Auto-regulação na blogosfera

Será que a blogosfera tem meios e condições para anular as suas próprias monstruosidades?

É esta a pergunta que João Lopes deixa no ar no final do seu artigo - A infância dos blogs. Valerá a pena tentar construir uma resposta.

Sugerir que este tipo de comportamento – o infantilismo, desresponsabilização, a difamação e o insulto - possa vir a ser anulado pela ascensão de uma ética blog é uma ingenuidade evidente. Mas a resposta à pergunta é: sim. A blogosfera, na sua dinâmica de rede, é capaz de anular essas monstruosidades. Mais, as ferramentas que suportam a sua infraestrutura permitem que cada um crie para si a blogosfera que deseja. Deixem-me explicar...

Digamos que o leitor se interessa por blogs. Começará por ler aqueles que melhor conhece para ir adicionando, a pouco e pouco, novos blogs ao seu conjunto de favoritos. Ora quando o número de páginas atinge as várias dezenas, visitar individualmente cada uma delas torna-se incomportável - quanto tempo perdido a abrir blogs para descobrir que muitos deles não foram sequer actualizados.

Perante isto, o leitor interessado adere rapidamente a um subscritor de "feeds". Uma página pessoal em que o utilizador subscreve somente os blogs que deseja seguir, recebendo de forma leve e concentrada todas as actualizações - apenas os novos “posts” - das suas páginas favoritas. Com esta nova ferramenta o leitor consegue agora acompanhar não dezenas mas antes algumas centenas de blogs.
Ainda assim, mesmo fazendo uso de um leitor de "feeds", há um limite para a quantidade de informação que cada um consegue acompanhar. E é aqui que acontece uma coisa interessante. O leitor deixa de adicionar blogs - ou passa a fazê-lo muito raramente - para começar agora a subtrair.

A selectividade na blogosfera é uma moeda de troca importante da sua auto-regulação. Ao seguirmos um blog estamos a assinalar que ele é relevante e a valorizá-lo dentro do meio. A constelação de blogs que estamos a seguir é a nossa ligação filtrada e inteligente para a blogosfera. Uma meritocracia subjectiva, imperfeita, mas que funciona. O acto de seguir um blogue significa que damos crédito ao seu autor, que confiamos nele como nosso arauto de pesquisa. É um gesto de reconhecimento implícito.
Mais importante: os autores dos blogs que seguimos têm as suas próprias constelações de ligações, unindo-nos a uma sequência exponencial que nos pode conduzir ao infinito da rede. Através deles podemos aceder ao que é relevante, ao que é mais referido, citado, hiperligado. Essa rede, pelas suas muitas intersecções, pode fazer chegar informação longínqua dos confins da web até ao nosso pequeno monitor.
É uma forma de selecção natural de conteúdos herdeira de uma das primeiras funções do blog - o filtro. Como na verdadeira selecção natural muito é desperdiçado. Muito é perdido nas sinapses da rede. Mas também através dela passamos a aceder a conhecimento que de outra forma nunca iríamos descobrir.

É esse o poder da blogosfera. Os blogs podem não ser já a plataforma da moda, subjugados que estão pela ascenção volátil das ferramentas de web social e micro-blogging - mas não deixam de ser, ainda hoje, a infraestrutura mais eficaz desta rede de conhecimento. A materialização de um milagre de informação global construído de forma colectiva e contributiva. Nada se lhe compara.
Neste novo território, o poder de um blog não resulta da sua visibilidade imediata, das visitas diárias que recebe, mas do modo como estabelece ligações e conexões para projectar os seus próprios conteúdos “lá dentro”.

É natural que a blogosfera de opinião próxima da imprensa escrita alcance uma visibilidade mais imediata. Mas não é verdade que essa blogosfera disponha de uma grande permeabilidade na rede, para lá do universo estrito em que circula. Esta opacidade não é alheia aos mecanismos de distribuição de informação, que conduzem felizmente à anulação do que é efémero e pouco consequente. E por isso os blogs são frustrantes para quem pensa ter aqui um púlpito para ajustar contas com o mundo, manifestando-se com infantilidade e estridência.
De resto, como em todas as outras plataformas de comunicação, a monstruosidade estará sempre presente. Assim é também na televisão e nos jornais. Cabe a cada um optar pelo que pretende de cada veículo à sua disposição, nos canais que vê, nos jornais que compra. E na blogosfera em que quer participar, como espectador ou construtor de conteúdos.

3 comentários:

  1. Eu acredito, como dizes, que se criam nichos e que quem escreve com qualidade e gera (ou agrega) informação de interesse cria uma rede dinâmica de troca de conhecimentos.

    Nesse aspecto a blogosfera tem sido fascinante e para mim principalmente por criar um meio de acesso a uma quantidade de coisas que me interessam e que não seria possível aceder pelos meios "tradicionais".

    quanto à auto-regulação. não me parece que haverá alguma vez uma blogosfera ideal e limpa de todas as porcarias humanas. também continuam a existir jornais que são verdadeiros pasquins e televisões pouco isentas.

    e quanto às agressões, más-educações confundidas com liberdade de expressão tb existem na "vida real". Basta ver o desplante com que, por exemplo, se estaciona em cima do passeio bloqueando entradas de prédios.

    não sei, acho que para quem quiser pensar há sempre espaço!

    ainda bem que há esta barriga para nos encostarmos, mesmo que estejas sozinho. acredito que isso seja difícil. no fundo é sempre o mesmo, somos poucos e é difícil juntar multidões com o mesmo interesse.

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  2. Daniel,
    Começo com uma frase sua: "Cabe a cada um optar pelo que pretende de cada veículo à sua disposição"[…] que entendo ser a que possivelmente estará mais próxima de um possível futuro; caminhamos para utilização de um único suporte multi-funcional - no entanto esta possibilidade persupõe para além do meio, escolher o conteúdo.
    A este respeito será caso para se colocar uma questão, quanto a mim, mais pertinente que a capacidade de selectiva que aponta: Por termos à nossa disposição o mundo em pé de igualdade com o próprio mundo - será o fim da primazia deste ou daquele programa - será possível uma eventual coabitação entre gentes que apesar de próximas fisicamente, gozam de interesses e de referências dispares?
    Esta questão percebe-se melhor com um exemplo: Imagine que o Daniel, no seu dia-a-dia, consulta essencialmente serviços noticiosos globais e eu gosto é de reality shows. Estas são a suas e as minhas quase únicas referências e até somos vizinhos. Num mundo assim onde deixam de haver pontos de contacto comuns a grandes parcelas da sociedade, como que é que se materializará esse novo conceito de habitar? Como se irão estabelecer novas relações de dependência e de socialização?

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  3. Daniel, venho aqui só para lhe confessar um delito: usurpei-lhe este post porque me identifiquei com esta perspectiva da blogosfera, e não o avisei porque, até ontem à tarde, não conseguia entrar nos comentários do Blogspot (tive de criar um e-mail no gmail):
    http://vozes_dissonantes.blogs.sapo.pt
    post: Quem tem medo da blogosfera? (conclusão?)
    Cumprimentos. Ana

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