Terça-feira
Ao ouvir as palavras recentes de Júlio Machado Vaz a respeito da queda generalizada do conceito de solidariedade, não só enquanto expressão da nossa linguagem mas acima de tudo na prática dos nossos modos de vida sou levado a pensar se não será esse o principal problema com que a Europa se confronta nos dias de hoje.
A pouco menos de uma semana das eleições para o parlamento europeu e a meio de uma das mais pobres campanhas eleitorais de que há memória, é impossível não sentir o desamparo do vazio político e da estridência ideológica em que estamos mergulhados. Eis-nos então nesta frágil Europa em que as nações se degladiam pela gestão de benefícios económicos e da ratificação de tratados em que as particularidades locais sucumbem aos interesses internos de cada um: o interesse da Alemanha, o interesse da França, o interesse da Espanha, o interesse de Portugal. Uma Europa em que os “grandes” e os “pequenos” discutem à porta aberta erróneas posições de política externa sobre assuntos que mereciam pelo menos uma discussão interna. Uma Europa afinal, que em momentos cruciais de unificação e de grande simbolismo histórico como a recente negociação para uma Constituição Europeia, oferece ao mundo e a si própria um triste espectáculo de desunião e vergonha.
E no entanto, dezoito anos passados da nossa entrada na comunidade, os desafios que se nos deparam são dignos de respeito. As novas democracias que agora integraram a União Europeia esperam o apoio dos seus vizinhos e uma vontade de trabalhar em parceria para alcançar um destino comum. Pela primeira vez na História do velho continente um tão vasto conjunto de nações se aproximou numa tal reconciliação de vontades e interesses. Como conseguirá a União, cujas instituições nasceram com o propósito de servir um pequeno conjunto de estados membros, expandir-se sem comprometer os seus mecanismos de controle de decisão ou a sua identidade política? E como irão pessoas com tão grandes diversidades culturais conviver num continente sem fronteiras, dispondo-se a conceder uma boa parte da sua soberania? Em especial quando se torna evidente que o futuro europeu passará por desenvolver políticas de cooperação na área da justiça e da administração interna, e a criação de estruturas mais credíveis na área da segurança e da defesa. Conseguiremos implantar-nos como uma identidade política própria dentro da NATO, e estabelecermo-nos como uma voz autónoma no diálogo da segurança mundial? Conseguiremos desenvolver uma realidade de progresso económico e de convergência monetária, e o desenvolvimento de um quadro de políticas sociais e de estabilidade que uma tal convergência exige?
São estas algumas das muitas questões que se levantam a esta visão comum da Europa no início do século 21, uma visão necessáriamente especulativa e incompleta. Uma visão que só se tornará realidade com o esforço solidário das nações e a criação de laços reais de identidade entre si. Uma visão que não sobreviverá se os diferentes países persistirem na luta por ganhos individuais e pela supremacia dos seus pequenos interesses. Numa tal construção civilizacional como aquela que a Europa se propõe erigir, a solidariedade não é apenas um chavão mas um requerimento para a sua sustentabilidade. Tal como uma família, ou um grupo de amigos, também o nosso grupo de nações não resistirá aos desafios e às dificuldades sem a capacidade de se entregar a uma visão comum e partilhada, solidária, do futuro.
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