Da lógica

Não tendo eu particular veia monárquica foi com surpresa que escutei há várias semanas Dom Duarte Pio no programa Pessoal e Transmissível da TSF. Na altura, Carlos Vaz Marques perguntava ao duque de Bragança qual a maior virtude que reconhecia nos portugueses, ao que ele respondeu pela natural afabilidade que emprestamos às relações pessoais; que somos um povo que se entrega com afecto e tem gosto em agradar. Seguiu-se a pergunta previsível: qual o maior defeito. Foi então que o discurso se tornou interessante.
Dom Duarte afirmou que a pior característica dos portugueses era a falta de lógica. Avançou então explicando que o nosso nível de inteligência média é reconhecidamente idêntico ao dos restantes povos europeus; o que nos distingue é a manifesta falta de sentido de lógica que emprestamos às nossas acções, e avançou com vários exemplos. O português queixa-se do trânsito caótico, mas permite-se individualmente transgredir as suas regras. O português exige que o Estado resolva toda a espécie de problemas mas foge facilmente às suas obrigações para com este. Queremos ser reconhecidos com justiça no lugar de trabalho mas somos permeáveis às "cunhas". Queremos verdade nas relações mas somos complacentes com as nossas próprias traições. Em suma, somos autocríticos com o colectivo mas condescendentes na nossa actuação individual. Fazemos juízos acertados sobre os problemas, mas parecemos incapazes de pôr em marcha as acções que nos permitam resolvê-los.
Este pequeno diagnóstico, parece-me, coloca o dedo na ferida da frágil nação que estamos a construir. Dom Duarte avançou ainda com uma possível explicação. Um dos fenómenos sociais que mais marcou a nossa transformação colectiva no século XX foi a migração de um país maioritariamente rural para uma nova realidade urbana. Na antiga sociedade provinciana, os códigos morais eram estabelecidos pela proximidade, porque a má conduta "parecia mal". No mundo urbano o indivíduo deixou de ser conhecido, e com isso deixou de ter referencial moral; anónimo, nada o julga e nada lhe parece. Esta explicação pode ser uma teoria possível entre outras, mas revela um aspecto importante do nosso tecido cultural. Ao desaparecimento de uma moral, talvez balofa, mas rígida, não acompanhou a fundação de um outro sentido ético de cariz individual, que julgo poder identificar como cidadania. Somos assim um povo com um grave vazio, uma falta de sentido comunitário, de comunidade em si mesma, que não assume a relevância do seu papel individual na construção do todo. Não usamos a amarga autocrítica com que nos martirizamos para verdadeiramente promover a mudança; antes encontramos nela justificação para a auto-complacência com que, primeiro individual, e depois colectivamente, vamos destruindo o todo daquilo que poderíamos ser.

8 comentários:

  1. Também ouvi essa entrevista, e na semana anterior na Prova Oral da Antena3. Em ambas D.Duarte mostrou-se como um homem perfeitamente ciente e conhecedor do país, dos portugueses e de uma visão construtiva do futuro. Igualmente sem tendência monárquica, o predendente ao trono evidenciou aspectos, tal como referiste, profundamente correctos, concordantes e sintomáticos do que é ser português hoje, ou pelo menos, aquela maioria silenciosa mas que tanto ensurdece o desenvolvimento de Portugal. Existe de facto uma crise de valores na nova sociedade nacional, que assenta sobretudo na inexistência de uma cidadania correcta, quer no sentido individual, quer no sentido colectivo. E enquanto isso não mudar - cujo esforço apenas vemos relegado para a Selecção Nacional de Futebol - o país inteiro não mudará.

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  2. Iria talvez mais longe.
    e não diria, "falta de lógica" mas sim egoismo.

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  3. Não ouvi a entrevista do Duque de Bragança mas, depois de ler o post, fiquei com a ideia de que D. Duarte, finalmente, começa a ter um discurso mais coerente e mais voltado para o país evidenciando, desta forma, que não está alheio à realidade envolvente. Um bom princípio para quem pretende, para ele ou para o seu filho D. Afonso, um dia ascender ao trono de Portugal,

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  4. se por um lado me congratulo que o autor deste blogge tenha percebido, finalmente, qual é o problema o do nosso país e dos portugueses, nao posso deixar de lamentar que só o tenha feito agora.
    depois de meses de campanha eleitoral, em que o discurso do ainda presidente da republica, do manuel alegre, e outros, terem chamado a atenção para este e outros problemas do país, é triste, é realmente triste! que passado um mês do acto eleitoral - verdadeiro periodo de reflexao sobre a naçao - se tenha feito luz!
    faz-me pensar, para onde terá, o daniel, andado a olhar: para o balão?! :)
    já que todas as paragonas dos cartazes e publicidade, ladainha ensurdecedora dos media, obrigação e direito ao voto, nao bastam para "iluminarem" os portugueses de QUE SAO CIDADAOS! venham todos os meios: o D. Duarte, comentarios e discussoes tardias, mais blogges, pois seja.
    continuaremos a acreditar que se fará luz de "cabecinha brilhante" em "cabecinha brilhante" através de todos os meios, mais ou menos institucionais.
    e depois de descobrirem a polvora é importante que as mesmas "cabecinhas brilhantes" nao a metam na areia e se escondam dos problemas nos momentos decisivos!
    obrigado daniel,ainda bem!
    parabéns!!

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  5. Também ouvi essa entrevista. Eu odeio monárquia, mas que o Sr. Eng. Duarte de Bragança fez uma análise muito interessante, mesmo a roçar o excelente, lá isso fez.

    No entanto, acho que a razão que dá é um pouco, digamos, "rural". Acho mesmo que a inveja é a resposta a esses problemas.Que estão longe de ser resolvidos. E, claro, nunca passará por uma Monarquia, mas sim por movimentos cívicos.

    Ainda hoje no suplemento de Economia do Público vem uma entrevista sobre jovens recém licenciados que ganham 300 euros (e não contos!) limpos numa caixa de hipermercado, ou na loja da Vodafone! Como é possível? Que país estamos a criar para os nossos filhos? E esses jovens votam? E em quem? E quem lhes pode valer? Se não for a sociedade cívica, as manifestações, greves, etc (como por exemplo aconteceu aqui em Amesterdão nos anos sessenta), as coisas não vão ao lugar....acho!

    Parabéns pelo excelente blogue.
    fg

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  6. Margarida: no seu caso não é preciso descobrir a pólvora. Será suficiente um prozac.
    Volte sempre!

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  7. Eis um contributo valioso. Porém, sendo referida a questão da inteligência dos portugueses, talvez valha a pena acrescentar que havendo, não uma, mas várias espécies de inteleligência, há aspectos em que somos especialmente inteligentes e outros em que somos especialmente burros.

    Porque a inteligência não é coisa com que apenas se nasce: a inteligência é coisa que se desenvolve e, neste campo, os portugueses (mais os poderes que supostamente os deveriam servir), tudo fazem para reduzir a inteligência lógica nacional ao grau mínimo (de nascença), o que significa reduzir os hábitos culturais ao menor esforço e ao menor prazer.

    Cito Almada Negreiros: O povo completo será aquele que tiver reunido no seu máximo todas as qualidades e todos os defeitos. Coragem, portugueses, só vos faltam as qualidades. in Ultimatum, 1917 (v. Ultraperiférico, Jan. 2006)

    Saudações ultraperiféricas.

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  8. eu li ontem essa entrevista na revista do DN. de facto, também me pareceu muito equlibrada e até me apteeceu fazer um post sobre a questão da "lógica". está feito, então. :)

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