A arquitectura, às vezes, também me chateia



A sério. Eu não quero ter mau feitio. Mas a arquitectura, às vezes, também me chateia. É que parece que vivo no país dos Mister Glasses. Acho que os meus colegas arquitectos pensam que somos todos parvos. Parece que é coisa da arquitectura contemporânea, aquela com “linhas modernas”, genuína da Bayer. Vocês sabem. As caixas brancas suspensas no ar. Eu cá não sei, mas parece que imaginamos o povo como uma cambada de tolinhos a “extasiar” perante as paredes brancas. Paredes não, paramentos, que é mais poético. Eis, então, tudo a extasiar perante os volumes hirtos no horizonte. Coisa linda. E depois aquelas rampas, é sempre importante meter umas rampas o mais compridas possível. Não interessa de onde vêm e para onde vão. É importante é estarem lá, a fazer rima na poesia. Como a arquitectura, não precisam de ir a lado nenhum. E que dizer daqueles espaços exteriores, ermos de terra batida. É que agora até está na moda meter uns animais nos renders, é um trend, sabem? Mas, nestes projectos, nem as vacas lá podem pastar. Fico sempre sem saber se faltou o dinheiro ou faltou a inteligência. Quer-me parecer que faltou o primeiro por falta da segunda.
É que me dá cá umas comichões nos neurónios que fico a pensar que prefiro uma boa casa de emigrante. Que diabo. Essa ao menos diz-nos coisas, está cheia de pequenas pérolas de sociologia. Sim, os autores podem ser uns labregos, mas estão vivos, vibraram com aquele azulejo, sonharam com aquela escada saída de uma casa de estrunfe como viram na telenovela. Estão refucilando alegremente na charca da vida. A mim, às vezes, confesso, também me apetece.

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12 comentários:

  1. Como o compreendo! Concordo em absoluto! Será que a Arquitectura deixou de ser Arquitectura?! Creio desnecessário entrar em pormenores sobre o estado a-Arquitectónico da produção e, principalmente, do pensamento projectual.
    Apenas, e reitero, concordo! E, como sempre, muito bem escrito!
    Abraço
    N.MS

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  2. Olá Daniel. Já lá vai um tempo desde que deixei algum comentário, mas continuo assíduo leitor dos teus pensamentos. Cheguei de férias e constatei a tua perda sobre o reino animal e achei peculiar a partilha pessoal que fazias com os teus leitores. Acho muito interessante a mudança que esta a trazer aos teus escritos e a energia que transmitem, não a todos, só a alguns, a mim pelo menos chegou algo que me despertou a necessidade de te deixar umas palavras. Partilho a incessante busca.

    Um abraço

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  3. Só posso concordar. Agora todos podem fazer arquitetura "moderna" bem como todos se acham capazes de pintar quadros cubistas. A simplicidade agora advém da falta de capacidade de criar e não da vontade de criar coisas simples porém belas.
    Parabéns!

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  4. Caro Daniel,
    Sou teu seguidor assíduo e nunca comentei - não por falta de interesse, que é sempre muito, mas porque não gosto de falar sem dizer nada (e confesso que na maioria das situações, além das minhas próprias emoções, não tenho encontrado valor acrescentado no pudesse dizer).
    Desta vez é diferente.
    Como arquitecto quero juntar a minha voz solidária: também estou farto de tiques, de seguidismo, da nova escolástica do estilo Tuga ...
    Também eu prefiro com frequência manifestações de vernáculo, por oposição aos mimetismos de pretenso "arquitectonicamente correcto".
    Mas sem generalizar, é claro.
    AO

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  5. não consegui descobrir o que quer dizer "refucilando", mas se é chafurdar na charca da vida... não pares, avança!

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  6. [refocilando]
    Coisas do blogging a altas horas. Três pontos para a polícia gramatical.

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  7. Tu também tens dois cães e um espaço verde no teu banner! e um até nada! :) não resisti à provocação!

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  8. A mim irrita-me mais a "pseudo-arquitectura", a "discução", o show off, as feiras das vaidades promovidas pelas revistas da especialidade (sempre os mesmos projectos), e pior, pela OA, que a única coisa que faz por nós é cobrar valores astronómicos pelas nossas cotas anuais! Como é possível cobrarem 190 euros por ano a pessoas que não ganham, em alguns casos mais que 600 euros por ano? Ao menos se essa cobrança tivesse retorno aos pagadores...

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  9. Caro Daniel, adorei este post. Ao ler senti a irritação com estes 'tretas', nossos colegas. Não podia estar mais de acordo. Estou neste momento a escrever um texto que espelha este sentimento. Não há preocupação com o conforto. Não existe um entendimento fenomenológico da arquitectura. Apenas preocupação com o resultado das fotos no site do F. Guerra.
    Muitos terão enfiado a carapuça ao ler o post...

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  10. Percebo a tua "inquietude"!!! Mas será que esta tendência não se deve ao ego de alguns e à futilidade de muitos?...(ego - arquitectos, futilidade - sociedade)... As cidades estão a servir de palco para a "diareia" escultórica que se está a tornar todo o tipo de arquitectura. Quanto ao espaço que dizes exterior, a qualidade deste muitas vezes prende-se com a inflexibilidade, monopólio dos arquitectos do betão... São incapazes de se articular com outras especialidade, pois o pódio tem que ser deles...é como se o edificio/escultura fosse aquela taça do primeiro lugar, que se encontra na vitrine... Como Gordon Cullen escreve no livro paisagem urbana, a cidade é o espaço para a socialização, convivio, encontro... ela é feita de cheios e vazio, e ao contrário que muitos pensam, o cheio é o espaço exterior/espaço público, pois é aqui que ocorre o convivio e socialização... Acabo o meu testemunho, dizendo que acho que há espaço para tudo, arquiesculturas, arquitectura, só não há espaço para o culto de individualidades e de especialidades...

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  11. Gostei bastante!
    Tenho pena de não ter conhecimentos, cinématograficos, ou cunhas no cinema, porque questões como estas, dá vontade de fazer curtas metragens para criticar o actual estado das coisas. Hoje não se faz muita arquitectura, fazem-se sim Obras de contemplação, para sair em revistas, fotos, sites, etc etc... O objecto pensado para o Homem e o mundo que o rodeia não existe.
    Cada vez mais, os projectos são concretizados da mesma forma que se apresentam numa folha de papel, vazios, sem vida, sempre intemporais, já que a rotina pode estragar o lifting facial dos mesmos.

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  12. "E que dizer daqueles espaços exteriores, ermos de terra batida. É que agora até está na moda meter uns animais nos renders, é um trend, sabem? Mas, nestes projectos, nem as vacas lá podem pastar. Fico sempre sem saber se faltou o dinheiro ou faltou a inteligência. Quer-me parecer que faltou o primeiro por falta da segunda."

    Ao ler isto só me vem à cabeça: faltou claro o trabalho de um arquiteto paisagista, porque, vamos lá ver, o arquiteto não tem nada que se impôr numa área que não é dele. Assim como, não há Arquitetos Paisagistas a fazer casas! Mas claro, sem inteligência e sem dinheiro não há qualquer preocupação com os espaços exteriores - a paisagem! E portanto, ficamos assim com as " caixas brancas suspensas no ar". Até que num belo dia alguém se lembre de requalificar a paisagem que fica, as sobras. E que até já lá estava, mas foi esquecida e destruída. Se calhar até chamam um Arq.º... Tem tudo para correr mal. Normalmente corre mesmo mal - é um desastre. Tal como seria se um Arq.º Paisagista projetasse um edifício... É sensato dizer: "cada macaco no seu galho"!

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