[uma ordem para quê ou para quem]

Quarta-feira



Em plena eleição dos Orgãos Nacionais da Ordem dos Arquitectos veio a actual presidente e candidata à re-eleição, Arqta. Helena Roseta, produzir um artigo intitulado Uma Ordem Para Quê?. O texto publicado no Jornal Público não chega a ser uma declaração de princípios mas tão só uma exposição de aparência idealista e bem intencionada que não responde, infelizmente, ao título do próprio texto.

Uma ordem para quê, afinal?

Talvez os arquitectos se sentissem motivados a participar mais activamente nas discussões internas da ordem se esta deixasse de ser a coutada de uns quantos notáveis e do seu apparatchik de leais subordinados – e já que estamos a falar de coutadas, basta olhar para o que é a Faculdade de Arquitectura de Lisboa para servir de exemplo daquilo que é o sinal dos tempos no Portugal contemporâneo. O fenómeno não é, de resto e como todos sabem, único ou exclusivo desta profissão. É, isso sim, reflexo da postura vigente e uma visão corporativista da acção política, determinada pela influência de grupos cuja prioridade reside na salvaguarda dos seus interesses e direitos adquiridos, sobre todos os outros.
Talvez a ordem pudesse começar por estabelecer com a sociedade civil um diálogo aberto, devolvendo ao saber público o melhor do nosso saber e das nossas preocupações. Em vez de clamar pela enésima vez pela demissão generalizada e insustentável dos poderes públicos em relação à arquitectura, seria mais útil criar canais de comunicação com o público e as estruturas de influência política, promovendo a cultura arquitectónica e sensibilizando para o poder que reside na arquitectura enquanto instrumento de transformação da realidade, do valor e da qualidade de vida que resulta do ambiente construído em que vivemos. Quem, mais que a Ordem, terá capacidade para o fazer?

A Ordem dos Arquitectos dirá que tem feito isso mesmo, sendo aliás uma das suas grandes prioridades e motivo de iniciativas. O debate em torno do Direito À Arquitectura, e nomeadamente a promoção do Projecto de Lei de Revogação (Parcial) do Decreto 73/73, será talvez o maior exemplo. (Nota para os leigos: o Decreto-Lei 73/73 trata-se de um decreto de 1973 que veio permitir que pessoas não qualificadas na área da arquitectura possam assinar e assumir o papel de responsável técnico em projectos de arquitectura).
Infelizmente, depressa esta discussão tem caído para dentro do umbigo dos arquitectos, ficando como sempre a falar para dentro. Expressões panfletárias como É tempo de dar o seu a seu dono são o exemplo claro de como não se está a fazer passar a mensagem a quem interessa. Evidentemente, existe um problema de percepção pública relativamente à importância do trabalho dos arquitectos. Se a maioria das pessoas acharia inaceitável ser alvo de uma análise médica por um não-médico, ou receber aconselhamento jurídico por um não-advogado, já muitos acham normal que quem lhes desenha a casa não seja arquitecto. Por isso mesmo, o que está em causa não pode depender da assunção de discursos panfletários do interesse próprio dos arquitectos, mas a criação de uma base social de apoio à arquitectura generalizada na sociedade, o que só acontecerá se nós próprios, enquanto classe, formos capazes de promover essa sensibilidade sem as habituais arrogâncias altivas que nos caracterizam.

A questão reside, efectivamente, no lema promovido por Helena Roseta: a promoção do reconhecimento do valor do trabalho da arquitectura junto dos poderes públicos e dos cidadãos (sob o lema Arquitectura Para Todos). Mas esse trabalho tem de depender de uma agenda específica, de um plano de acções concretas cuja dimensão e linguagem obtenham o desejado impacto junto da sociedade civil. E isso não depende de declarações de intenções mais ou menos líricas, dos sonhos e das utopias seja de quem for.

É nesta incapacidade de comunicar para fora dos seus interesses próprios que a ordem tem perdido a batalha, dentro e fora do seu grupo de associados. E por não me rever neste tipo de diálogo, voltarei a não votar na eleição dos Orgãos Nacionais da Ordem. Porque, independentemente da simpatia que me inspira este ou aquele candidato, não sinto que estas eleições tenham alguma coisa a ver com a minha vida e a daqueles que me rodeiam.

2 comentários:

  1. O Direito à Arquitectura é de facto algo a lutar. A porcaria em que se tornam as cidades e vilas deste país devido a essa lei retrógada e velha. Enquanto cidaddão, considero a arquitectura um bem comum, que a todos toca, mesmo que muitos não se apercebem da sua verdadeira importância. Enquanto designer, acredito que a arquitectura como acto criativo e projectual necessita com urgência ser protegida, difundida, aceite. Uma Ordem em muito facilta a visibilidade, a luta pelos direitos dos profissionais - houvesse uma Ordem dos Designers e também nós estaríamos mais bem considerados - mas, claro, há sempre alguem que queira aproveitar-se do poder. Contudo, apoio Helena Roseta, pessoa que há muito acompanho nas suas análises políticas e agora com Presidente (bastonário é horrível...) da OA. Há que lutar pela mudança e melhoramento das coisas. Mesmo não tendo de conhecimento das coisas que se passam dentro da OA e da comunidade de arquitectos, e sendo um amante de boa arquitectura, uma Ordem é o melhor que têm.

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  2. http://hardblog.blogspot.com/2004/11/pedra-de-roseta-declarao-de-voto.html

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