Urbanismo negativo (2)

A exposição anterior não pretendia resumir-se a uma qualquer espécie de dicotomia entre os técnicos “bons” e os políticos “maus”. Não escrevo sobre pessoas, muito menos sobre culpados, mas sobre sistemas. O que apresentei não é novidade. Existe hoje uma extensa doutrina técnica na área do urbanismo. Não estou a dizer que essa doutrina esteja disponível nas nossas universidades ou incorporada na prática das várias entidades públicas que tutelam o ordenamento do território. Também existe uma capacidade tecnológica sem precedentes para intervir no sector: suportes digitais, sistemas de informação, bases em rede, modelos estatísticos. Ou seja, as ferramentas necessárias para sustentar modos de planeamento dinâmicos e monitorizáveis já existem. O que não existe é uma contaminação do sistema político de ordenamento por esses novos conhecimentos e capacidades. O “prédio jurídico” do ordenamento do território mantém-se, apesar de melhorias significativas na última década, a conviver bem com o mesmo modo de operar estático que se verifica na prática. Uma prática de que tanto técnicos como políticos são responsáveis.

Adianto ainda uma opinião pessoal sobre o problema dos “arquitectos contra urbanistas”. O urbanismo faz-se da colaboração de disciplinas de desenho e de não-desenho. Na área de desenho vejo como fundamentais a participação da arquitectura, do paisagismo e das engenharias. E continuo, confesso, com muitas dúvidas a respeito do papel do urbanista. Ele será sem dúvida o mais importante, mas será o urbanista um técnico do desenho ou do não-desenho. A resposta parece-me muito fácil. O urbanista deverá ser aquele capaz de coordenar todos os saberes, e nesse sentido deverá assumir-se muito mais como um gestor no sentido mais nobre do termo, e uma mais valia para todo o processo – também de desenho.
Mas enquanto os urbanistas se virem a si como arautos do desenho do território – remetendo os arquitectos para dentro dos polígonos de implantação, os paisagistas para os “espaços verdes” e os engenheiros para os arruamentos e para debaixo do chão – estarão a prestar um mau serviço à sua disciplina e à profissão que desejam reforçar.

4 comentários:

  1. ...Compreendo que não se queira falar das profissões de quem intervem no urbanismo, mas antes no sistema. O problema é que eu não concebo o sistema sem os seus intervenientes porque quer queiramos quer não os sistemas são criados, geridos e utilizados por todos os que intervêm no urbanismo.
    Fica assim um mea culpa se acabei, mesmo sem querer, por desvirtuar o post original, não era minha intensão [ou será que era? ;)]

    E depois...concordo com o "urbanismo faz-se da colaboração" de várias disciplinas. Mas da mesma forma que não se deve relegar os arquitectos para o polígono de implantação, os paisagistas para os espaços verdes, e os engenheiros para os arruamentos e para debaixo do chão; não se pode atribuir aos urbanistas o exclusivo da gestão da equipa pois, haverá quem tenha essa capacidade e quem a não tenha, preferindo dar contributos noutras áreas (como o desenho, embora admita que com menos saber técnico mas nem por isso sem ideias válidas).

    Acho que só existe "conflito" entre urbanistas e arquitectos quando as duas profissões se pegam desmesuradamente aos seus galões e não admitem colaboração fora dos padrões tradicionais.

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  2. Não contestando a ideia, tenho de atacar o lugar comum - de que o sistema é feito de pessoas. Em tudo o que ao ordenamento do território diz respeito está inerente um sistema que é feito de regras. As regras são uma estrutura jurídica, a legislação e a organização do estado. É evidente que muitos dos seus vícios resultam do factor individual; de como as pessoas actuam baseando-se em visões restritas e mesmo preconceituosas dos problemas; da ignorância à desistência ou à mais injustificada acção burocrática – quantas vezes suportada por más interpretações dos regulamentos e da intenção dos legisladores, ou até na má-fé.
    Mas isto não significa que não exista esse sistema de regras. Ele existe e não pode ser mudado à custa da iniciativa individual. Nestas coisas não existem mudanças de baixo para cima; elas têm de ter clareza e vir do topo, das determinações da gestão. Ora o prédio jurídico (como gostam de lhe chamar) tem as prateleiras no sítio e estão lá os títulos todos. Quem se fique pelos prólogos pensará que o sistema é perfeito – mas se é tão bom porque é que não funciona? Porque que será o urbanismo uma área tão votada ao fracasso?

    Quando falo de urbanista como elemento de gestão, não falo do mero papel de gestão de equipa. Falo daqueles que terão de construir a doutrina do urbanismo, pegando em todos os elementos que não têm suporte ou correspondência no desenho, mas onde terão de encontrar a sua estrutura de forma. Vejo assim o urbanista no papel de unificador de estruturas de conhecimento muito diversas – do desenho e do não-desenho. Chamei-lhe gestor - que poderão achar uma menorização; não o pretendia. E claro que lhe cabe conduzir o desenho, mas se julgar ser esse o seu grande papel e não perceber que lhe cabe fomentar a inclusão, então duvido que possam ser uma mais valia.

    A desenhar já cá temos muitos. A pensar, verdadeiramente, é que nos fazem falta.

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  3. Daniel...
    Talvez seja de facto um lugar comum, não contesto mas...
    mas não sei se a lei é boa só sei que a interpretação da lei é quase sempre subjectiva e mais uma vez voltamos ao lugar comum!

    Eu acho que compreendi o que queres dizer com o ser o urbanista a gerir mas mesmo assim considero que nem todos têm essa capacidade.

    "A desenhar já cá temos muitos. A pensar, verdadeiramente, é que nos fazem falta"...Posso deduzir da tua afirmação que o urbanista pensa e os restantes executam?!
    Eu gostava de pensar que sim, que é mais ou menos isso que um urbanista deve fazer (desde que não seja autocrático) mas, salvo raras excepções, raramente lhe são dadas as oportunidades de o fazer!

    Relativamente ao sistema: ainda à pouco disse que não sabia se a lei é a correcta ou não, é mentira! Acho que a lei não é a mais correcta; e porquê? Porque considero que os planos têm várias escalas e cobrem na sua maioria o território mas, o PNPOT só agora entrou em discussão; os planos regionais são uma série de receitas sem grande estratégia regional, os PDM´s demoram séculos a ser aprovados, os PU's muitas vezes são uma nódoa; e os PP's têm muito de impraticavel! Para mim um dos grandes problemas do urbanismo negativo além dos planos chapa cinco e da falta de aplicação de novas técnicas; é o tempo de aprovação e o vai e vem entre entidades!

    Talvez de facto faça falta renovar o sistema! Que soluções concretas propões?

    :I

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  4. Tem sido um tema recorrente aqui na "barriga" - ainda que tantas vezes me tenha sentido a falar sozinho. Merece, certamente, o continuar da reflexão - e de propostas, porque não - para uma extensão para lá do tempo de comentário.
    Voltarei ao tema.

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