Terça-feira
O Feng Shui é uma espécie de ioga da arquitectura. Fica bem falar disso nas festas com os amigos: ah, eu agora ando numa de feng shói!. E eu por mim tudo bem. Eu também gosto de dar nas vistas, mas quando me começam a falar em energias dá-me logo vontade de levantar as mãos e abaná-las freneticamente!
Simplificadamente, a doutrina Feng Shui é a arte - não a ciência - de conter e equilibrar as influências positivas e negativas do ambiente em que as pessoas vivem. Os seguidores desta doutrina acreditam que as influências da Natureza são uma força determinante do rumo da nossa vida, procurando assim conjugar os elementos naturais e estabelecer com eles equilíbrio e harmonia.
Longe de mim querer demolir o interesse e a beleza poética do Feng Shui. Muitos dos seus princípios buscam a correcta integração entre os elementos construídos e a natureza envolvente. A relação da construção com o exterior, a forma como se integra ou se expõe aos elementos que a rodeiam são exemplos de preocupações antigas da arquitectura e encontram no Feng Shui um enunciado profundo e bastante sólido. Acima de tudo, é uma filosofia profundamente enraizada na cultura do seu país de origem, a China, e o universo místico que a envolve. Não é alheio ao Feng Shui o estudo do I Ching, em que reside uma importante parte das suas origens, bem como as várias correntes da filosofia chinesa, em particular o taoísmo.
O que me incomoda, afinal, são as apropriações ocidentais do Feng Shui que promovem superficial e comercialmente uma doutrina nascida do mais profundo misticismo chinês para o envolver no manto pretensamente científico e indiscutível usual das pseudo-ciências. A esse pretexto vão surgindo supostos especialistas da matéria que invocam as energias, o chi ou o que lhe queiram chamar como factores que determinam o sucesso pessoal ou profissional de uma pessoa. E sem saber ou querer discernir entre o que são conceitos simbólicos da cultura chinesa (o dragão, as estrelas, a montanha, a água, os ventos, as cores) de conteúdos da realidade concreta.
Como forma de dotar o Feng Shui de uma credibilidade pouco discutível, os seus mentores reclamam invariavelmente a sua base científica baseada no estudo da energia solar e electromagnética, a astronomia ou mesmo as leis da física. E fazem-no com o registo pseudo-científico usual, sem demonstração ou correlação lógica, limitando-se a montar um cenário envolvente em que tudo até pode fazer algum sentido: basta ter um pouco de fé.
Trata-se afinal de uma doutrina naturalista e mística da cultura chinesa, cujos conteúdos são interpretativos dos diferentes estados da vida e da Natureza. Esses conteúdos, expostos e desenvolvidos no I Ching, por exemplo, ainda que sejam dotados de uma notável beleza poética e simbólica não devem ser transpostos para o campo da sorte, do oráculo ou da futurologia. Como faz invariavelmente o Feng Shui com as suas esotéricas energias.
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