O centro do mundo

Se a teoria criacionista, em que se inspirou o "intelligent design" que defende, entre outros absurdos a origem divina do homem é ridícula, é igualmente incompreensível o impulso atávico que leva muita gente a considerar inquestionável a origem simiesca do homem. (...)
Comentário a Por Amor de Deus

Não vou perder tempo a cruzar referências sobre a evolução das espécies ou a apresentar provas da proximidade do código genético humano com o dos outros animais, incluíndo os não-mamíferos. À falta de livros, a internet está aí à vossa frente. Também não faço minha a missão de demonstrar que o evolucionismo não põe em causa a existência de Deus. O que o evolucionismo compromete, e por isso é particularmente irritante a defesa do criacionismo, é o lugar do homem no mundo.

Tal como Copérnico retirou a Terra do centro do Sistema Solar para grande comoção da Igreja, também Darwin retirou o ser humano do centro do mundo. Se o homem resulta de um longo processo de selecção natural, se não é resultado de uma criação divina directa, então dificilmente poderá arrogar-se a ter sido feito “à imagem de Deus”. Infelizmente, atrás de Darwin vieram as grandes descobertas do último século no campo da genética e a descodificação do ADN, que demonstraram as ramificações da transformação da vida no nosso pequeno planeta.

Esta gente que odeia a ciência por ter-nos tornado orfãos de uma determinada ideia de religião nunca perdoará a Darwin tamanha afronta. Como disse Munari, cada um vê aquilo que sabe. E muitas pessoas são incapazes de ver que, graças à ciência, somos das primeiras gerações da história do homem a ter uma visão abrangente da origem do universo e dos seus longos processos de formação; e do aparecimento e evolução da vida na Terra. Claro que a ciência é o que é e não se destina, como sabem os cientistas, a responder às perguntas sobre a nossa realidade imaterial que são por vezes as mais importantes. Mas ela dá-nos a conhecer uma explosão de matéria e energia inimaginável que deu origem à primeira geração de elementos do universo. Uma matéria que pelas regras finas que regem a sinfonia cósmica se agrupou e consumiu em novos processos que deram origem às primeiras estrelas, e depois num processo de longos milhões de anos, aos planetas. O mapa desse universo é uma carta supreendentemente simples que nós desenhámos na tabela periódica.

Um dos elementos mais mágicos e misteriosos que existem no universo é, claro, a vida. Constatamos então que, em determinadas circunstâncias muito particulares, com a presença dos elementos certos e a correcta exposição a uma fonte de energia, um sol, e a presença de água, a vida acontece. É certo que o único modelo que conhecemos de existência da vida é o nosso planeta, mas dele podemos constatar um processo e dele retirar probabilidades. Por isso se supõe que a vida possa existir noutros planetas, se bem que as probabilidades de alguma vez nos cruzarmos no espaço e no tempo sejam muito diminutas. Mas a pergunta verdadeiramente importante a respeito da vida é: porquê? Para que serve? Esta é uma pergunta que a ciência talvez não possa responder, mas é uma pergunta legítima. Será a vida um processo residual do universo, ou pelo contrário, será o universo uma complexa estrutura destinada a, em determinadas circunstâncias especiais, suportar o aparecimento da vida?

É uma pergunta importante para a qual não temos resposta. No entanto, a mera possibilidade presente na segunda hipótese é uma porta aberta à existência de Deus, não o da nossa cultura mas algo para o qual não fomos dotados de capacidade sequer de vislumbrar. Seja como for, essa é a possibilidade maravilhosa que nos faz continuar a acreditar que existe algo de especial neste universo, que os cientistas não descartam mas antes acarinham. Neste lugar do cosmos, somos uma entre muitas espécies abençoadas com a vida, esse bem precioso e raro que é tão fértil no nosso planeta, e que é das melhores razões para continuarmos a acreditar em alguma coisa.

8 comentários:

  1. Caro Daniel Carrapa,

    1.«É compreensível que alguns achem discutível o facto de que somos descendentes dos macacos. Suponho que essas pessoas nunca tenham visto o “Fiel ou Infiel” na TVI.»Esta frase é sua. Presumo que inclua no grupo a chusma de primatóides que se baba e delicia com semelhantes programas de TV.

    2."Esta gente..." como você se refere a determinadas pessoas que não pensam como você, nem como eu, é uma forma de discurso há muito adoptado pelos escravos do pensamento único. Neste pequeno planeta, como você diz, tem que haver espaço para outras opiniões que não a sua. Ou a minha.

    3. Que Darwin tenha demonstrado com sucesso que os ingleses descendem dos macacos, não me obriga a mim nem a ninguém a deixar de questionar, com isenção, espírito crítico e sem aceitar nada como "garantido", qual a verdadeira origem da Humanidade. Talvez aí, meu caro, ao descobrir-se a verdadeira origem do Humanidade se vislumbre uma réstea de esperança sobre a previsão do seu destino, como dizia Carl Sagan. Nesta Terra ou noutra qualquer.
    Cumprimentos

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  2. Caro Afonso Henriques, não vou perder um segundo das minhas férias com a sua falta de sentido de humor nem estou para aturar lições de tolerância vindas de si. Ficam estas linhas apenas para lhe dizer que também para si, há esperança. Já que cita Carl Sagan, recomendo-lhe a leitura de um dos seus livros. Que tal, Os Dragões do Éden. Para começar.

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  3. Que texto formidável!
    Aqui, onde me lês, tiro-te com toda a convicção o meu chapéu.
    Um abraço.
    ZM

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  4. Tinha colocado um comentário no post original, mas não apareceu. Era só para referir o livro "O Polegar do Panda" do Stephen J. Gould. Recomendo vivamente a quem tenha dúvidas sobre a evolução.
    Um abraço.
    ZM

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  5. Não resisto a deixar este comentário :-)
    Em primeiro lugar, de acordo obviamente, de acordo com o autor do blog!
    Gostava só de deixar também duas notas. Por um lado para dizer que a fé em Deus não necessita de razões, quaisquer razões, nem sequer as científicas. E a existência de Deus é do domínio exclusivo da fé. É isto que muitos crentes não conseguem perceber. É isto que muitas religiões não conseguem transmitir eficazmente. Verdade revelada, unicidade, devoção, são palavras fortes com as quais a maior parte das pessoas não aprende a lidar no decurso de uma vida...
    Por outro lado, para dizer o seguinte: a ciência era a paixão de Einstein. Conheço dele esta citação, de que me lembro sempre: "Bem-aventurados os imbecis, que não acreditam em nada." Porque era a sua paixão, o seu retorno, era também o seu sentido. Efectivamente as pessoas precisam de sentido. Pessoalmente não vejo sentido na ideia de Deus. Penso que é preciso ter serenidade para aceitar que na vida, no mundo, no universo, também "há lugar" para um pouco de vazio.

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  6. Que troca de galhardetes tão interessante!!
    Presumo, caro Daniel Carrapa, que tenha perdido o tal segundo, com a falta de sentido de humor de Afonso Henriques, quando ainda não estava de férias...
    E já que estamos em maré de aconselhamento literário, a Paula Bobone também ensina umas coisas, ouvi dizer. Parece que, cuspir para o ar, além de ser uma porcaria e socialmente incorrecto, também é um risco enorme, de acordo com Newton...

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  7. Afinal não é só o Homem que está no centro do universo. O Afonso, a Sofia e a Paula, também lá estão, a lutar furiosamente pelo melhor lugar.
    A Paula não cospe para o ar e os outros só cospem quando está vento. De acordo com Newton, o risco é menor (para o próprio). -- JRF

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