Fundação de Serralves

O meu curto dia passado no Porto terminou inevitavelmente em Serralves. Passeei pelo belíssimo parque mas centrei a minha visita sobre o Museu de Arte Contemporânea, para me perder no intimismo e solene grandeza dos traços de Siza Vieira. O novo museu, podia dizer-se, parece esconder-se por detrás dos muros altos da fundação. Para lá da leve porta de ferro há muito a descobrir; desenha-se o percurso envolto em paramentos que se abrem para receber a luz ou espreitar um pátio onde, ao fundo, uma árvore única parece ter sido abraçada pelo edifício.
No exterior, o granito cinzento e o reboco branco; no interior, o estuque, o lioz, a madeira e apontamentos de aço num puxador ou no corrimão do átrio. Em tudo, um enorme apuro de desenho, desde os traços longos do edifício a uma simples sinalética de porta. O fino puxador também de assinatura é uma peça de enorme delicadeza, como se o edifício se pusesse em bicos de pés para receber o toque da mão humana.
O que mais impressiona é a riqueza do discurso de arquitectura, feito de uma aparência tão singela nas soluções materiais. E no entanto, nada é austero, antes o oposto; luminoso, íntimo e muito humano. É desenho de uma mão madura, este. Aqui não se ensaiam gestos mediáticos ou melodrama; traçam-se perpendicularidades, conjugadas com pequenas inflexões de paramento. Sublinham-se transições claras, nos pavimentos, ou nos diferentes espaços pela luz; abrem-se vãos como quadros. O edifício estabelece uma relação curiosa com o contexto. Integra-se pela harmonização com o espaço que o envolve e a forma como o faz descobrir; mas sem restrições ao traçado de alguns limites vincados na definição dos corpos do edifício. Define, pela revelação, uma construção mental do sítio. Manipula por afirmação a experiência de quem percorre, reforçando no detalhe um sentido de unicidade, de contacto entre o homem e a obra.
Uma lição, em todos os sentidos.










Museu de Arte Contemporânea da Fundação de Serralves, Porto, 2006-02-10.

6 comentários:

  1. daniel, gostei muito de "ler" este olhar forasteiro sobre o sítio onde vivo (e onde sou também forasteira). é um lugar comum, bem sei, mas às vezes esquecemo-nos de olhar.

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  2. Gostei muito destas fotos. Ando há muito para lá ir. Pelo que tenho visto em fotos, deve ser um local apaixonante.
    Obrigado por partilhares connosco esta visão.
    Um abraço.
    ZM

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  3. .
    e há ainda aquela janela imensa onde vão desembocar umas escadas estreitas e quase claustrofóbicas.
    .
    é impossível ficar indiferente.
    .

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  4. do detalhe do puxador da porta, à sensibilidade da guarda das varandas. do branco português, às sensações mais frias do porto, está lá tudo. realmente, siza, é sempre siza e este é um de vários projectos que provam que ele é um génio do LUGAR e da sensibilidade em projecto.
    um abraço:cawitus

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  5. De facto, o poder de síntese comunicado e materializado pelo e no desenho encontra em Álvaro Siza o seu apogeu. Não me refiro a um qualquer desenho mas sim à materialização da transferência de uma realidade. Realidade nomeada préviamente de sítio, metamorfoseada pelo desenho e posteriormente pela Arquitectura em Lugar. É aparentemente simples mas deveras complexo. É um processo de inteligência, de resiliência, diacrónico e de devolução, onde o limite é apenas o início. Um re-figurar conseguido pela Arquitectura...

    A fim de não me perder, apenas quero reiterar o que o seu texto afirma: "Uma lição, em todos os sentidos."

    Num tempo híbrido onde a Arquitectura tende a perder a sua existência(este tema fica para outro post...), o voltar à realidade - à consciência do sítio enquanto dado primeiro à praxis da Arquitectura - encontra em Serralves ( e em todas as obras de Álvaro Siza) um elogio.

    Bem haja... e o Habitar deste silêncio é URGENTE!!!

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  6. um apontamento: a pedra usada nos interiores do museu de serralves é creme marfil.
    parabéns pelo blog.

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