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Segunda-feira

De vez em quando relembro as palavras de Exupéry, que mais depressa nos ensina a terra do que todos os livros. Porque nos resiste.
Terra é uma bela palavra. Existe algo de puro em pôr as mãos na terra, sentir o seu toque e o seu odor. São sentimentos que nos são primordiais, o aroma da terra molhada, o seu brilho nas madrugadas do início da primavera. Ao admirarmos os triunfos da nossa história, a grande evolução artística e tecnológica da nossa cultura (ocidental), começamos a esquecer como nos temos afastado da terra. O modo de vida urbano que admiramos como a construção física em que plasmámos os nossos ideais, conduz-nos cada vez mais para um modo de vida asséptico e estanque. Sentimo-nos sujos com o toque da terra, queremos lavar as mãos. E no entanto a terra é limpa, não existe nada de sujo nela. Mas a vida, cada vez mais etérea aos nossos sentidos, perde a sua fisicalidade, a sua corporalidade.
Os prédios cresceram em altura, queremos atingir o céu, mas a felicidade está aqui, na terra fértil, nos prados, entre as árvores.
Sou arquitecto e gosto muito de cidades. O que me faz escrever isto não é nenhuma espécie de nostalgia do campo, aquela que faz o imaginário de quem nunca o viveu e que recria um campo que nunca existiu, nos condomínios de luxo privados. Estou a falar de uma necessidade física da terra. Os nossos corpos não foram feitos para andar de carro ou de elevador. Foram feitos para correr, para saltar, para cavar e mergulhar nos rios. O nosso corpo é a história de um modo de vida de milénios em que nos maravilhámos com o sol e a lua, longe de conhecer os segredos da sua existência.
E como me parece que nós que nos maravilhamos com as nossas conquistas, os nossos hábitos requintados, mergulhados em gestos tecnológicos, estamos perdidos. Como me parece que mal começámos a sair da caverna, se é que já saímos dela. Hoje e agora, à nossa volta, os gestos do homem continuam a ser os da subsistência, os do medo, da desconfiança. O nosso inimigo já não é o tigre, a nossa arma já não é um pau, mas continuamos a ver um mundo cheio de inimigos e a proteger-mo-nos com agressividade. Sim, ainda estamos na caverna dos medos e das necessidades.
Vêm-me estes pensamentos soltos à ideia depois de rever o muito belo “Danças Com Lobos”. Desatento, descobri só ao ver a edição dvd que foi editada recentemente, tratar-se de uma edição especial com quase quatro horas. E o filme já soberbo parece agora esticar as pernas e os braços e revela um respeito comovente pelo tempo da terra. Sim, como as cidades, a terra também tem o seu próprio tempo, o do vento a deslizar nas searas, o do céu a carregar-se de vermelho ao fim do dia, o da migração das manadas, o da tempestade. O tempo da terra é o verdadeiro tempo do homem. O pensamento, aquele que constrói cultura e civilização, não é o da voragem, mas o da contemplação. Como o de um homem que um dia se pôs à beira de um cabo no sul de Portugal, frente à falésia, olhou longamente o infinito e sonhou.

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