Ganhar dinheiro

Atelier Churrasqueira: fazem-se projectos na brasa!
Nem Deus faz projectos nem os arquitectos fazem milagres!
(slogans de cartazes improvisados colados nas paredes de gabinetes de arquitectura)

Certa vez, no tempo em que andava na faculdade, dei por mim numa mesa de amigos mais velhos. Um deles virou-se para outro que era arquitecto e disse-lhe que eu estava a estudar arquitectura. A resposta: coitado.
Já se sabe que os arquitectos são uns queixinhas por natureza mas a transição da faculdade para o mundo do trabalho é dolorosamente real. Os baixos salários são reais. A percepção de que se está a produzir muito pouca arquitectura. A revelação que a profissão é uma actividade económica que trabalha com dinheiro a sério!
Por isso chateio-me sempre que oiço a ladaínha do costume: os arquitectos vendem-se por dinheiro. Porque a arquitectura é uma profissão à moda antiga, é um trabalho e um modo de vida. Que mal tem isso?
Nós arquitectos vendemos o nosso saber, tempo, conhecimento, capacidades, talento. A escola devia ser uma ferramenta que nos preparasse para pensar criticamente através de metodologias praticadas, em oposição à ingenuidade aleatória do salve-se quem puder em que todos crescemos. É por isso que agora se inventaram os estágios: porque se esqueceram de nos treinar realmente a ser arquitectos lá dentro.

Com uma competitividade cada vez maior torna-se necessário aumentar a eficiência de tudo o que fazemos e aprendemos para gerar rendimento (e lucro) enquanto se protege o público e se produz arquitectura – a parte difícil. É esse o mundo em que vivemos. As margens de lucro são pequenas a não ser que tenham o vosso próprio negócio, mas aí o risco de perderem as calças é bem real. Por isso temos de enfrentar os factos, especialmente os que trabalham por conta de outrem e têm a porta de saída à vista: temos de realizar trabalho o melhor e o mais rápido possível. Os melhores conseguem fazê-lo, depressa, com precisão e mantendo o estilo e um ar sexy. Os outros ficam a queixar-se de como a profissão lhes anda a ferver os miolos. No meio disto, o que é que fica? Bom, é isso mesmo, é uma selva arquitectónica lá fora e os mais fracos serão devorados.

Arquitectura? Por alguma razão continua a ser a coisa mais importante, porque em tudo o que fazemos devemos fazer o nosso melhor. Sim, os clientes andam à procura do mais barato e os regulamentos municipais são feitos para nos atar as mãos e o vosso patrão quer-vos a espremer e a cumprir prazos de entrega porque essas são as regras do jogo. A recompensa é fazer o melhor que saibam em todas as tarefas colocadas à vossa frente. Detalhe, especificação, escrever, fazer cópias, encomendar clips, esquiçar, desenhar, pesquisar na net, vender, escrever propostas, falar com clientes, reclamar com os empreiteiros, evitar aldrabões, e tudo o mais em que conseguirem meter as mãos. É esse o mundo real da arquitectura, e se não gostam dele dêem meia volta antes de pedir empréstimos ou gastar o dinheiro dos pais.

E no entanto, há esperança. Se forem persistentes encontrarão oportunidades para desenvolver esses músculos de projecto, expandir os vossos conceitos teóricos, experimentar materiais, métodos, planos. Os clientes podem ser persuadidos, os orçamentos e prazos podem ser vencidos, os empreiteiros podem ser amigos (esta pode ser difícil), podem projectar mais e podem gostar do que fazem!
Se não gostam, ouvi dizer que a McDonalds está a recrutar.

8 comentários:

  1. Sim, acho que é uma profissão fornicada... mas a realidade não é bem assim.
    Há arquitectos que vendem a sua assinatura quando podiam subsistir de outra forma (dar aulas?); há arquitectos "tubarões" que sorvem avidamente zilhões de encomendas (mesmo sem conseguir dar resposta!!!) enquanto vêem os seus colegas sem trabalho; há arquitectos mais vigaristas do que muitos empreiteiros (o que é difícil...); etc, etc, etc.
    Eu, pessoalmente, vejo-os (ainda) com uma certa desconfiança, principalmente os mais novos.
    No fundo, talvez sejam problemas de uma classe relativamente nova, problemas de juventude... É pena: todos perdemos.

    obvious

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  2. "É esse o mundo em que vivemos." acho que é mais "o país em que vivemos..." onde a cultura visual não existe e onde o trabalho intelectual não é minimamente reconhecido.

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  3. um dos grandes problemas deste pais(exemplo):

    ''Prevê-se que o cartão seja enviado para casa cinco
    dias após o pedido, mas podem ocorrer atrasos, sobretudo no Verão ou em
    épocas festivas, como o Natal, Carnaval e Páscoa.''

    por fim, os atrasos são ao longo de todo o ano...

    janeiro, começa o ano, mas ainda vimos com o balanço do fim de ano...
    fevereiro, temos o carnaval...
    março, abril, temos a pascoa...
    maio, junho e julho, já se começa a pensar nas férias, então é melhor desacelarar o ritmo de trabalho... e fazer umas mini férias...
    agosto, setembro, férias...
    outubro, novembro, trabalha-se mas a pensar nas férias passadas, e á espera que venha o natal...
    dezembro, natal....

    mas afinal que vida é esta???

    há sempre uma desculpa para as coisas não rolarem a todo o vapor:
    eleições, as coisas não andam...!!
    férias, natal, carnaval, pascoa, fim de ano,...!!

    quando é que se começa a pensar como os chineses:
    ''... quando morrermos, logo descansamos...''

    queremos sempre o que os outros teem, mas não fazemos por isso...
    até fazemos,.. comportamo-nos como 'chicos espertos'...
    lamentável..!!
    não há honra, vontade de tratar bem os outros,...

    teodosio

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  4. É essa parte que me assusta! Ser escrava de tubarões, e 'ficar na cave'...

    Mas à parte disto tudo, ri-me quando disseste que havia vagas na McDonalds.

    É que estou sempre a dizer isso!
    Cumprimentos

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  5. "... os empreiteiros podem ser amigos"
    Gostei, particularmente, desta (anedota) ;-)

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  6. É possível ter boas relações com todos, no entanto notei a ausênsia de actores importantes, muito até, na arquitectura, a não ser que os referidos "clientes" incluem o "Estado", mas o papel deste não é só de cliente, pois o seu poder através da várias instâncias e organismos pode ser um mar de tentáculos espinhosos ou de braços abertos e amigos.

    E "... os empreiteiros podem ser amigos", não é anedota de maneira alguma, isto se fores um, tiveres sociedade numa empresa relacionada com a construção ou relações e/ou compromissos profissionais com essa parte da arquitectura, até mesmo podes ser próximo de empreiteiros por outros motivos.

    Outra coisa é ir fazendo o que for possível e aceitável, dentro dos limites do bom senso, numa tentativa de proceder e intervir de forma positiva, prospéctica, de bem servir e o mais cívica possível.

    É difícil, muito até, mas, vai-se tentanto não desesperar, além de que daqui por uns tempos deixamos isto tudo e há que aproveitar este mundo para além do trabalho.

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  7. ..."Há arquitectos que vendem a sua assinatura quando podiam subsistir de outra forma (dar aulas?)"...
    Eu diria: Isso é que não!
    Não serão a metade dos que pelas faculdades andam?
    ...problemas na arquitectura? E no resto?
    Agora é possível constituir uma empresa num dia!! Àh ganda Sócras!! Depois passas 40 dias para que a câmara municipal entregue o teu pedido de informação prévia a outras entidades geridas pelo (sempre)estado... mais 30 dias que têm para te responder, mais isto mais aquilo...
    Só para ir entretendo aqui a malta até às próximas eleições, no meio de negociatas, influencias, tachos...
    Uf! já chega!
    ...mas arquitectos que vendem assinaturas a dar aulas. Não Obrigado!
    Hugo

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  8. É realmente assustador. Todos os anos saem montes de novos arquitectos, carne fresca... e eu pergunto-me o que vou fazer da vida. Nas aulas aprendemos apenas a projectar (aprender também pode ser piada, porque basicamente fazemos aquilo que os nossos professores aceitam como arquitectura) e nada nos prepara para a selva lá fora. Olhando para os professores a vida até parece simples e próspera.

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