Os sinais


O sector da construção civil constitui um mercado de comportamento atípico. Diferente dos normais modelos de mercado em que a procura determina o valor da oferta, o imobiliário apresenta uma tendência para a manutenção dos preços até ao limite das expectativas. Na actual situação portuguesa, e apesar da crise económica que estamos a atravessar, o preço de venda da construção tende a manter-se e as ligeiras descidas resultam, em geral, da colocação de fogos de revenda ou usada pelos seus proprietários.
Existem várias teorias a respeito deste fenómeno. Uma delas, expressa na ideia de “mercado imperfeito”, faz reflectir sobre a natureza particular deste sector. No mercado convencional, o preço do produto estabelece-se em função do conjunto de factores que o compõem: matéria prima, custos de transporte, mão-de-obra, maquinaria, packaging, distribuição, publicidade; a que acresce uma margem de lucro relativa. No imobiliário, o promotor tende a definir o seu preço no sentido inverso: o lucro desejado para a mobilização de capital, custos de construção, impostos e taxas, custos de pessoal; chegando finalmente à margem disponível para o terreno de construção. O custo do solo urbano tende assim a definir-se em função da expectativa mais elevada de rentabilidade; tornando-se um valor de referência que “nivela” o mercado em alta. A situação agrava-se uma vez que o solo urbano, matéria prima do sector, é um bem limitado; sendo também o de qualidade, muitas vezes, escasso.
Vários factores contribuem para a complexidade de funcionamento do mercado da construção. Um desses factores deve-se ao envolvimento da banca como interveniente directo na constituição das suas regras. Dado o seu volume, e a quantidade de capital investido com base em crédito, torna-se difícil assumir uma política de redução de preços generalizada, mesmo perante um mercado em baixa. Uma descida repentina do custo de solo urbano fragilizaria gravemente grande parte de investidores, comprometendo a segurança dos seus compromissos financeiros. O sector bancário tem actuado de forma a adiar a tendência para uma regulação do mercado em baixa: criando condições de crédito que permitam aos compradores suportar as margens de lucro, ou pelo menos os investimentos já realizados. Isto é verificável pelos recentes aumentos de prazos de empréstimo no crédito-habitação, na prorrogação parcial do crédito para o fim do empréstimo, entre outras modalidades entretanto criadas. São medidas que procuram criar condições de sustentação do mercado, num momento particularmente frágil da economia.
Os produtos de crédito intercalar para troca de casa tornaram possível a muitos proprietários a compra de casa nova, na expectativa de vender a sua casa antiga até um prazo máximo de três anos. Para muitos destes compradores esse prazo chegará ao fim ainda este ano, enfrentando a urgência de vender a sua velha casa numa situação de mercado em baixa; e correndo os riscos de ver agravar as suas prestações que passarão a incluir capital e juros, caso não realizem a venda. O aumento previsível das taxas de juro irá sobrecarregar ainda mais a pressão sobre os que estão dependentes do crédito no limite das suas possibilidades. Estamos assim perante o perigo real de se verificar uma inundação do mercado imobiliário por produto. Existem já sinais claros de que este fenómeno está a acontecer. A mediação imobiliária é hoje um dos negócios mais expressivos da área do franchising, com inúmeras firmas a procurarem ocupar o seu lugar para rentabilizar esta tendência.
Nesta situação, e no que ao sector imobiliário diz respeito, os elevados lucros da banca relativos ao crédito para compra de construção devem ser vistos com desconfiança. Todos estes sinais aparentes de vitalidade e competitividade poderão não passar do prenúncio da crise. Num país onde a carga fiscal está acima dos limites, é pouco expectável que o sector tenha suficiente dinâmica para suportar o ajuste inevitável. Assim sendo, o equilibrar da balança só poderá resultar com a dor de muitos, e as consequentes ondas de choque sobre a restante economia.

1 comentário:

  1. Extremamente inteligente e "insightful". Pressinto o mesmo, mas deste voz e razoabilidade ao que em mim não passava de uma mera intuição.

    A ver vamos...

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