Segunda-feira
São frágeis as tentativas de interpretar a arte contemporânea em correntes cujo movimento se enquadre numa lógica de evolução, um percurso ascendente a caminho de uma conclusão iluminada. O universo da arte é tão complexo como o da sociedade em que vivemos e está também infectado pelas suas contradições: não está isento dos fenómenos comerciais, mediáticos, da popularidade, do mainstream, da afirmação pessoal. Espera-se muito mais que o artista seja capaz de existir no circuito dos media como se fosse um superstar: não que seja um interiorizador do mundo envolvido em tertúlias de grupos intelectuais como nos finais de século XIX.
É fácil sentirmo-nos desamparados com a complexidade do universo da arte contemporânea como de tudo o resto que nos rodeia, o que certamente nos leva a olhar para o passado com a melancolia de um tempo em que tudo parecia fazer sentido e estar no seu devido lugar. É, evidentemente, uma ilusão: o passado não é aquilo que sonhamos com melancolia. Esse passado é aquilo que concebemos no nosso espírito, somos nós que imaginamos perfeito aquilo que foi provavelmente tão complexo como o nosso próprio tempo. É tão fácil, por exemplo, olharmos para o tempo da nossa infância e sentirmos o mesmo, e no entanto, se nos lembrarmos bem, o nosso “eu” da infância não foi menos complexo do que aquilo que somos hoje. Como chorámos então há medida que íamos descobrindo as injustiças do mundo, como sofremos por aquela paixão incompreensível que sentimos. Teremos sentido menos porque éramos jovens? Não. A dor e a angústia da dúvida foram tão penetrantes como nos são hoje. Somos assim nós que olhamos para essa angústia passada com a melancolia que torna belo ao nosso olhar o que em tempos nos fez sentir terror.
Sentimo-nos certamente mais em casa nas paisagens envolventes de Bach do que nos universos profundos de Elliot Carter. Toda a estrutura que somos rejeita o desconhecido. Ao mergulhar nos sons de um concerto de Carter sentimos a falta do horizonte, os nossos sentidos desconhecem aquele espaço sem referências – aquelas com que aprendemos a descodificar o mundo. E no entanto, nós somos organismos extraordinários preparados para descobrir e aprender de novo. Se nos apurármos a compreender essa complexidade, eis-nos a vislumbrar aquilo que antes nos parecera incompreensível. Existe algo fantástico nessa aprendizagem que altera o nosso gosto e nos transforma, que nos faz ver o mundo de uma forma diferente como se acabássemos de aprender uma nova língua.
Por isso devemos ter prudência com discursos destrutivos sobre a expressão contemporânea: na pintura, na música, na arquitectura, nas formas de manifestação artística. Ao olhar para o “dadaísmo” por exemplo, é fácil identificar nos seus princípios a inevitabilidade de uma auto-destruição. No entanto, esses momentos de ruptura são extremamente importantes porque buscam uma nova estética – e destroem outra.
A estética é também uma estrutura, um código de leitura da realidade. Nesse aspecto, gostar ou não gostar não é um jogo inocente. Gostar é uma escolha feita no fundo de nós, como que resultado de uma inteligência que reside na síntese entre o racional e o emocional. Essa inteligência encerra em si mesmo o impulso de rejeição do incompreensível que nos assusta e o potencial de aceitação do desconhecido que nos desperta. Por isto, negar um segundo olhar é negarmos a nós próprios a possibilidade de descobrir uma realidade mais complexa do que aquela que antes conhecíamos: cabe a cada um de nós a responsabilidade de aceitar os efeitos da escolha que fazemos. E também por isto, mais importante do que gostar ou não gostar é aprender a descobrir novas formas de compreender aquilo que nos rodeia, para depois então escolher!
Paintings For Recycling, 1999. Tim Willoughby.
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