Segunda-feira
Um dia conversava com um amigo sobre música. Era o tempo das “boys band” e questionávamos os fenómenos de massificação da música pop. Dei por mim a argumentar com uma ideia feita, de que a produção industrial da pop era o sintoma de um tempo de crise, um tempo em que se produzem bens consumíveis em que o conteúdo é desvalorizado em relação à forma e à sua qualidade/capacidade de absorção por um determinado mercado de fãs. E o meu amigo ouviu e depois disse-me uma coisa que nunca mais esqueci. Que não, que o tipo de música de que eu falava era próprio de um tempo de não crise.
Tenho pensado muito no significado daquela expressão. Tempo de não crise. Em tempos de crise as pessoas sofrem e questionam-se, debatem. Penso na década de sessenta e setenta, um verdadeiro tempo de crise em que tudo se pôs em causa, as gerações, o papel das mulheres, o sexo, a manipulação política, a guerra. A música desses anos explodiu num milhar de formas de expressão, de intervenção. Foi um tempo em que se eliminaram os meninos bonitos da música, os crooners. Era o tempo da revolta, da Janis Joplin, do Jim Morrison, do Jimmy Hendrix, quando os gestos eram novos e mal coreografados. O tempo em que Joan Baez e Bob Dylan reclamavam How many times can a man turn his head, / Pretending he just doesn't see? / The answer, my friend, is blowin' in the wind, / The answer is blowin' in the wind. Quando a inquietação dos jovens Simon e Garfunkel parecia chorar I’m on your side when times get rough / And friends just can’t be found, / Like a bridge over troubled water / I will lay me down.
Os verdadeiros tempos de crise são tempos de evolução, de transformação. A dor é a mãe da mudança. Quando as pessoas se põem em dúvida, se inquietam, as ideias mudam. Penso na revolução francesa, penso no pós-guerra (II), na revolução portuguesa de 1974. Mas a sociedade de consumo trouxe-nos uma nova era. Estamos longe de estar felizes, não estamos satisfeitos mas fomos amansados pelos automóveis, pelos computadores, pelos telemóveis, pelos dvds. Se o mundo vai acabar amanhã, então hoje deixa-me ir ao shopping.
Há uma certa cultura da alienação que invade a forma como nos socializamos. Na diversão nocturna, no espectáculo, na informação, a entoação é dada à “experiência” da coisa e não à coisa em si. Não é o conteúdo, a mensagem, o fio de comunicação que prevalece, mas o ruído que a envolve. Na sociedade da comunicação, é a comunicação que submerge perante a força dos veículos em que se transmite. Esquecemos que para transmitir pensamento basta o som da voz ou o preto contra o branco da palavra escrita. É no silêncio entre as palavras que temos de nos fazer ouvir.
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