parece só haver lugar para o "NUMBER ONE" que tudo papa e nada deixa!

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  3. Daniel, tinha lido esse texto do JPP e considero que mais uma vez se aplica quase exclusivamente à política, blogues políticos e quando muito alargo ao futebol (que não frequento de todo, mas a julgar pelo universo esférico, deve ser lindo de se ler).
    Não há de facto bom material nessa área que por ser político é inevitavelmente social... Pacheco Pereira, António Barreto... Este último, como blogue sabe a pouco.
    Há outros, como o teu ou o meu, que estão totalmente à margem disso. Na área ambiental e hortícola amadora, há uns dois três anos, cheguei a pensar que ia haver uma proliferação qualitativa (quantitativa também, claro), mas não aconteceu. O problema, julgo eu, ou pelo menos para mim, é que acabamos por nos distinguir por ausência dos outros, não há competição saudável, trocas de experiências, discussão com links mútuos... Blogamos sozinhos.
    Não sei se os exemplos de fora são exemplo, pela seguinte razão: Andamos pelo topo. Pelo melhor do melhor. É como folhear um livro de arquitectura, de design, de jardinagem... Só trabalho de topo e quando submergimos totalmente nesse "excesso" de qualidade, até podemos pensar que é a realidade. Mas estou convencido que não é. No entanto considero que existe cultura e ética de blogue a um nível mais profundo que esse topo. As razões porque cá fica tudo pela rama de muita falta de civismo, não sei quais são, mas parecem perseguir-nos.
    Por fim, sobre as plataformas. Considero que se vai ter que chegar a um ponto de definir o que é blogue ou não é. Só a plataforma não chega. O meu jardinagem.org, considero blogue experimental. O quotesonhorticulture.com não considero blogue. Ambos são WordPress. Neste último, aproveito-me de algumas ferramentas pré-implementadas (tipo pings para o Technorati) que acabam por ajudar no espalhar mais rápido pela internet. -- JRF

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  4. Estes senhores que criticam a qualidade do conteúdo dos blogues podem ser de várias espécies: os que navegam passivamente na internet em vez de criar a onda; os que criticam os conteúdos, mas produzem conteúdos iguais ou piores; há também aqueles com tiques de ditadores, que acham que só se devia postar aquilo que eles próprios dizem que é bom; resumindo, esses que criticam querem é aparecer!

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  5. Agradeço os comentários, mesmo os mais reactivos, por serem particularmente didáticos quanto às patologias que aqui tento expor. Nada melhor do que citar "o chato", primo directo da cultura do o-que-tu-queres-sei-eu.

    José, partilho tudo o que dizes. Sei bem do que falas quando dizes que blogamos sozinhos. Estou a escrever mais umas linhas sobre isto, a publicar brevemente.
    É já a seguir!

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  6. Muito bom o seu post.

    Vou "roubé-lo" e publicá-lo :)

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  7. A blogosfera em Portugal não podia ser diferente do país de onde emana. No final de contas os blogues contam por si e não pelos outros, se o meu blogue é bom, o que importa que haja outros muito maus ? A individualidade é um valor a cultivar, uma casa construída com qualidade não tem culpa se depois constroem ao lado "mamarrachos".Além de que a "blogosfera" é tão vasta e variada que é impossível reflectir sobre toda ela. Também acho que a Pacheco Pereira só lhe interessa falar dela para se tentar destacar como um "oásis de qualidade".
    Moi, je m'en fous de tout ça. Blogo desde 2001 e continuo no meu caminho, mesmo que fosse o único, não me defino pelos meus vizinhos, apenas pelo que faço.

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