Em viagem



Appennini (2001) por Simona Dell’Agli, via Britart.com.

O dragão a viver na garagem

É uma história que contava Carl Sagan. Um homem vai ter com outro que é cientista e diz-lhe que tem um dragão a viver na garagem. O cientista diz: “bom, vamos então à garagem ver isso”.
Chegam ao local, o dono da casa abre o portão da garagem, que parece vazia.

Cientista: Então? Não vejo nada. Não há cá dragão nenhum!
Dono: Hmm. Ah, mas é que o dragão é invisível.
Cientista: Invisível? Então, mas repara, o chão está cheio de pó. Se ele andasse por aí nós víamos as marcas dele no chão. As pegadas.
Dono: Mas é que este dragão vôa!
Cientista: Isso é mais complicado. Então espera, vou buscar um sensor de calor para detectar o bicho.
Fazem a experiência e o dragão não aparece no sensor de calor.
Dono: Bem, este dragão não emite calor.
Cientista: Muito bem, mas ainda tenho uma ideia, pegamos em spray de tinta e atiramos para o ar, e vamos conseguir pintá-lo.
Vai buscar spray de tinta e pulveriza o espaço todo, mas não descobre nada.
Cientista: Bem, como vês, não está cá dragão nenhum.
Dono: Ah, mas é que este dragão é incorpóreo.

Nesta altura, perante um dragão invisível, que vôa, que não emite calor e é incorpóreo, o cientista diz ao homem que não só não tem nenhum dragão como está completamente pírulas.
Claro que, em boa verdade científica, ele apenas demonstrou que não tem meios para detectar a presença física de um dragão voador invisível incorpóreo que não emite calor dentro da garagem, o que o faz deduzir com um grau de certeza razoável a sua inexistência. Portanto, vendo bem as coisas, se existe ou não um dragão talvez seja uma questão de fé.

O centro do mundo

Se a teoria criacionista, em que se inspirou o "intelligent design" que defende, entre outros absurdos a origem divina do homem é ridícula, é igualmente incompreensível o impulso atávico que leva muita gente a considerar inquestionável a origem simiesca do homem. (...)
Comentário a Por Amor de Deus

Não vou perder tempo a cruzar referências sobre a evolução das espécies ou a apresentar provas da proximidade do código genético humano com o dos outros animais, incluíndo os não-mamíferos. À falta de livros, a internet está aí à vossa frente. Também não faço minha a missão de demonstrar que o evolucionismo não põe em causa a existência de Deus. O que o evolucionismo compromete, e por isso é particularmente irritante a defesa do criacionismo, é o lugar do homem no mundo.

Tal como Copérnico retirou a Terra do centro do Sistema Solar para grande comoção da Igreja, também Darwin retirou o ser humano do centro do mundo. Se o homem resulta de um longo processo de selecção natural, se não é resultado de uma criação divina directa, então dificilmente poderá arrogar-se a ter sido feito “à imagem de Deus”. Infelizmente, atrás de Darwin vieram as grandes descobertas do último século no campo da genética e a descodificação do ADN, que demonstraram as ramificações da transformação da vida no nosso pequeno planeta.

Esta gente que odeia a ciência por ter-nos tornado orfãos de uma determinada ideia de religião nunca perdoará a Darwin tamanha afronta. Como disse Munari, cada um vê aquilo que sabe. E muitas pessoas são incapazes de ver que, graças à ciência, somos das primeiras gerações da história do homem a ter uma visão abrangente da origem do universo e dos seus longos processos de formação; e do aparecimento e evolução da vida na Terra. Claro que a ciência é o que é e não se destina, como sabem os cientistas, a responder às perguntas sobre a nossa realidade imaterial que são por vezes as mais importantes. Mas ela dá-nos a conhecer uma explosão de matéria e energia inimaginável que deu origem à primeira geração de elementos do universo. Uma matéria que pelas regras finas que regem a sinfonia cósmica se agrupou e consumiu em novos processos que deram origem às primeiras estrelas, e depois num processo de longos milhões de anos, aos planetas. O mapa desse universo é uma carta supreendentemente simples que nós desenhámos na tabela periódica.

Um dos elementos mais mágicos e misteriosos que existem no universo é, claro, a vida. Constatamos então que, em determinadas circunstâncias muito particulares, com a presença dos elementos certos e a correcta exposição a uma fonte de energia, um sol, e a presença de água, a vida acontece. É certo que o único modelo que conhecemos de existência da vida é o nosso planeta, mas dele podemos constatar um processo e dele retirar probabilidades. Por isso se supõe que a vida possa existir noutros planetas, se bem que as probabilidades de alguma vez nos cruzarmos no espaço e no tempo sejam muito diminutas. Mas a pergunta verdadeiramente importante a respeito da vida é: porquê? Para que serve? Esta é uma pergunta que a ciência talvez não possa responder, mas é uma pergunta legítima. Será a vida um processo residual do universo, ou pelo contrário, será o universo uma complexa estrutura destinada a, em determinadas circunstâncias especiais, suportar o aparecimento da vida?

É uma pergunta importante para a qual não temos resposta. No entanto, a mera possibilidade presente na segunda hipótese é uma porta aberta à existência de Deus, não o da nossa cultura mas algo para o qual não fomos dotados de capacidade sequer de vislumbrar. Seja como for, essa é a possibilidade maravilhosa que nos faz continuar a acreditar que existe algo de especial neste universo, que os cientistas não descartam mas antes acarinham. Neste lugar do cosmos, somos uma entre muitas espécies abençoadas com a vida, esse bem precioso e raro que é tão fértil no nosso planeta, e que é das melhores razões para continuarmos a acreditar em alguma coisa.

Gatinha para adopção (urgente)



Deixo aqui uma mensagem importante e muito urgente. Esta gatinha de dois meses é cega e foi encontrada abandonada no caixote do lixo. Foi recolhida e está à guarda do dedicado “staff” da Clínica Veterinária Muralha (em Évora), que precisa de encontrar uns donos dedicados para ela.
Porque se trata de uma gata que vê mal e quase não reage à luz, é um bichinho mais apropriado a viver no interior de uma casa. Quanto ao resto, não tenham receios porque ela certamente se habituará a todos os cantos e proporcionará aos seus donos muita meiguice e brincadeira.

Se tiverem condições para a adoptar ou conheçam alguém que o possa fazer, por favor contactem para o nº. de telemóvel 96 230 59 07 (Dora) ou via email para abarrigadeumarquitecto@gmail.com. Mais informações serão dadas nos comentários sempre que solicitado. A todos desde já o nosso muito obrigado.

Por amor de Deus



De George Bush podemos esperar tudo. Por isso, a sua intenção em apoiar o ensino da teoria do “intelligent design” lado a lado com a teoria da evolução das espécies de Darwin nas escolas talvez não seja assim tão surpreendente. No entanto, ao ler no Afixe uma reflexão que se pretende racional discutindo evolucionismo e criacionismo como se fossem coisas ao mesmo nível, tenho de dizer que fiquei baralhado. Explico porquê...

A evolução das espécies resume-se a isto: os organismos reproduzem-se. Devido aos mecanismos genéticos que sustentam a reprodução, alguns espécimes nascem melhor adaptados ao seu ambiente e como tal a sua proliferação é mais bem sucedida. Os genes destes vencedores tornam-se assim mais comuns na geração seguinte. As mudanças de sucesso são acumuladas, o que origina o aparecimento de novas espécies através de um processo de selecção natural.

É compreensível que alguns achem discutível o facto de que somos descendentes dos macacos. Suponho que essas pessoas nunca tenham visto o “Fiel ou Infiel” na TVI. Seja como for, intitular o “intelligent design” de “teoria” ou “desentendimento científico” com a evolução é uma grande “pile of bull” como diriam os nossos amigos americanos. Os seus defensores advogam que a teoria do I.D. defende que certas características do universo e das coisas vivas são melhor explicadas por uma “causa inteligente” do que por um “processo indirecto” como a selecção natural.

Apesar de se distanciar de algumas armadilhas da defesa do criacionismo, o autor do texto do Afixe subscreve uma declaração interessante de João Paulo II. Diz ele:
A evolução dos seres vivos, de que a ciência procura determinar as etapas e discernir o mecanismo, apresenta um finalismo interno que suscita a admiração. Esta finalidade que orienta os seres numa direcção, da qual não existem padrões nem responsáveis, obriga a supor um Espírito que seja o seu inventor, o criador.
O problema na defesa desta visão supra-orientadora do processo de evolução das espécies é que é alheio aos básicos da transformação genética. Porque essa proliferação dos mais adaptados resulta de um processo de grande desperdício genético, ou seja, do constante desaparecimento de espécimes menos aptos ou variações de código que se perdem por força da sobreposição das características dominantes. Isto não tem nada de moral: é a natureza das coisas. Uma natureza que nos ensina que somos humanos em resultado de um longo e tortuoso processo de transformação, no qual muitas linhagens se perderam pelo caminho. Está por apurar como é que George Bush sobreviveu.

Einstein defendeu a dimensão sublime do divino. Penso que não estaria a querer dizer: ”maravilhem-se na vossa ignorância”. Não se pode dizer que se tratam de teorias diferentes baseadas em metodologias diferentes, pela simples razão que a montanha de provas científicas em torno da evolução natural é inequívoca; e por isso considerada como fundamental em biologia.
Os defensores do I.D. trazem agora um “package” mais adaptado aos tempos que correm: colocaram na gaveta os sete dias da criação, o Adão e Eva e a arca de Noé. Mas ensinar o “intelligent design” nas escolas é nada mais que promover uma falsificação histórica. Não passa de uma forma de doutrinação político-religiosa. Claro que reconhecê-lo é reconhecer que não existe nenhum ensino que esteja isento de doutrinação. Num mundo em que a realidade é constantemente distorcida em benefício das teses de cada um é natural que a ciência esteja a perder terreno perante a impostura e o fanatismo. Evolução? Penso que somos bem capazes de ficar por aqui.

Orange County Choppers



Grandes motas sob a égide do senhor Paul Teutul Sr., o grande anfitrião de largos bigodes e óculos escuros da Orange County Choppers. O sítio web dá a conhecer as motas temáticas e de série, eventos e muito merchandising. Em cima, o destaque óbvio para a Fire Bike, uma mota comemorativa em honra dos bombeiros que perderam a vida nos atentados às torres gémeas de Nova Iorque.

Arquitectos portugueses na internet

Foi actualizado o directório de arquitectos portugueses na internet com as seguintes entradas: Piso 1, Rui Miguel Cruz, José Virgílio e Pedro Duarte Bento.
O directório também está acessível na barra lateral.

Viver e morrer em San Andreas



Esta é a história: há alguns meses atrás começou a circular o rumor de que o jogo GTA San Andreas incluía a possibilidade de proporcionar a CJ, o herói da história, momentos de sexo com as suas namoradas virtuais. A produtora Rockstar defendeu o seu produto negando que esses trechos fizessem parte do código base: tratar-se-ia de uma adição produzida por um grupo de hackers que teriam introduzido essas novas sequências no jogo original. Infelizmente para a Rockstar, veio a comprovar-se que o “patch” de nome Hot Coffee em circulação na internet não adicionava, mas antes desbloqueava aquilo que se verifica ser código existente que os autores do jogo resolveram bloquear na edição comercial final.

Dificilmente se chegará a saber se tudo se trata de mais um golpe publicitário da Rockstar. Possivelmente será antes um erro de cálculo dos programadores que negligenciaram a dedicação dos seus fãs para descobrir e desbloquear trechos de código ocultos. A verdade é que o escândalo estalou e com ele algumas acções judiciais, chegando San Andreas a ser completamente banido na Austrália.
A verdadeira questão, no entanto, talvez seja outra: porque é que a representação do sexo causa sempre mais escândalo que a visualização de violência? Convém esclarecer que desbloquear as referidas sequências de sexo de GTA passa pela instalação de software adicional e a manipulação de vários procedimentos de configuração, chegando no caso das consolas a necessitar de uma alteração do hardware. No entanto, na bela realidade pixelizada de San Andreas, alguns minutos é quanto basta para poder chegar perto de um cidadão anónimo e tatuar-lhe a cabeça com um taco de basebol ou barrá-lo no limpa-parabrisas de um automóvel acabado de roubar na esquina mais próxima.

A polémica em torno de GTA mostra como uma parte da percepção pública é facilmente conduzida a toda a espécie de equívocos em torno da realidade dos jogos de vídeo. Com muitos tiros, palavrões, carros e mulheres, San Andreas leva a ficção interactiva um passo mais além para um mundo destinado a maiores de 18 anos. A verdade é que a acção que ali se expõe, seja sexo ou violência, não passa de um cartoon quando comparada com grande parte dos conteúdos que passam nas televisões em canal aberto. No entanto, a mínima insinuação mediática de que um jogo promove alguma forma de perversão ou levou alguém a cometer um crime é tomada a sério por muitas pessoas. O caso mais caricato foi, para quem se lembre, as notícias sobre como o simulador de vôo da Microsoft tinha sido um utensílio de treino para os terroristas do 11 de Setembro.

A verdade é que o mundo dos jogos de computador já não é o que era. Um estudo recente da agência americana ESA - ler 2005 Essential Facts ESA (Entertainment Software Association) - dá um novo olhar sobre esta realidade: a idade média do jogador é 30 anos e a do comprador de jogos é de 37. Mais importante, em 92% dos casos, os pais estão presentes no momento de compra ou aluguer dos jogos dos filhos. Acrescente-se ainda que 43% dos jogadores são mulheres e nem todas estão a jogar aos Sims; muitas talvez não dispensassem a oportunidade de retalhar os vossos pixeis na arena do Quake. Num mundo em mudança, a regra é para os jogos como deveria ser para a televisão e as outras formas de entertenimento: acima de tudo os pais devem saber o que os filhos andam a fazer e impôr algumas regras para refrear-lhes os ânimos. Aos filhos, já se sabe, cumpre o papel de quebrar essas regras sempre que possam, fugindo à polícia a 200km/h pelas ruas estreitas de uma qualquer cidade virtual.

Sabor a Verão

Plantas e cães no Outsider; razões porque o meu template nunca está suficientemente bom no The Nonist; design web à séria na Montblanc; o Photojunkie no Live 8; paisagismo alemão no Wes & Partner; as aventuras do G.I. Joe...

E agora: gatos



Gatos malucos via Laurenn Mccubbin. Ah, sim, a silly season também já chegou aqui.
Bom fim de semana.

O progresso chega a Coimbra B



Vital Moreira é um tipo interessante com uma entrega exemplar à blogosfera. Custa por isso reconhecer-lhe às vezes alguma dualidade de critérios no modo de abordar os problemas, aqui e ali resvalando para a demagogia. Vem isto a propósito de uma imagem colocada no Causa Nossa em resposta ao manifesto público dos 13 economistas que questionaram as opções de investimento do governo. A imagem que reproduzo em cima à esquerda era acompanhada desta legenda: Entrada da estação (!?) ferroviária de Coimbra, Portugal, UE (sim, não é na África central). O país que o manifesto dos 13 economistas desconhece...

Não resisto a fazer uma versão pós-TGV desta fotografia. O progresso chega a Coimbra B. E não resisto principalmente devido a um dos seus últimos textos, desta vez sobre as declarações do Ministro das Obras Públicas. Curiosa a redacção milimétrica de Vital Moreira. É natural que, sobre isto, não lhe apeteça dizer mais nada.

Curiosamente...

A liberdade de duvidar



Olhando para trás para os piores períodos, parece-nos sempre que foram tempos em que havia pessoas que acreditavam em algo com fé e dogmatismo absolutos. E levavam tão a sério essas crenças que insistiam em que toda a gente concordasse com elas. E em seguida faziam coisas que estavam em contradição directa com essas próprias crenças apenas para manterem que o que haviam afirmado era verdadeiro. (...)

Esta liberdade de duvidar é uma questão importante em ciência e, creio, também noutros campos. Nasceu de uma luta. Foi uma luta ser permitido duvidar, não ter certezas. Não queria que esquecêssemos a importância dessa luta e, como consequência, que a abandonássemos. Sinto uma grande responsabilidade enquanto cientista que sabe do grande valor de uma filosofia da ignorância e do progresso que essa filosofia tornou possível, progresso esse que é fruto da liberdade de pensamento. Sinto a responsabilidade de proclamar o valor dessa liberdade e de ensinar que não devemos temer a dúvida, mas antes devemos acolhê-la como a possibilidade de um novo potencial para os seres humanos. Se sabemos que não temos a certeza, temos a possibilidade de melhorar as coisas. Quero exigir esta liberdade para as gerações futuras.

Richard P. Feynman*, 1963.
*Prémio Nobel da Física em 1965

Um país que voa baixinho



Depois das eleições legislativas do passado Fevereiro publiquei esta fotomontagem do cartaz eleitoral do PS acompanhada do título de um artigo de Medina Carreira. A imagem que então acompanhava um desabafo meio-esperançado, parece aos meus olhos ganhar uma nova força perante a repetição de episódios que, como dantes, tanto têm martirizado esta fraca democracia.

Não sei se é Portugal, se são os portugueses, se é a sua expressão colectiva, mas transparece-me deste um país de gente infantil. É de resto difícil falar de política uma vez que as leituras do que se diz se inquinam na interpretação daquilo que supostamente somos e que parece ser sempre assumido com uma grande presunção de má fé. Será possível viver numa democracia num país em que todos olham para todos com a desconfiança de “o que tu queres sei eu”? Como a verdade, a cidadania também não mora aqui.

Num país infantil é difícil dizer que se votou no governo e que tal facto não nos pode inibir de o criticar no dia seguinte. Porque numa democracia, naquela onde eu quero viver, um voto não é uma profissão de fé. O voto dos cidadãos não é um cheque em branco para uma ditadura de quatro anos mas sim um depósito de confiança num determinado projecto, num conjunto de ideias e de pessoas.
É assim que, ao contrário do que pensam os infantis, o voto não responsabiliza tanto quem votou mas sim quem recebeu o voto dos cidadãos.

O Partido Socialista venceu estas eleições com maioria absoluta porque, tal como eu, um largo numero de portugueses, mais moderados ou mais desesperados, se mobilizaram para o facto de que o país não poderia continuar a viver tempos de instabilidade política como vinha vivendo. Perante uma direita em convulsões partidárias internas que hoje todos reconhecem e uma esquerda agitada, José Sócrates apresentou-se como a imagem de lucidez e ponderação a que o país se podia agarrar; face às alternativas. Sócrates e o seu grupo político esforçaram-se para não quebrar essa imagem, demonstrando para tal a enorme rigidez de quem estudou a lição mas não está disposto a abrir o livro por um segundo sequer.
E, porque não me julgo nenhum génio, como eu muitos portugueses compreenderam mesmo na hora do voto que a qualidade de trabalho dos estrategas da campanha eleitoral não dava garantias de qualidade do governo que se viria a seguir. Eis então que a democracia também é assim: não se vota a preto e branco em candidatos ou partidos perfeitos; antes no mundo cinzento das realidades possíveis.

Não esqueço os suores de Sócrates no discurso da vitória. Talvez fosse apenas o calor da sala e é injusto presumir mais. Mas faz-me lembrar aquele Robert Redford no final do filme “The Candidate” (1972) ganhando uma eleição que estava perdida à partida. O mesmo nervoso “e agora?” de quem não está à vontade para vestir o seu fato novo parecia-me transparecer daquele Sócrates vitorioso.
A maioria absoluta colhida pelo primeiro ministro e o seu partido devia consciencializá-los de que foram eleitos num momento particularmente dramático; e que a própria maioria resultou dessa dramatização que os portugueses legitimamente sentiram. É que este governo foi eleito para não falhar e para não ter desculpas. Os portugueses não querem ouvir a mesma cantiga do défice daqui a quatro anos, que afinal estamos na mesma, que não tomámos sequer os passos da convergência e muito menos os da seriedade.
Por isso, este governo não pode acenar com a indiscutibilidade parlamentar da maioria absoluta para calar as vozes dos que o chamam à pedra e exigem que preste contas das suas decisões. E é por isso que casos como os da OTA e do TGV são tão exemplares dos problemas que enfermam as decisões políticas em Portugal. Não está em causa (ainda) os empreendimentos em si, que talvez se venham a revelar inteiramente justificáveis, ou não, mediante estudos de análise económica que estão por apresentar. Mas está em causa o facto de que os processos que sustentam essas decisões têm de ser tornados inteiramente transparentes e defendidos pelo rigor e a clareza dos números.
É por isso que campanhas como a que o Abrupto tem conduzido ou outras acções tornadas públicas por pessoas preocupadas com a falta de fundamentação pública de grandes investimentos estatais, não podem ser retorquidas com meias respostas e estudos que teimam em permanecer invisíveis.

O que concluir então de um governo maioritário com todos os meios para dar o exemplo de estabilidade e seriedade, que vem agora reconhecer no caso da OTA só existir um estudo de impacto ambiental, estando por fazer os estudos de impacto económico e financeiro do projecto. Se assim é, como se pode dar a decisão como tomada à partida? Trata-se de mais um degrau descendente no caminho para uma credibilidade política já de si em falência.
O governo começa assim a voar baixinho ao vento de interesses que teimam em permanecer ocultos. Para os portugueses moderados, o desalento começa a ser uma nova forma de normalidade. Até quando?

PODE O GOVERNO SFF COLOCAR EM LINHA OS ESTUDOS SOBRE O AEROPORTO DA OTA PARA QUE NA SOCIEDADE PORTUGUESA SE VALORIZE MAIS A “BUSCA DE SOLUÇÕES” EM DETRIMENTO DA “ESPECULAÇÃO”?

Forest Fires in Europe 2004

Deixo o link para o estudo sobre os incêndios florestais na Europa comunitária produzido pelo Centro Comum de Investigação e da Direcção-Geral do Ambiente:
Forest Fires in Europe, formato PDF em inglês.

Ainda: Comissão Europeia – um papel activo na luta contra os incêndios e contra a seca na UE e European Forest Fire Information System - EFFIS.

Pay’n’pray



A entrada na Sé de Évora começou a ser paga desde o início deste mês. Segundo o semanário Expresso, qualquer pessoa que transponha o átrio e se prepare para entrar no templo é abordada pelos funcionários da diocese que a intimam ao pagamento de um euro, ainda que ela argumente que vai somente rezar.

Na base das razões que levaram Évora a ser reconhecida como cidade património da humanidade está em grande parte a sua herança monumental com raízes que remontam a vinte séculos de história. A Sé-Catedral persiste como um dos mais notáveis edifícios da cidade do período medieval, com origens que datam a 1186.
A Sé está classificada como monumento nacional e é hoje pertença do Estado que está obrigado à sua conservação e restauro. São esses os termos da Concordata assinada entre Portugal e a Santa Sé em Maio de 2004, que refere ainda que em relação a este tipo de edifícios incumbe à Igreja a sua guarda; mas não lhe reconhece o direito de cobrar ingressos.
Como atesta o Expresso, a decisão agora tomada pela diocese é inédita ao nível das catedrais portuguesas classificadas de monumento nacional, como a de Lisboa ou a de Braga. Mas o mais surpreendente é o procedimento seguido pelo presidente do Cabido da Sé, cónego Eduardo Silva. Tendo apresentado ao IPPAR (a 21 de Julho) a sua pretensão de cobrar as entradas na Igreja, o IPPAR deliberou analisar a questão para a qual solicitou um parecer jurídico, posição que mereceu a concordância do clérigo. No entanto, o cónego decidiu antecipar-se às conclusões do parecer jurídico dando ordens para que se começasse já a cobrar as entradas.

É difícil aceitar que, não se tratando de um espaço privado da Igreja e estando o encargo da sua manutenção entregue ao Estado, esta se julgue no direito de cobrar ingressos aos seus visitantes. Num acto de discutível generosidade cristã o cónego Manuel Barros afirmou ainda ao Expresso que, caso o IPPAR não permita cobrar as entradas na Sé, o Cabido será obrigado a manter o templo fechado para apenas o abrir no horário das missas. A tradição, de facto, já não é o que era. Para uma diocese supreendentemente conservadora e pouco capaz de atrair os seus cidadãos o turismo talvez pareça a tábua de salvação. Por fim, talvez só lhes reste transformar toda esta Igreja numa peça de museu, fazendo eles parte do espólio para inglês ver? Para mais, com entrada paga.

Design clichés

Design Clichés, aquelas ideias brilhantes que já toda a gente teve, desde a lâmpada ao aperto de mão. Um artigo sobre os lugares comuns da comunicação visual.

Ainda: design a funcionar no sítio web da Rapha e uma listagem de blogs com aspecto muito recomendável pelas mãos da 9rules Network.

O meu Murcon

De repente sinto-me a escorregar na cadeira, com vontade de mergulhar em almofadas, não sei... Afastar-me desses temas muuuuito importantes que proliferam na blogosfera onde todos andam a resolver os problemas do mundo. O mundo, esse, parece-me sempre na mesma. Sim, de repente apetece-me tornar A Barriga De Um Arquitecto no meu próprio Murcon. Falar para mim e para um grupo de amigos, conhecidos ou não, partilhar comentários e, um dia, sei lá, convidá-los para jantar cá em casa. Sim, o que me apetecia mesmo era tornar este mundo mais pequeno e todos nós num pequeno grupo de amigos. Não sei se a blogosfera consegue fazer isso, mas o Machado Vaz lá anda entretido com as suas coisas, o seu Vergílio, as suas doces tramas. E parece-me o mais feliz, de todos os blogonautas...
Bom fim-de-semana!

Sideways



Miles e Maya são pessoas com bagagem, bem mais interessantes que os seus amigos Jack e Stephanie. Não admira por isso que se envolvam em tantos rodeios, se levantem daqui para ir sentar ali saltitando de tema em tema para evitar encararem-se um ao outro. A certa altura Maya fala da sua paixão pelos vinhos, de como são coisas vivas, sempre diferentes, sempre em transformação. E discorre sobre o tempo da colheita, se fez sol ou se choveu, relembrando as pessoas que fizeram o vinho, quem cuidou e colheu as uvas e se ainda serão vivos. Estão a ver, Sideways não é um filme sobre enologia mas sobre a passagem do tempo nas nossas vidas. Sideways é a história de Miles, um divorciado que não vive há dois anos e é trazido à vida numa viagem pela rota dos vinhos da Califórnia e pelas mãos do seu amigo Jack tão imaturo como encantador. O renascimento de um homem imperfeito lutando consigo mesmo, por vezes burlesco, por vezes apaixonante.
Um excelente filme para uma noite quente de Verão, para acompanhar com um bom vinho tinto e ser tomado em boa companhia.

Ganhar dinheiro

Atelier Churrasqueira: fazem-se projectos na brasa!
Nem Deus faz projectos nem os arquitectos fazem milagres!
(slogans de cartazes improvisados colados nas paredes de gabinetes de arquitectura)

Certa vez, no tempo em que andava na faculdade, dei por mim numa mesa de amigos mais velhos. Um deles virou-se para outro que era arquitecto e disse-lhe que eu estava a estudar arquitectura. A resposta: coitado.
Já se sabe que os arquitectos são uns queixinhas por natureza mas a transição da faculdade para o mundo do trabalho é dolorosamente real. Os baixos salários são reais. A percepção de que se está a produzir muito pouca arquitectura. A revelação que a profissão é uma actividade económica que trabalha com dinheiro a sério!
Por isso chateio-me sempre que oiço a ladaínha do costume: os arquitectos vendem-se por dinheiro. Porque a arquitectura é uma profissão à moda antiga, é um trabalho e um modo de vida. Que mal tem isso?
Nós arquitectos vendemos o nosso saber, tempo, conhecimento, capacidades, talento. A escola devia ser uma ferramenta que nos preparasse para pensar criticamente através de metodologias praticadas, em oposição à ingenuidade aleatória do salve-se quem puder em que todos crescemos. É por isso que agora se inventaram os estágios: porque se esqueceram de nos treinar realmente a ser arquitectos lá dentro.

Com uma competitividade cada vez maior torna-se necessário aumentar a eficiência de tudo o que fazemos e aprendemos para gerar rendimento (e lucro) enquanto se protege o público e se produz arquitectura – a parte difícil. É esse o mundo em que vivemos. As margens de lucro são pequenas a não ser que tenham o vosso próprio negócio, mas aí o risco de perderem as calças é bem real. Por isso temos de enfrentar os factos, especialmente os que trabalham por conta de outrem e têm a porta de saída à vista: temos de realizar trabalho o melhor e o mais rápido possível. Os melhores conseguem fazê-lo, depressa, com precisão e mantendo o estilo e um ar sexy. Os outros ficam a queixar-se de como a profissão lhes anda a ferver os miolos. No meio disto, o que é que fica? Bom, é isso mesmo, é uma selva arquitectónica lá fora e os mais fracos serão devorados.

Arquitectura? Por alguma razão continua a ser a coisa mais importante, porque em tudo o que fazemos devemos fazer o nosso melhor. Sim, os clientes andam à procura do mais barato e os regulamentos municipais são feitos para nos atar as mãos e o vosso patrão quer-vos a espremer e a cumprir prazos de entrega porque essas são as regras do jogo. A recompensa é fazer o melhor que saibam em todas as tarefas colocadas à vossa frente. Detalhe, especificação, escrever, fazer cópias, encomendar clips, esquiçar, desenhar, pesquisar na net, vender, escrever propostas, falar com clientes, reclamar com os empreiteiros, evitar aldrabões, e tudo o mais em que conseguirem meter as mãos. É esse o mundo real da arquitectura, e se não gostam dele dêem meia volta antes de pedir empréstimos ou gastar o dinheiro dos pais.

E no entanto, há esperança. Se forem persistentes encontrarão oportunidades para desenvolver esses músculos de projecto, expandir os vossos conceitos teóricos, experimentar materiais, métodos, planos. Os clientes podem ser persuadidos, os orçamentos e prazos podem ser vencidos, os empreiteiros podem ser amigos (esta pode ser difícil), podem projectar mais e podem gostar do que fazem!
Se não gostam, ouvi dizer que a McDonalds está a recrutar.

Numa cidade perto de si!



Está disponível no Archined uma análise extensa do edifício da Casa da Música de Rem Koolhaas (OMA), da sua concepção à arquitectura final. O texto acompanhado de várias fotografias é um bom teaser, agora que o período de férias permitirá a alguns a visita tanto tempo adiada.

Barriga de Verão

A Barriga De Um Arquitecto estreia hoje uma nova apresentação. Ao contrário do que alguns possam pensar não foi apenas uma vontade em mudar a imagem. Principalmente, tratou-se de adoptar um “template” mais versátil e de configuração simples. E também de tornar a página mais legível.
Infelizmente, e para já, esta alteração implicou o fim dos comentários “pop-up” (numa janelinha separada) na primeira página. O sistema de comentários continua a funcionar mas estes terão de ser acedidos através da página do próprio texto.
Como sempre é possível que as modificações não agradem a todos. Agradeço as vossas críticas. E não espero elogios. Vá, sejam picuínhas, digam o que não gostam ou acham que podia ser melhor. A página lê-se bem? E os links, são demasiados? E que dizer da organização? E as cores? Gostavam mais da página como estava? Porquê? Queixem-se e digam o que vos vier à cabeça. Ou então não.

Antes (clique para ampliar):