Urbanismo negativo

A qualidade urbana – e ambiental – é tida como altamente influenciada pelo uso apropriado do solo. A tradição de planeamento na área do ordenamento do território desenvolveu-se no sentido de promover a definição objectiva dos usos que lhe estão afectos. Todos os planos procuram afinal estabelecer o uso apropriado a cada área. Assim, deste ponto de vista, pode dizer-se que uma boa política de intervenção e conservação é o mesmo que um bom planeamento do solo, e vice versa.
Mas os instrumentos de planeamento (planos directores municipais, planos de urbanização) não estão formatados para a possibilidade de introduzir métodos contínuos, sistemáticos, de prever soluções e alternativas. A abordagem de produção de um plano torna-se assim altamente dependente da concepção intuitiva dos planeadores, ou numa leitura optimista, da sua visão estratégica.
É difícil imaginar como poderá ser possível alterar esta forma doutrinária de planeamento, que tem sido até agora principalmente negativa. Ao se definir um uso específico de planeamento zonal, estamos a promover não a sua implementação mas a negação de qualquer outro uso alternativo que se torna, evidentemente, contrário a este.
Para que isso pudesse acontecer, o sistema político teria de demonstrar uma muito maior capacidade organizacional, assente na análise e monitorização constante – não apenas do plano mas das várias pulsões privadas e públicas que sobre o território actuam. As ferramentas para suportar esta abordagem dependem do conhecimento científico e tecnológico, algo que está hoje disponível na área do urbanismo. O que falta então, de forma evidente, é a capacidade técnica para que a acção política e social possa conduzir estes processos com segurança e tranquilidade. Assim, apesar da existência dos meios tecnológicos, falta a capacidade de os aplicar numa visão nova do pesado sistema jurídico do ordenamento.
A nossa capacidade de controle do fenómeno urbano continua assim a assentar no modelo “negativo”. É uma espécie de vácuo, de entropia, que resulta na incapacidade de decisão eficaz nos momentos determinantes para sustentar as dinâmicas potenciais. Ainda que na sua dimensão cultural, a doutrina do urbanismo se baseie na defesa de valores de equilíbrio, evolução, história, ecologia, o modelo em que se estrutura a sua mecânica acaba por fazer prevalecer processos não controlados, com impulso degradativo e graves riscos sociais e ambientais.
Se acreditamos que a sociedade moderna tem por fundações ao seu progresso a democracia, a participação e a liberdade social e económica, temos de encontrar soluções contemporâneas para aplicar a nossa grande capacidade de conhecimento técnico, científico e económico ao serviço das estruturas de decisão e acção política em que se gerem os seus múltiplos fenómenos.

5 comentários:

  1. Urbanismo Negativo...

    Parece-me que existe por aí ao pontapé! E porquê? Discordo em parte da tua abordagem.

    Acho que existem conhecimentos técnicos que são bem transpostos por alguns mas, esses que sabem como se faz essa transição não querem partilhar os seus saberes. É mais facil garantir o seu lugar não revelando o segredo dos ovos de ouro!

    Depois também acho que existe um enorme comodismo por parte dos técnicos que "fazem" os planos. Na maioria das vezes aplicam-se soluções pré-fabricadas nada relacionadas com caracteristicas sociais, económicas, geográficas, fisicas, etc... Existe por aí muito plano feito sem nunca se levantar o rabito da cadeira!

    Adicionalmente também me parece que esta situação é muito proveitosa para o Estado por um lado não se gasta dinheiro a implementar sistemas válidos (eu acho que uma das graves faltas é a não existencia de uma base cadastral actualizada), e será muito mais fácil encobrir falcatruas e refutar culpas.

    Deviam ser os cidadãos a exigir mas estes só estão interessados quando as coisas caiem no seu quintal, o célebre sindroma NIMBY!

    É bom que alguém fale neste assunto de vez em quando, para avivar consciencias e só por isso o teu post já merece uma recomendação!

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  2. ...concordo com o comentário anterior quando se diz que os tecnicos que fazem os planos sofrem por vezes de um certo comodismo e conformismo.
    ...mas este (o conformismo) também é um "mal" das estruturas de decisão política (e de técnicos a elas ligados) por vezes até alheias relativamente a todas estas questões (por desinteresse, desconhecimento, interesses instalados, "economicismos" em tempo de crise, etc.,etc..)
    ...resumindo, além de um certo desinteresse por quem de direito (técnicos e decisores) existe uma quase generalizada falta de consciência sobre o urbanismo e suas implicações por parte do cidadão.
    ...nesse aspecto existe um papel informativo (quase pedagógico) do qual os técnicos (e respectivas associações profissionais/ordens) não se deveriam demitir.

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  3. Os próprios arquitectos não terão alguma culpa no cartório?

    Muito do urbanismo que se faz em Portugal não é feito por arquitectos? Além disso as muitas das obras de arquitectura, assinadas por arquitectos desrespeitam completamente a envolvente, descaracterizando a cidade – o que é urbano e que vai para além das paredes dos edifícios.

    Há arquitectos bons a fazer arquitectura mas péssimos no contributo que à cidade como um todo. Dominam as formas mas ignoram a forma como estas se cruzam nas redes da cidade. Claro que há arquitectos a fazer bom urbanismo, porque estudam aprofundadamente a matéria. Mas parece-me que estes são muito poucos.

    É comum as câmaras municipais terem arquitectos nos gabinetes de urbanismo quando no seu lugar deveria estar um urbanista, capaz de ler para além da forma, capaz de planear em vez de desenhar e assinar pareceres.

    Os arquitectos têm toda a razão nesta história do 73/73. Mas deixarão de ter moral para fazer urbanismo quando a sua formação é apenas a Arquitectura, não Urbanismo.

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  4. ... também me parece que a forma arquitectónica ( construída e infraestruturada pelos urbanistas de Madrid ou pelos ateliers holandeses) é incapaz de solucionar algum problema na sociedade ... + o ânus de madrid

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  5. ... Eu não acho que a culpa seja dos arquitectos (ou pelo menos de todos)mas concordo em certa medida com o que aqui foi escrito.
    Acho que em todas as profissões ligadas ou não à cidade e ao planeamento existem pessoas com vocação para pensar o global e outras com vocação para pensar o individual. Existem alguns arquitectos com capacidade de pensar a cidade de forma integrada temos por exemplo o Nuno Portas, o Aldo Rossi, o Corbusier, etc (quer se goste ou não dos seus estilos); e existem urbanistas que mesmo ostentando o título não conseguem deixar fluir a ideia para além do edificio e fazem cidade somando edificio espetaculo atrás de edificio espetaculo!

    Temos de tudo e só temos de ser nós a envolvernos nos projectos e a escolher conscientemente o que queremos!

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