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Sexta-feira


"New attitude", montagem fotográfica de Jann Lipka. Posted by Hello

Cada vez mais se vão introduzindo na vida contemporânea novas necessidades, dependências sem as quais parecemos incapazes de sobreviver.
Gandhi contava a história de um dia ter perdido o pequeno espelho que utilizava para se auxiliar a fazer a barba. Sem espelho não lhe restou alternativa senão redobrar a concentração e sensibilidade com que executava a tarefa que realizou com sucesso. Nesse momento compreendeu que acabara de se libertar de um bem material de que na verdade não voltaria a depender dali para a frente.

Ainda tenho esperança que no futuro se venha a tornar moda não usar telemóvel. Entretanto assisto à publicitação dos novos telefones de terceira geração com câmara incorporada, algo de que ninguém necessita verdadeiramente mas que é vendido como uma novidade sensacional. Fico a ver deliciado o fantástico anúncio da Optimus em que um grupo de malta comunica a imagem de uma baleia encalhada nas areias de uma praia e logo ali se reunem voluntários entrando pelas ondas adentro, empurrando e salvando a baleia. Genial, dá-me vontade de ir a comprar já aquele telemóvel só para me sentir um salvador de baleias. É um pouco como a vontade de beber uma bela Coca-Cola fresquinha. Se a vida fosse como os spots publicitários, mal abria a garrafa apareciam bolas de praia a saltitar e belas mulheres em bikini a correr pela minha sala de estar. Na vida real dou por mim a beber 90% de publicidade e 10% de bebida refrigerante.

No fim de contas a vida parece-nos impossível sem telemóvel ou sem televisão. A matemática não existe sem máquina de calcular. Somos uns incapazes sem a assistência do computador ou internet. As relações morrem sem SMS. Para além disso, é a forma como todos estes novos elementos vão alterando o modo como nos socializamos. O mundo pára ao toque polifónico de um telemóvel. Então, não atendeste? Não respondeste à minha mensagem! E aqueles emails que te enviei?
Eis a vida subjugada à proximidade opaca da sociedade de informação.

Vamos absorvendo como esponjas uma verdadeira revolução social sem que nos demos por isso. As verdadeiras revoluções, de resto, não nascem das ideias mas da introdução de inovação no mundo. O que despoleta a revolução industrial não é uma ideia mas uma máquina. Em arquitectura, o estilo internacional não nasce dos devaneios de Le Corbusier mas das potencialidades introduzidas por um novo material altamente económico e versátil: o betão armado. E hoje, esta revolução da nossa maneira de ser e de socializar nasce não de um ideal comunicacional entre os povos mas da presença nas nossas vidas de novos gadgets e funcionalidades. E vamos mudando com isso a pouco e pouco. Ontem parávamos na montra da loja de electrodomésticos para nos vermos aparecer naquela televisão com máquina de filmar ao lado. Amanhã teremos a cara espalhada por toda a parte sem ligar a isso.

Novos comportamentos vão-se introduzindo em nós próprios como se difundidos pelo sistema sanguíneo. Eis a vida quatro por três como na telenovela. Uma cena, trinta segundos. Outra cena, quarenta e cinco segundos. De cinco em cinco dias um climax, um escândalo. Aquela que vê aquele com a outra, o mal entendido, o flagra. A vida contemporânea leva-nos pela mão e distrai-nos como na montanha russa. O sistema Miami Vice em acção, de dez em dez minutos uma perseguição de automóveis mesmo antes de começarmos a bocejar. E nós vamos achando tudo aquilo normal, a boa vida quatro por três, easylistening, easywatching, easyliving. E eis-nos a saír à noite, atitude Don Johnson, até parece que vou bater em alguém. O namoro de telenovela, o ciúme, a besteira. Não me liga? Estou cobrando você!
Eis-nos transformados em incapazes mentais. Manuel de Oliveira, que seca! Vinte minutos a ir de lá para cá a conversar sobre metafísica, digo eu, nunca vi. Mas já alguma vez viram um apreciador dos filmes do Manuel de Oliveira a falar, parecem deslumbrados com outra forma de comunicar, uma linguagem diferente, o tempo, o espaço, uma outra forma de sentir. Deve existir ali alguma coisa afinal, mas aquilo não cabe no meu modo de ser, quatro por três.

Assim vamos na vida: uns deixam-se levar pela mão, os outros ficam a construir a sua couraça de cinismo e descrença. A telenovela, afinal, é tão inócua. A publicidade até é divertida e as modas fazem-nos sentir bem, pois sim. Mas todos aqueles códigos entram por nós adentro como farpas, que o diga a miúda anorética de quinze anos que se julga feia, esquisita, fora do grupo, fora do mundo.

E vamos acumulando dependências sem reflectir, sem escolher. Se não és tu que escolhes aquilo em que te estás a tornar, então não te iludas: NÃO ÉS LIVRE, ponto final.

2 comentários:

  1. pois é...esse é o mundo contemporâneo...fico imaginando como isso tudo vai ser visto daqui 10 anos...e eu que pensava qdo era criança que os jetsons nunca chegariam... :)
    Um abraço,
    Cris Alcantara

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  2. ?Temos que descobrir nossa própria identidade pois senão todos vamos ficar de um forma plástica pois se for assim todos nos seremos rotulados

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