Depois das eleições legislativas do passado Fevereiro publiquei esta fotomontagem do cartaz eleitoral do PS acompanhada do título de um artigo de Medina Carreira. A imagem que então acompanhava um desabafo meio-esperançado, parece aos meus olhos ganhar uma nova força perante a repetição de episódios que, como dantes, tanto têm martirizado esta fraca democracia.
Não sei se é Portugal, se são os portugueses, se é a sua expressão colectiva, mas transparece-me deste um país de gente infantil. É de resto difícil falar de política uma vez que as leituras do que se diz se inquinam na interpretação daquilo que supostamente somos e que parece ser sempre assumido com uma grande presunção de má fé. Será possível viver numa democracia num país em que todos olham para todos com a desconfiança de “o que tu queres sei eu”? Como a verdade, a cidadania também não mora aqui.
Num país infantil é difícil dizer que se votou no governo e que tal facto não nos pode inibir de o criticar no dia seguinte. Porque numa democracia, naquela onde eu quero viver, um voto não é uma profissão de fé. O voto dos cidadãos não é um cheque em branco para uma ditadura de quatro anos mas sim um depósito de confiança num determinado projecto, num conjunto de ideias e de pessoas.
É assim que, ao contrário do que pensam os infantis, o voto não responsabiliza tanto quem votou mas sim quem recebeu o voto dos cidadãos.
O Partido Socialista venceu estas eleições com maioria absoluta porque, tal como eu, um largo numero de portugueses, mais moderados ou mais desesperados, se mobilizaram para o facto de que o país não poderia continuar a viver tempos de instabilidade política como vinha vivendo. Perante uma direita em convulsões partidárias internas que hoje todos reconhecem e uma esquerda agitada, José Sócrates apresentou-se como a imagem de lucidez e ponderação a que o país se podia agarrar; face às alternativas. Sócrates e o seu grupo político esforçaram-se para não quebrar essa imagem, demonstrando para tal a enorme rigidez de quem estudou a lição mas não está disposto a abrir o livro por um segundo sequer.
E, porque não me julgo nenhum génio, como eu muitos portugueses compreenderam mesmo na hora do voto que a qualidade de trabalho dos estrategas da campanha eleitoral não dava garantias de qualidade do governo que se viria a seguir. Eis então que a democracia também é assim: não se vota a preto e branco em candidatos ou partidos perfeitos; antes no mundo cinzento das realidades possíveis.
Não esqueço os suores de Sócrates no discurso da vitória. Talvez fosse apenas o calor da sala e é injusto presumir mais. Mas faz-me lembrar aquele Robert Redford no final do filme “The Candidate” (1972) ganhando uma eleição que estava perdida à partida. O mesmo nervoso “e agora?” de quem não está à vontade para vestir o seu fato novo parecia-me transparecer daquele Sócrates vitorioso.
A maioria absoluta colhida pelo primeiro ministro e o seu partido devia consciencializá-los de que foram eleitos num momento particularmente dramático; e que a própria maioria resultou dessa dramatização que os portugueses legitimamente sentiram. É que este governo foi eleito para não falhar e para não ter desculpas. Os portugueses não querem ouvir a mesma cantiga do défice daqui a quatro anos, que afinal estamos na mesma, que não tomámos sequer os passos da convergência e muito menos os da seriedade.
Por isso, este governo não pode acenar com a indiscutibilidade parlamentar da maioria absoluta para calar as vozes dos que o chamam à pedra e exigem que preste contas das suas decisões. E é por isso que casos como os da OTA e do TGV são tão exemplares dos problemas que enfermam as decisões políticas em Portugal. Não está em causa (ainda) os empreendimentos em si, que talvez se venham a revelar inteiramente justificáveis, ou não, mediante estudos de análise económica que estão por apresentar. Mas está em causa o facto de que os processos que sustentam essas decisões têm de ser tornados inteiramente transparentes e defendidos pelo rigor e a clareza dos números.
É por isso que campanhas como a que o Abrupto tem conduzido ou outras acções tornadas públicas por pessoas preocupadas com a falta de fundamentação pública de grandes investimentos estatais, não podem ser retorquidas com meias respostas e estudos que teimam em permanecer invisíveis.
O que concluir então de um governo maioritário com todos os meios para dar o exemplo de estabilidade e seriedade, que vem agora reconhecer no caso da OTA só existir um estudo de impacto ambiental, estando por fazer os estudos de impacto económico e financeiro do projecto. Se assim é, como se pode dar a decisão como tomada à partida? Trata-se de mais um degrau descendente no caminho para uma credibilidade política já de si em falência.
O governo começa assim a voar baixinho ao vento de interesses que teimam em permanecer ocultos. Para os portugueses moderados, o desalento começa a ser uma nova forma de normalidade. Até quando?
PODE O GOVERNO SFF COLOCAR EM LINHA OS ESTUDOS SOBRE O AEROPORTO DA OTA PARA QUE NA SOCIEDADE PORTUGUESA SE VALORIZE MAIS A “BUSCA DE SOLUÇÕES” EM DETRIMENTO DA “ESPECULAÇÃO”?
Um país que voa baixinho
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E porque é que o Abrupto não mostrou interesse pela transparencia quando a decisao foi tomada no governo presidido pelo Durão Barroso?
ResponderEliminarDesconfio muito destas necessidades de transparencia selectivas.
Caro anónimo, tem todo o direito a pensar assim e pôr em causa a isenção de Pacheco Pereira. Mas no essencial, a exigência de transparência é ou não legítima?
ResponderEliminarEssa é que é, parece-me, a questão realmente importante.
Claro que sim.Eu sempre a defendi e apoio quem a defenda.
ResponderEliminarAgora há que separar o trigo do joio.Quem deseja a transparencia conjunturalmente e quem a defenda por principio.
E o que dá a impressao e que de repente o JPP é que é o paladino da
transparencia.Nada demais errado.
Quem defende a transparencia por principio,lutar por ela é natural
como respirar e a respeito de tudo,não só da OTA e TGV.
Olhe a respeito dos fundos estruturais que vieram da Europa.Pugne-se por uma investigação transparente.
Agora transparencias selectivas deixam muito a desejar.