[à espera do desastre]

Terça-feira

Enquanto se vão revelando os efeitos do terrível maremoto que assolou a Ásia volto a publicar um texto sobre a realidade portuguesa e os riscos de ocorrência de um sismo em Portugal.

À Espera Do Desastre

A primeira legislação portuguesa contemplando a resistência das construções a esforços sísmicos foi publicada em 1958. Quase meio século depois continua a construir-se em Portugal desrespeitando a lei, o bom senso e a ética, deixando grande parte dos edifícios em incumprimento dos regulamentos e vulneráveis a um desastre previsível.

Construção anti-sísmica é um termo leigo para definir a capacidade que um edifício pode ter para resistir aos esforços que resultam da ocorrência de um sismo. Nenhum edifício, por mais resistente que seja, pode resistir a todo e qualquer tremor de terra. As preocupações expressas na legislação da construção têm por objectivo conferir aos edifícios uma capacidade estrutural que garanta níveis de resistência satisfatórios perante a ocorrência provável de um sismo de intensidade razoável. De certo modo, é o mesmo que dizer que uma porta corta-fogo não é uma porta que resiste indefinidamente a um incêndio, mas sim uma porta que garante a resistência às chamas, à temperatura e à passagem de fumos durante o tempo suficiente para permitir a evacuação de pessoas em segurança.
As vibrações resultantes de um tremor de terra transmitem-se aos edifícios através das fundações. Os efeitos decorrentes propagam-se depois através dos elementos estruturais da construção, os pilares, as vigas e as lajes, afectando depois todos os restantes elementos do edifício. A intensidade desses efeitos resulta da duração do sismo e da frequência de vibração do solo, e pode resultar de pequenas fissuras até danos estruturais, culminando no possível colapso da edificação.

Apesar de não se poder prever a ocorrência de um sismo, as suas consequências podem ser minimizadas. As acções preventivas podem e devem fazer-se a vários níveis, tanto no planeamento e construção urbanística, como ao nível da protecção civil e da sensibilização da população geral. Infelizmente, verificamos que em Portugal os erros se cometem em cima dos erros, silenciosamente satisfeitas as diversas entidades uma vez que “a lei é boa”.

A gravidade da situação começa ao nível do licenciamento dos edifícios. Apesar da existência de legislação específica, muitas Câmaras Municipais não dispõem de capacidade técnica para averiguar se os projectos de estabilidade dos edifícios garantem os níveis de resistência sísmica previstos em regulamento. Este facto talvez não se verifique nos municípios das principais zonas urbanas, mas em grande parte do restante território nacional as Câmaras não dispõem ou de técnicos qualificados para a apreciação dos projectos a este nível técnico, ou da sensibilidade dos seus responsáveis políticos à necessidade de atender ao problema (ou ambos). Daqui resulta, em termos mais simples, que em Portugal é possível licenciar um projecto que não cumpra com o Regulamento de Segurança e Acções Para Estruturas de Edifícios e Pontes.
De seguida, é na fase de construção propriamente dita que se cometem os maiores atropelos. Qualquer profissional minimamente experiente está condenado a encontrar atitudes irresponsáveis de construtores não qualificados, habituados que estão a economizar no aço e no betão. A falta de moralidade no sector é de tal ordem que por vezes se manifesta mais como um hábito do construtor em não cumprir com o projecto, do que como um efeito real de poupança financeira. A verdade é que o acréscimo de custo resultante da aplicação das normas anti-sismo equivale a pouco mais de 2 ou 3% do custo total da construção.
É fundamental que se comece a prevenir e fiscalizar o sector da construção, forçando o cumprimento das regras de segurança e punindo severamente os infractores. Não podem existir meios termos: é a vida de pessoas que está em causa. Para o comprador, para quem a aquisição de casa é provavelmente o maior investimento que realiza em toda a sua vida, é o direito a habitar numa construção que lhe garanta a possibilidade de sobreviver a um sismo grave que está em causa.

No silêncio o tempo continua a passar e o risco da ocorrência de um terramoto real aumenta, sem que o problema seja discutido e tomadas as medidas necessárias para que se instalem as boas práticas na nossa actividade. Estaremos condenados a aguardar pela calamidade inevitável, venha quando vier? Será que também perante este problema nos iremos sentir satisfeitos com a demissão de um ministro, porque “a culpa não pode morrer solteira”, ou que nos venham dizer que mais uma vez o país aprendeu uma grande lição?

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