Quinta-feira
O meu recente texto intitulado Não Pagamos recebeu algumas reacções, sendo as mais notáveis as dos blogues O Observador e Tempestade Cerebral, aos quais agradeço e que me motivaram este regresso ao tema.
O texto do André Amaral n’O Observador (ler Não Está Certo) é mais provocador mas menos consequente. Os cabelos brancos que começam a aparecer-me já me aconselham a não acusar o toque de recalcamentos salazaristas. As minhas ideias sobre a matéria partilho-as de resto com todos aqueles que defendem o equilíbrio entre o mercado e o estado baseado na defesa de uma ideia de justiça social e de igualdade de oportunidades. Respeito que possamos ter diferentes entendimentos do significado destes conceitos e o André tem todo o direito a catalogar-me de socialista em termos que suponho sejam pejorativos. Mas o facto de apontar o meu socialismo ou a minha forma de pensar recalcada dos tempos do estado novo (permita-me discordar) não define em si mesmo nada de concreto: nada que demonstre que essa forma de pensar seja objectivamente boa ou má.
Seja como fôr, o caso concreto do financiamento do ensino superior se revelar numa imposição feita a todos os cidadãos segundo um conceito discutível do que é a justiça social, e que isso “está” ou “não está certo” é uma consideração irrelevante. Por uma razão simples, vivemos em democracia e os cidadãos escolherão em cada momento o modelo social do governo que quiserem eleger. E se os cidadãos decidirem optar por um modelo de ausência total de financiamento do ensino superior, então seja e aplique-se, independentemente de eu poder achar que “não está certo”, sendo que terei de aceitar a sua legitimidade democrática. O que não significa que não faça campanha pela tese contrária.
Os outros aspectos abordados pelo André foram mais desenvolvidos no Tempestade Cerebral e por isso percorro-os mais à frente. Fica apenas a minha discordância com a ideia de que uma das grandes causas do insucesso escolar se deva à desresponsabilização do aluno que não tem de pagar o seu ensino. Assumir que o ensino superior gratuito é uma “grande causa” de insucesso escolar é uma suposição perfeitamente discutível e julgo existirem fortes razões estruturais no nosso sistema de ensino bem mais centrais ao problema do insucesso do que a questão da responsabilização do aluno no pagamento directo do seu curso superior.
O blog Tempestade Cerebral desenvolveu uma resposta (ler Financiamento do "Ensino" Público II) que me pareceu mais interessante pela honestidade intelectual e a clareza de argumentos que apreciei e li com atenção. Foi o seu texto de resto que me motivou a responder, porque discordo daquilo que me parece ser uma visão parcial do problema e que contém em si a génese de uma certa insensibilidade perante o que é a causa pública. Permitam-me que diga porquê.
BrainstormZ (como subscreve o texto) faz uma distinção clara entre os modelos de economia liberal e socialista. Sublinha depois o facto do modelo socialista promover uma maior estrutura estatal, que resulta numa sobrecarga fiscal sobre os contribuintes. Conclui que essa sobrecarga constitui uma perda directa de liberdade dos cidadãos, que deixam de poder aplicar directamente os seus recursos financeiros passando o estado a fazê-lo por estes. Eu reconheço este facto mas sou incapaz de ignorar (como faz BrainstormZ) que existem ganhos para o cidadão que resultam dessa aplicação estatal. Por isso me parecem demasiado simplistas as afirmações seguintes:
A sociedade baseada numa "estrutura comum" era designada por comunista e deixou de funcionar!!! "A sociedade funciona" quando cada indivíduo é livre de seguir os seus interesses. (...)
Resumindo, a sociedade funciona melhor ou pior dependendo do nível de controlo estatal - quanto mais próximo do comunismo, pior!
Suponho que BrainstormZ conclua a seguinte ideia: sendo o modelo comunista que exerce maior controlo estatal o “pior”, o modelo liberal que exerce o menor controlo estatal será então o “melhor”. Nas suas palavras, um estado socialista retira, via impostos, liberdade de escolha aos seus cidadãos. Mas BrainstormZ só identifica as perdas, não reconhecendo (no seu texto) quaisquer ganhos da estrutura social estatal. Penso que isto resulta de uma ideia liberal que mitifica as virtudes do mercado livre mas é incapaz de reconhecer as suas limitações, nomeadamente ao nível social. Vejamos o que escreve BrainstormZ:
Tiro o telemóvel do bolso e uso uma rede paga pelos clientes da operadora móvel. Ligo a televisão e vejo um programa pago pelos anunciantes desse canal. Entro no carro e chego ao Porto em 3 horas porque uso uma auto-estrada paga com o dinheiro das portagens. Publico um texto no blogosfera e uso uma infra-estrutura paga pelos clientes da ISP (Internet Service Provider). Etc, etc, etc...
(...)
Se o Daniel conseguiu compreender o que neste post escrevi, facilmente perceberá que a "existência de uma sociedade colectiva" não depende do Estado mas, sim, do que Adam Smith afirmou ser a "mão invisível" de uma economia de mercado: ao defendermos os nossos interesses estamos a contribuir para o bem-estar de outros. Não fui eu o produtor da casa onde vivo, das roupas que visto ou do computador onde escrevo este post. Mas, porque existiam empresários interessados em seguir os seus próprios interesses, hoje o meu bem-estar é exponencialmente superior. Não vivemos em cavernas porque as nossas necessidades são melhor servidas quando existe um mercado para adquirir, por mútuo acordo, os bens que as satisfazem. Uma sociedade colectiva é resultado da acção humana.
Esta argumentação é verdadeira mas escapa-lhe uma parte do problema. Como sempre a realidade é complexa. O que escreveu BrainstormZ só faz sentido do ponto de vista do cidadão de Lisboa ou dos grandes centros urbanos. Mas o habitante de Freixo de Espada à Cinta ou de Cuba do Alentejo tem o mesmo direito dos cidadãos de Almada ou do Cacém em ter uma estrada que o leve até ao hospital mais próximo, ter um transporte colectivo que leve os seus filhos para a escola, ter electricidade em casa e água tratada a saír das torneiras. E a questão coloca-se então nos próprios termos de BrainstormZ: “as nossas necessidades são melhor servidas quando existe um mercado para adquirir, por mútuo acordo, os bens que as satisfazem”. Mas o que fazer quando o mercado não encontra qualquer vantagem em satisfazer as nossas necessidades, especialmente quando estas se referem a direitos fundamentais dos cidadãos (daqueles que estão consagrados na Constituição da República Portuguesa)?
Alguns textos que vou pontualmente escrevendo a defender o estado ou a importância da causa pública não pretendem ser um ataque à economia de mercado. Se me sinto motivado a escrever sobre o estado é por sentir que a actual evolução da sociedade portuguesa (e europeia) se desenvolve no sentido das tendências económicas mais liberais que favorecem a desconstrução do estado naquilo que ele tem de mais essencial. E por isso me preocupa a constante degradação dos serviços públicos sob a batuta de um discurso miserabilista, descompondo o estado a caminho de uma realidade que não se sabe bem o que é nem qual será a sua sustentabilidade futura. Essa realidade que alguns proclamam endeusando as virtudes do mercado livre dessa nova “liberal democracia” cujo motor é simplesmente económico e não motivado por reais valores de cidadania (
a pessoa humana como primado da acção política).
Ignorando as perversões que resultam do livre-arbítrio do mercado, os liberais parecem querer esquecer que o mercado é selectivo em relação aos seus interesses: a prioridade do mercado é satisfazer os seus interesses e não necessariamente os dos outros. Mais: mesmo nos seus mecanismos de auto-regulação, o mercado ignora os custos humanos decorrentes. O caso do ensino superior (que originou esta reflexão) é um bom exemplo disto. Podemos dizer que o estado não tem de definir quais os cursos que devem ou não devem existir. Se existir procura para determinados cursos, o mercado produzirá oferta. E se esses cursos não tiverem saída profissional, a procura por eles diminuirá e esses cursos acabarão por desaparecer. Mas no caminho desses processos existem cidadãos a hipotecar o seu futuro na expectativa de adquirir um grau superior, mesmo que ele acabe por não servir a ninguém: nem ao estudante nem ao país (e servindo assim apenas o mercado). E tudo isto porque o estado não desenvolve nenhuma visão estratégica daquilo que pretende para o ensino superior em moldes que sejam de alguma utilidade para o futuro do país.
Para concluir, resta-me dizer que não reconheço ter uma visão exclusivamente financeira da questão do ensino superior. Qualquer raciocínio é selectivo e por isso passível de caír na simplificação. A realidade é sempre mais complexa e ficaria aqui a escrever um tratado para abordar todos os aspectos do problema. Mas não posso deixar de dizer que no que diz respeito ao estado não sou a favor de fugas para a frente nem de ilusionismos que não olhem para essa complexa realidade. E preocupa-me por isso que o motor das transformações que vamos vivendo seja um partido que têm na sua génese Sá Carneirista um posicionamento
entre o centro esquerda e centro direita, numa procura de equilíbrio entre as pulsões liberais e os fundamentos da social-democracia (essa que o PSD parece ter colocado também há muito na gaveta). Esse abandono pode muito bem acabar por conduzir-nos da falência do Estado-Providência para o que pode bem vir a ser a falência de um Estado-Neoliberal. A que preço? Ninguém sabe. E espero nunca chegarmos a saber.
[grandes, muito grandes]
Quinta-feira
Quem tenha obsessão com o tamanho pode deliciar-se com esta exposição online do MoMA – Museum of Modern Art. Edifícios grandes, muito grandes.
Um dos projectos apresentados é a proposta do Richard Meier para o World Trade Center. Continuo a achar o edifício sensacional e é uma pena que não venha a ser construído. Uma das coisas que me agradou logo foi quebrar a obsessão com a altura, não se querer afirmar como “ainda mais alto” mas antes como uma peça icónica de cidade. O edifício resultaria do cruzamento de formas monolíticas horizontais e verticais, dois objectos justapostos sem se tocar. A sua concepção inovadora e ao mesmo tempo minimal continua a encantar-me. Para além disso, é também uma engenhosa solução funcional para os problemas de segurança. Uma bela peça de arquitectura que nunca chegará a ser construída.
Quem tenha obsessão com o tamanho pode deliciar-se com esta exposição online do MoMA – Museum of Modern Art. Edifícios grandes, muito grandes.
Um dos projectos apresentados é a proposta do Richard Meier para o World Trade Center. Continuo a achar o edifício sensacional e é uma pena que não venha a ser construído. Uma das coisas que me agradou logo foi quebrar a obsessão com a altura, não se querer afirmar como “ainda mais alto” mas antes como uma peça icónica de cidade. O edifício resultaria do cruzamento de formas monolíticas horizontais e verticais, dois objectos justapostos sem se tocar. A sua concepção inovadora e ao mesmo tempo minimal continua a encantar-me. Para além disso, é também uma engenhosa solução funcional para os problemas de segurança. Uma bela peça de arquitectura que nunca chegará a ser construída.
[não pagamos]
Quinta-feira
(...)o ensino (tanto público como o privado) não são de borla e não há varinha mágica que torne o público em gratuito. Terá sempre de ser pago por alguém.
A questão é quem? Quem estuda, quer possa ou não possa pagar, ou todos, mesmo os que não estudam e os que não podem pagar?
Comentário de André Amaral.
Escrevi no texto anterior que era a favor de um ensino público inteiramente gratuito. André colocou esta pergunta que é legítima e à qual apresento os meus argumentos.
Eu acredito que para existir uma sociedade estável existem bens comuns que nos cabem a todos construir e preservar. E acredito que numa sociedade democrática cumpre ao Estado exercer esse papel, e cumpre aos cidadãos contribuirem para o reforço dessa grande entidade pública através de impostos.
Vamos então aos princípios da questão. Porque é que havemos de pagar impostos. Se eu ou os meus filhos não frequentam aquela Universidade, porque é que eu hei-de pagar para ela existir. Se eu nunca vou utilizar aquela ponte, porque hei-de pagar para a construir? Para mim a resposta é simples. Porque queremos viver numa coisa a que possamos chamar de País.
O que estou a dizer é isento de qualquer ironia. Se iniciarmos uma actividade e tivermos o mérito de a tornar rentável, isso não implica que a razão do sucesso seja inteiramente nossa. A sociedade funciona porque usamos uma estrutura comum. Tornámo-nos assim porque fomos à escola e não tiveram de ser os nossos pais a construí-la. Quando estávamos doentes fomos ao hospital e os nossos pais não o tiveram de o pagar sozinhos. Hoje andamos em estradas pagas por todos, levantamos o telefone e usamos uma rede paga por todos, abrimos a torneira e pagámos colectivamente a construção das infra-estruturas. Somos sucedidos porque vivemos numa sociedade para a qual todos devemos contribuir, colectiva e proporcionalmente às nossas capacidades.
E aqui está o princípio da resposta que sou capaz de dar à pergunta que me fez. O público não é gratuito, é pago por todos na medida das suas capacidades. Claro que quem não pode pagar não deve pagar, e quem pode pagar pouco deve pagar um pouco, não apenas para o que usa mas para a construção dessa sociedade colectiva.
E quem ganha muito deve pagar mais na proporção das suas capacidades e com reconhecimento da justiça dos seus méritos.
E isto para mim aplica-se às coisas que julgo serem essenciais para existir um Estado e um País: o Ensino, a Justiça, a Saúde e várias outras coisas que têm interesse público e para as quais todos deviamos conjuntamente contribuir.
E porquê as Universidades? Se os alunos que lá estão é que vão ser beneficiados, porque havemos todos de pagar para eles?
Para mim, a resposta também é simples. Se acreditamos que o ensino universitário é util para o país e que o enriquece, então cabe a todos financiá-lo. E se o país funcionar, esses futuros universitários encontrarão o seu “emprego melhor” e pagarão mais impostos que ajudarão, no seu percurso de vida útil, a enriquecer o futuro do país em que vivem (e a compensar os benefícios que tiveram). Repito, num país que funciona investir no ensino é investir num futuro melhor e mais rico para todos.
E agora deixamos a questão dos princípios e passamos para o País real. Será justo pagar esses impostos quando a estrutura pública vai revelando, ao longo de décadas, uma total incompetência na gestão da coisa pública. Será justo pagar se as escolas não têm qualidade, se os tribunais não funcionam, se os hospitais são débeis. E se os que mais ganham conseguem arranjar forma de pagar menos e os que menos ganham acabam por ter de pagar mais por isso. Talvez não, reconheço. Mas se o Estado gere mal os seus recursos, isso é razão para lhe retirar as responsabilidades, ou devemos antes exigir que essa gestão seja melhor? E como?
Eu também não sei responder completamente. Mas se deixarmos de contribuir para a existência de uma sociedade colectiva, o que fica no fim? É injusto pagar impostos? E que tal não pagá-los de todo? A cada um o seu dinheiro, o seu saber, a sua medicina, a sua segurança e a sua vida. E depois talvez acabemos todos por voltar às cavernas.
(...)o ensino (tanto público como o privado) não são de borla e não há varinha mágica que torne o público em gratuito. Terá sempre de ser pago por alguém.
A questão é quem? Quem estuda, quer possa ou não possa pagar, ou todos, mesmo os que não estudam e os que não podem pagar?
Comentário de André Amaral.
Escrevi no texto anterior que era a favor de um ensino público inteiramente gratuito. André colocou esta pergunta que é legítima e à qual apresento os meus argumentos.
Eu acredito que para existir uma sociedade estável existem bens comuns que nos cabem a todos construir e preservar. E acredito que numa sociedade democrática cumpre ao Estado exercer esse papel, e cumpre aos cidadãos contribuirem para o reforço dessa grande entidade pública através de impostos.
Vamos então aos princípios da questão. Porque é que havemos de pagar impostos. Se eu ou os meus filhos não frequentam aquela Universidade, porque é que eu hei-de pagar para ela existir. Se eu nunca vou utilizar aquela ponte, porque hei-de pagar para a construir? Para mim a resposta é simples. Porque queremos viver numa coisa a que possamos chamar de País.
O que estou a dizer é isento de qualquer ironia. Se iniciarmos uma actividade e tivermos o mérito de a tornar rentável, isso não implica que a razão do sucesso seja inteiramente nossa. A sociedade funciona porque usamos uma estrutura comum. Tornámo-nos assim porque fomos à escola e não tiveram de ser os nossos pais a construí-la. Quando estávamos doentes fomos ao hospital e os nossos pais não o tiveram de o pagar sozinhos. Hoje andamos em estradas pagas por todos, levantamos o telefone e usamos uma rede paga por todos, abrimos a torneira e pagámos colectivamente a construção das infra-estruturas. Somos sucedidos porque vivemos numa sociedade para a qual todos devemos contribuir, colectiva e proporcionalmente às nossas capacidades.
E aqui está o princípio da resposta que sou capaz de dar à pergunta que me fez. O público não é gratuito, é pago por todos na medida das suas capacidades. Claro que quem não pode pagar não deve pagar, e quem pode pagar pouco deve pagar um pouco, não apenas para o que usa mas para a construção dessa sociedade colectiva.
E quem ganha muito deve pagar mais na proporção das suas capacidades e com reconhecimento da justiça dos seus méritos.
E isto para mim aplica-se às coisas que julgo serem essenciais para existir um Estado e um País: o Ensino, a Justiça, a Saúde e várias outras coisas que têm interesse público e para as quais todos deviamos conjuntamente contribuir.
E porquê as Universidades? Se os alunos que lá estão é que vão ser beneficiados, porque havemos todos de pagar para eles?
Para mim, a resposta também é simples. Se acreditamos que o ensino universitário é util para o país e que o enriquece, então cabe a todos financiá-lo. E se o país funcionar, esses futuros universitários encontrarão o seu “emprego melhor” e pagarão mais impostos que ajudarão, no seu percurso de vida útil, a enriquecer o futuro do país em que vivem (e a compensar os benefícios que tiveram). Repito, num país que funciona investir no ensino é investir num futuro melhor e mais rico para todos.
E agora deixamos a questão dos princípios e passamos para o País real. Será justo pagar esses impostos quando a estrutura pública vai revelando, ao longo de décadas, uma total incompetência na gestão da coisa pública. Será justo pagar se as escolas não têm qualidade, se os tribunais não funcionam, se os hospitais são débeis. E se os que mais ganham conseguem arranjar forma de pagar menos e os que menos ganham acabam por ter de pagar mais por isso. Talvez não, reconheço. Mas se o Estado gere mal os seus recursos, isso é razão para lhe retirar as responsabilidades, ou devemos antes exigir que essa gestão seja melhor? E como?
Eu também não sei responder completamente. Mas se deixarmos de contribuir para a existência de uma sociedade colectiva, o que fica no fim? É injusto pagar impostos? E que tal não pagá-los de todo? A cada um o seu dinheiro, o seu saber, a sua medicina, a sua segurança e a sua vida. E depois talvez acabemos todos por voltar às cavernas.
[contra os canhões mentir, mentir]
Quinta-feira
Não deve ser fácil ser polícia das forças de intervenção. A maioria das vezes encontram-se em inferioridade numérica pelo que são treinados para lidar com a desvantagem. A estratégia é simples: avanço ruidoso com o objectivo de criar a debandada geral. Claro que, pelo caminho, tudo o que se atravessar à frente se arrisca a levar com o cacetete, do jovem turbulento à velhinha que atravessa a rua.
Um dos episódios mais caricatos e exemplares a que já assisti de uma intervenção policial passou-se no tempo das manifestações da Ponte 25 de Abril, quando o governo de Cavaco Silva quis promover o aumento das portagens. Como quase todos se lembrarão foram dias seguidos de manifestações, buzinões, passar portagem sem pagar, todas as diatribes e mais algumas.
Numa das noites reuniu-se uma manifestação de motards, na zona conhecida por “garrafão”. E lá andavam os rapazes de mota de um lado para o outro a exibir-se perante as forças de intervenção que estavam em fileira, quietas à espera da ordem de avançar e dos jornalistas que transmitiam tudo pela televisão.
A ordem chegou passado pouco tempo e os polícias avançaram ruidosamente em direcção ao grupo de motoqueiros. A debandada inicia-se, as motas aceleram e todos fogem para a ponte em direcção a Lisboa. Todos, menos uma motinha de baixa cilindrada onde, visivelmente, um rapaz jovem tentava ligar a ignição dando desesperadamente ao pedal, enquanto a sua namorada se segurava a ele por detrás, em visível pânico. E o rapaz pedala e pedala e a mota nada, até que a polícia chega junto deles e o rapaz com a namorada pura e simplesmente ficam quietos como se se rendessem, quase como se pedissem desculpa por existir.
E a polícia de intervenção, que está treinada para debandar uma multidão mas que não sabe o que fazer perante um manifestante solitário, cercou a mota e começou a arrear no casalinho com os cacetetes. Eis então que a situação parecia estranhamente invertida. Como uma súbita inversão de papéis, os vândalos de mota davam lugar a vândalos polícias, com sete ou oito matulões à pancada a um casal imberbe montado numa acelera.
Nunca mais me esqueci deste episódio. Sem estar aqui a atacar a importância do trabalho das forças de intervenção, a verdade é que o trabalho de “repor a ordem” não pode estar nas mãos de vândalos que varrem tudo o que têm na frente. Não estou a dizer que seja um trabalho fácil, mas estas pessoas têm de ser capazes (e especificamente treinadas para isso) de ajuizar lucidamente sobre a situação que enfrentam em cada momento. O que, como sabemos, raramente acontece.
A luta contra as propinas é uma das bandeiras mais apelativas para puxar pelos estudantes universitários. Quando toca ao bolso todos se queixam e os estudantes não são excepção. Eu também defendo que o ensino público, incluindo o universitário, seja gratuito. E quando digo gratuito digo gratuito mesmo, de borla, nem sequer um euro de propinas. Mas reconheço que o problema das propinas é, a maior parte das vezes, uma bandeira politizada como forma de agitar a malta, neste caso uma malta cheia de samaritanismo e vontade de abraçar uma causa qualquer. E que as associações de estudantes, muitas vezes, pouco contribuem para a discussão em torno da melhoria da qualidade do ensino, limitando-se a acenar com a guerra das propinas como forma de mostrar que está a trabalhar para o pessoal.
Seja como for, e ache eu o que achar, a verdade é que a manifestação de Coimbra correu mal. Perante a ameaça de invasão estudantil no Senado (que aprovou a propina máxima de 800 euros) foi preparada uma forte presença policial em torno do edifício. A situação culminou com uma carga policial e o lançamento de gás-pimenta sobre a multidão. O resultado foi a detenção de um estudante de jornalismo (acusado de agressão a um polícia) e seis feridos entre os estudantes que receberam tratamento hospitalar.
Perante isto, a polícia descreveu o ocorrido como uma “normal operação de contenção” e o ministro da Administração Interna Daniel Sanches afirmou não ter havido qualquer carga policial. Acrescentou que não tinha ouvido falar de gás nenhum, apesar de imagens da SIC fazerem prova de tudo o que ocorreu.
Julgo que é legítimo termos dúvidas em relação ao que se passou. Os estudantes excederam-se? Iniciaram a violência? Não é fácil responder, mas o ministro também não parece muito interessado preferindo fazer mais um exercício de fantasia em relação à actuação das forças políciais. Uma coisa é certa, honestidade não parece ser o lema do governo.
Tudo isto é exemplar de um dos problemas que resultam da falta de cultura democrática. A fixação das pessoas, especialmente grave nos agentes políticos, numa determinada posição política e na sua defesa, alterando a realidade para se encaixar nessa posição em vez de alterar a sua posição em função da realidade.
É uma forma de desonestidade individual e colectiva que corrói tudo o que pode haver de verdadeiro na sociedade democrática. E perante isto, a partir do momento em que alguém decide que é liberal ou conservador ou verde ou pelo aborto ou contra as girafas no jardim zoológico, nenhuma prova em contrário conseguirá entrar no cérebro desta pessoa. Ou, por assim dizer, todas as evidências serão manipuladas, invertidas e ajustadas até um “facto redondo” caber num “buraco quadrado”. A “verdade” torna-se maleável, como se por se afirmar que não se ouviu falar de uma coisa, ela pura e simplesmente não tivesse existido e se esfumasse no tempo.
E já agora, alguém viu por aí um Presidente da República?
[Um Detido e Vários Feridos em Confrontos Entre Polícia e Estudantes via Público]
[Coimbra: Vigília de solidariedade com estudante detido retomada às 09h30 via Público (ligações a outros artigos ao fundo do texto)]
[A vergonha, via A Cabra - Jornal Universitário de Coimbra (ligações a outros artigos na página principal do site)]
[Estudantes recebidos com carga policial, via As Beiras Online]
Não deve ser fácil ser polícia das forças de intervenção. A maioria das vezes encontram-se em inferioridade numérica pelo que são treinados para lidar com a desvantagem. A estratégia é simples: avanço ruidoso com o objectivo de criar a debandada geral. Claro que, pelo caminho, tudo o que se atravessar à frente se arrisca a levar com o cacetete, do jovem turbulento à velhinha que atravessa a rua.
Um dos episódios mais caricatos e exemplares a que já assisti de uma intervenção policial passou-se no tempo das manifestações da Ponte 25 de Abril, quando o governo de Cavaco Silva quis promover o aumento das portagens. Como quase todos se lembrarão foram dias seguidos de manifestações, buzinões, passar portagem sem pagar, todas as diatribes e mais algumas.
Numa das noites reuniu-se uma manifestação de motards, na zona conhecida por “garrafão”. E lá andavam os rapazes de mota de um lado para o outro a exibir-se perante as forças de intervenção que estavam em fileira, quietas à espera da ordem de avançar e dos jornalistas que transmitiam tudo pela televisão.
A ordem chegou passado pouco tempo e os polícias avançaram ruidosamente em direcção ao grupo de motoqueiros. A debandada inicia-se, as motas aceleram e todos fogem para a ponte em direcção a Lisboa. Todos, menos uma motinha de baixa cilindrada onde, visivelmente, um rapaz jovem tentava ligar a ignição dando desesperadamente ao pedal, enquanto a sua namorada se segurava a ele por detrás, em visível pânico. E o rapaz pedala e pedala e a mota nada, até que a polícia chega junto deles e o rapaz com a namorada pura e simplesmente ficam quietos como se se rendessem, quase como se pedissem desculpa por existir.
E a polícia de intervenção, que está treinada para debandar uma multidão mas que não sabe o que fazer perante um manifestante solitário, cercou a mota e começou a arrear no casalinho com os cacetetes. Eis então que a situação parecia estranhamente invertida. Como uma súbita inversão de papéis, os vândalos de mota davam lugar a vândalos polícias, com sete ou oito matulões à pancada a um casal imberbe montado numa acelera.
Nunca mais me esqueci deste episódio. Sem estar aqui a atacar a importância do trabalho das forças de intervenção, a verdade é que o trabalho de “repor a ordem” não pode estar nas mãos de vândalos que varrem tudo o que têm na frente. Não estou a dizer que seja um trabalho fácil, mas estas pessoas têm de ser capazes (e especificamente treinadas para isso) de ajuizar lucidamente sobre a situação que enfrentam em cada momento. O que, como sabemos, raramente acontece.
A luta contra as propinas é uma das bandeiras mais apelativas para puxar pelos estudantes universitários. Quando toca ao bolso todos se queixam e os estudantes não são excepção. Eu também defendo que o ensino público, incluindo o universitário, seja gratuito. E quando digo gratuito digo gratuito mesmo, de borla, nem sequer um euro de propinas. Mas reconheço que o problema das propinas é, a maior parte das vezes, uma bandeira politizada como forma de agitar a malta, neste caso uma malta cheia de samaritanismo e vontade de abraçar uma causa qualquer. E que as associações de estudantes, muitas vezes, pouco contribuem para a discussão em torno da melhoria da qualidade do ensino, limitando-se a acenar com a guerra das propinas como forma de mostrar que está a trabalhar para o pessoal.
Seja como for, e ache eu o que achar, a verdade é que a manifestação de Coimbra correu mal. Perante a ameaça de invasão estudantil no Senado (que aprovou a propina máxima de 800 euros) foi preparada uma forte presença policial em torno do edifício. A situação culminou com uma carga policial e o lançamento de gás-pimenta sobre a multidão. O resultado foi a detenção de um estudante de jornalismo (acusado de agressão a um polícia) e seis feridos entre os estudantes que receberam tratamento hospitalar.
Perante isto, a polícia descreveu o ocorrido como uma “normal operação de contenção” e o ministro da Administração Interna Daniel Sanches afirmou não ter havido qualquer carga policial. Acrescentou que não tinha ouvido falar de gás nenhum, apesar de imagens da SIC fazerem prova de tudo o que ocorreu.
Julgo que é legítimo termos dúvidas em relação ao que se passou. Os estudantes excederam-se? Iniciaram a violência? Não é fácil responder, mas o ministro também não parece muito interessado preferindo fazer mais um exercício de fantasia em relação à actuação das forças políciais. Uma coisa é certa, honestidade não parece ser o lema do governo.
Tudo isto é exemplar de um dos problemas que resultam da falta de cultura democrática. A fixação das pessoas, especialmente grave nos agentes políticos, numa determinada posição política e na sua defesa, alterando a realidade para se encaixar nessa posição em vez de alterar a sua posição em função da realidade.
É uma forma de desonestidade individual e colectiva que corrói tudo o que pode haver de verdadeiro na sociedade democrática. E perante isto, a partir do momento em que alguém decide que é liberal ou conservador ou verde ou pelo aborto ou contra as girafas no jardim zoológico, nenhuma prova em contrário conseguirá entrar no cérebro desta pessoa. Ou, por assim dizer, todas as evidências serão manipuladas, invertidas e ajustadas até um “facto redondo” caber num “buraco quadrado”. A “verdade” torna-se maleável, como se por se afirmar que não se ouviu falar de uma coisa, ela pura e simplesmente não tivesse existido e se esfumasse no tempo.
E já agora, alguém viu por aí um Presidente da República?
[Um Detido e Vários Feridos em Confrontos Entre Polícia e Estudantes via Público]
[Coimbra: Vigília de solidariedade com estudante detido retomada às 09h30 via Público (ligações a outros artigos ao fundo do texto)]
[A vergonha, via A Cabra - Jornal Universitário de Coimbra (ligações a outros artigos na página principal do site)]
[Estudantes recebidos com carga policial, via As Beiras Online]
[attack of the bogey man]
Quarta-feira
A maior ameaça que enfrentamos agora como nação é a possibilidade de terroristas acabarem no meio de uma das nossas cidades com armas mais mortais do que aquelas que alguma vez foram usadas contra nós – agentes biológicos ou uma arma nuclear ou uma arma química de algum tipo para ameaçarem a vida de centenas de milhares de americanos.
Esta é a última ameaça. Para termos uma estratégia capaz de derrotar esta ameaça, temos primeiro de nos mentalizar para esta possibilidade.
Foram estas as declarações de Dick Cheney proferidas ontem numa sessão de campanha. Acirrando ainda mais o discurso do medo, Cheney pôs em causa a credibilidade do candidato democrata John Kerry de ser capaz de lidar com tal ameaça de uma forma tão dura e agressiva como a do presidente Bush.
Não penso ser possível a uma pessoa que ame a democracia não se repugnar com a forma como estes republicanos saltaram para dentro da caravana do pós-11/9 como se fosse património seu. O modo como agitam os fantasmas da paranóia e do medo para legitimar (com o Patriot Act e seus sucedâneos) um dos maiores atropelos à liberdade individual que a América conheceu desde os tempos da guerra fria. E é realmente esse o peixe que eles querem vender. Como o próprio Rumsfeld descreveu, esta guerra ao terrorismo é a nova guerra fria, uma guerra que pode durar décadas e que se tornará uma espécie de nova normalidade (new normalcy) do modo de vida americano. They wish.
E porque é que eu me hei-de interessar com as eleições americanas? Sei lá, eu preocupo-me com estas coisas. Mas eu preocupo-me com tudo. Preocupo-me com o poder de um sistema capaz de vender tudo, mesmo o pior produto, como George Bush. É fácil ridicularizar o labrego do Texas, mas quem olhe com atenção para a campanha de Bush vê o profissionalismo investido na criação de uma imagem de presidente com coração – o conservadorismo com compaixão dos tempos modernos. Ver Bush com a mulher no Larry King foi como espreitar o que nos reserva a linguagem política do futuro: a política como simulação da verdade, reduzida a uma espécie de reality show que só faz sentido nos tempos e códigos televisivos (deixando de existir fora deles). E isto devia fazer acender uma luzinha nas nossas cabeças quando vemos o que se está a passar em Portugal.
Preocupam-me estes conservadores com compaixão que arregaçam as mangas para falar com o povo para depois das eleições voltarem a pôr as gravatas e os ares soturnos com que encaram a vida. Com que se mobilizam para cumprir a agenda de interesses inconfessáveis e jogam com a vida de milhões reduzidos ao papel de peão dos seus jogos de xadrez político. Bem vindos às Corporações Unidas da América.
E já agora, se tiverem tempo e banda-larga para isso, vejam o Jon Stewart a desancar no Crossfire da CNN: Filme em formato QuickTime / ficheiro longo.
A maior ameaça que enfrentamos agora como nação é a possibilidade de terroristas acabarem no meio de uma das nossas cidades com armas mais mortais do que aquelas que alguma vez foram usadas contra nós – agentes biológicos ou uma arma nuclear ou uma arma química de algum tipo para ameaçarem a vida de centenas de milhares de americanos.
Esta é a última ameaça. Para termos uma estratégia capaz de derrotar esta ameaça, temos primeiro de nos mentalizar para esta possibilidade.
Foram estas as declarações de Dick Cheney proferidas ontem numa sessão de campanha. Acirrando ainda mais o discurso do medo, Cheney pôs em causa a credibilidade do candidato democrata John Kerry de ser capaz de lidar com tal ameaça de uma forma tão dura e agressiva como a do presidente Bush.
Não penso ser possível a uma pessoa que ame a democracia não se repugnar com a forma como estes republicanos saltaram para dentro da caravana do pós-11/9 como se fosse património seu. O modo como agitam os fantasmas da paranóia e do medo para legitimar (com o Patriot Act e seus sucedâneos) um dos maiores atropelos à liberdade individual que a América conheceu desde os tempos da guerra fria. E é realmente esse o peixe que eles querem vender. Como o próprio Rumsfeld descreveu, esta guerra ao terrorismo é a nova guerra fria, uma guerra que pode durar décadas e que se tornará uma espécie de nova normalidade (new normalcy) do modo de vida americano. They wish.
E porque é que eu me hei-de interessar com as eleições americanas? Sei lá, eu preocupo-me com estas coisas. Mas eu preocupo-me com tudo. Preocupo-me com o poder de um sistema capaz de vender tudo, mesmo o pior produto, como George Bush. É fácil ridicularizar o labrego do Texas, mas quem olhe com atenção para a campanha de Bush vê o profissionalismo investido na criação de uma imagem de presidente com coração – o conservadorismo com compaixão dos tempos modernos. Ver Bush com a mulher no Larry King foi como espreitar o que nos reserva a linguagem política do futuro: a política como simulação da verdade, reduzida a uma espécie de reality show que só faz sentido nos tempos e códigos televisivos (deixando de existir fora deles). E isto devia fazer acender uma luzinha nas nossas cabeças quando vemos o que se está a passar em Portugal.
Preocupam-me estes conservadores com compaixão que arregaçam as mangas para falar com o povo para depois das eleições voltarem a pôr as gravatas e os ares soturnos com que encaram a vida. Com que se mobilizam para cumprir a agenda de interesses inconfessáveis e jogam com a vida de milhões reduzidos ao papel de peão dos seus jogos de xadrez político. Bem vindos às Corporações Unidas da América.
E já agora, se tiverem tempo e banda-larga para isso, vejam o Jon Stewart a desancar no Crossfire da CNN: Filme em formato QuickTime / ficheiro longo.
[a cabala de freud]
Quarta-feira
O ministro dos assuntos parlamentares (assim, em letra pequena) veio afinal explicar que não disse existir uma cabala (objectiva ou subjectiva) contra o governo (entre o Expresso, o Público e Marcelo Rebelo de Sousa) quando afirmou que as cabalas existem independentemente da vontade subjectiva de as constituir. Está explicado. Afinal, o ministro está a ser vítima de uma cabala que pretende fazer crer que terá sugerido haver uma cabala quando na verdade não acusava de cabala se bem que elas podem existir alheias à vontade subjectiva dos potenciais cabalistas.
Esta nem Freud seria capaz de descortinar. Eu não acredito em cabalas, pero que las hay, las hay!
O ministro dos assuntos parlamentares (assim, em letra pequena) veio afinal explicar que não disse existir uma cabala (objectiva ou subjectiva) contra o governo (entre o Expresso, o Público e Marcelo Rebelo de Sousa) quando afirmou que as cabalas existem independentemente da vontade subjectiva de as constituir. Está explicado. Afinal, o ministro está a ser vítima de uma cabala que pretende fazer crer que terá sugerido haver uma cabala quando na verdade não acusava de cabala se bem que elas podem existir alheias à vontade subjectiva dos potenciais cabalistas.
Esta nem Freud seria capaz de descortinar. Eu não acredito em cabalas, pero que las hay, las hay!
[reflexões parvas]
Terça-feira
Já não sei aonde li que as pessoas se fartam de escrever. As pessoas, sim, o ser humano em geral. E li nesse mesmo sítio escondido numa sinapse oculta do meu cérebro que só dez por cento do que se escreve é que chega a ser publicado. É verdade, as pessoas escrevem romances, ensaios, diários, tratados políticos, tudo e mais alguma coisa, mas apenas uma pequena percentagem chega a ser lido por outros. Ou porque não presta, ou porque não interessa a ninguém, ou porque possivelmente sendo bom não encontra ninguém que o dê a conhecer.
Eis então a blogosfera onde tudo pode ser publicado por todos. Mas a verdade é que, na melhor das hipóteses, noventa por cento continua a ser lixo que não interessa nada.
Eu comecei este blog com vontade de pertencer a esses dez por cento. Queria escrever coisas que tivessem reflexão e se tornassem análises lúcidas de temas que interessam em primeiro lugar a mim. Eu não comecei este blog para escrever reflexões parvas, mas a rotina da blogosfera conduz à quantidade e também eu tenho de reconhecer que as melhores coisas que escrevi estão nos primeiros três ou quatro meses de vida deste blog.
Não sei se é o cansaço ou se é a vida que me está a correr mal, mas ultimamente sinto que este país me anda a chatear. Chateia-me que as pessoas andem a ver a quinta das celebridades. E chateia-me que as pessoas andem a discutir se o golo foi golo ou não. Que diabo, eu até sou do benfica, mas que se lixe. As pessoas deviam preocupar-se com coisas sérias, isto está a descambar e as pessoas andam a ver a bola e a papar as notícias do mainstream. O que é que interessa se a polícia judiciária anda outra vez em buscas ou não. Que diabo, já é hora de abrir os olhos para coisas bem mais sérias. Chateia-me o Santana e os seus consultores de imagem. O país não precisa de ver o Santana com as suas perninhas de Júlio Iglesias a posar na praia para a Caras. O país não precisa de um presidente da república que ultimamente mais parece o bibelot da democracia. O país não precisa de ministros que dizem que está tudo bem sei lá enquanto um chorrilho de asneiras vai comprometendo a vida concreta de pessoas. É que a vida dessas pessoas não se resume a dois minutos de telejornal ou a uma anotação nas estatísticas.
Eu sei que isto é uma reflexão parva. Se calhar estou a tornar-me um reaccionário aos trinta anos. E também ninguém tem de me aturar.
Voltarei depois do intervalo para a psicanálise.
Já não sei aonde li que as pessoas se fartam de escrever. As pessoas, sim, o ser humano em geral. E li nesse mesmo sítio escondido numa sinapse oculta do meu cérebro que só dez por cento do que se escreve é que chega a ser publicado. É verdade, as pessoas escrevem romances, ensaios, diários, tratados políticos, tudo e mais alguma coisa, mas apenas uma pequena percentagem chega a ser lido por outros. Ou porque não presta, ou porque não interessa a ninguém, ou porque possivelmente sendo bom não encontra ninguém que o dê a conhecer.
Eis então a blogosfera onde tudo pode ser publicado por todos. Mas a verdade é que, na melhor das hipóteses, noventa por cento continua a ser lixo que não interessa nada.
Eu comecei este blog com vontade de pertencer a esses dez por cento. Queria escrever coisas que tivessem reflexão e se tornassem análises lúcidas de temas que interessam em primeiro lugar a mim. Eu não comecei este blog para escrever reflexões parvas, mas a rotina da blogosfera conduz à quantidade e também eu tenho de reconhecer que as melhores coisas que escrevi estão nos primeiros três ou quatro meses de vida deste blog.
Não sei se é o cansaço ou se é a vida que me está a correr mal, mas ultimamente sinto que este país me anda a chatear. Chateia-me que as pessoas andem a ver a quinta das celebridades. E chateia-me que as pessoas andem a discutir se o golo foi golo ou não. Que diabo, eu até sou do benfica, mas que se lixe. As pessoas deviam preocupar-se com coisas sérias, isto está a descambar e as pessoas andam a ver a bola e a papar as notícias do mainstream. O que é que interessa se a polícia judiciária anda outra vez em buscas ou não. Que diabo, já é hora de abrir os olhos para coisas bem mais sérias. Chateia-me o Santana e os seus consultores de imagem. O país não precisa de ver o Santana com as suas perninhas de Júlio Iglesias a posar na praia para a Caras. O país não precisa de um presidente da república que ultimamente mais parece o bibelot da democracia. O país não precisa de ministros que dizem que está tudo bem sei lá enquanto um chorrilho de asneiras vai comprometendo a vida concreta de pessoas. É que a vida dessas pessoas não se resume a dois minutos de telejornal ou a uma anotação nas estatísticas.
Eu sei que isto é uma reflexão parva. Se calhar estou a tornar-me um reaccionário aos trinta anos. E também ninguém tem de me aturar.
Voltarei depois do intervalo para a psicanálise.
[liberal de esquerda]
Terça-feira
Decidi há vários anos que não embarcaria em nenhuma doutrina específica e me manteria aberto a aprender com todas elas. Na religião como na política, prefiro o papel de observador independente em vez de mergulhar na maré. Chamem-me egoísta mas a verdade é que não gosto de andar de mão dada com as multidões.
Quando há alguns meses fiz um desses irrelevantes quizzes políticos que circulam na net fui forçado a encarar um novo rótulo: left liberal. Não sei se sou eu que sou de esquerda ou se a esquerda é que é como eu. Seja como for nada tenho contra os rótulos e quem os quiser que fique com eles.
Esta minha atitude de afastamento político tem uma razão de ser na minha fraca cultura política. Confesso, eu nunca li tratados ideológicos nem pesquisei a fundo as minhas motivações nas doutrinas de outrem. É verdade que defendo a liberdade de escolha nas questões pessoais e que apoio a tomada de decisões centrais no que respeita à economia. É verdade que suporto a ideia de governação orientada para o equilíbrio sustentado na justiça social. É verdade que defendo a diversidade social e a igualdade de oportunidades. E vejo-me assim obrigado a rever uma boa parte de mim no termo left-liberal, segundo a definição americana.
O conceito de Liberal utilizado na Europa refere-se ao que os americanos chamam de Libertarian. Os Libertarians defendem a existência de um governo pequeno cujo papel está limitado a defender e arbitrar as disputas entre indivíduos privados. Não desejam assim a regulação governamental das esferas sociais e económicas, defendendo a “liberdade individual” em todas as áreas da vida.
Curiosamente, a corrente liberal de direita (portuguesa) parece rever-se na vertente económica do Libertarianism mas não necessariamente na vertente social (ou da liberdade de escolha do cidadão em assuntos da esfera pessoal). Concluo, com as minhas já assumidas limitações, que se trata de uma corrente política paradoxalmente conservadora.
Está por demonstrar que a liberdade económica (expressão demasiado lata para o que se trata efectivamente do livre arbítrio do mercado) confira mais liberdade ao cidadão. E é paradoxal que quem defenda a não-interferência estatal em questões da economia (mesmo nas áreas de reconhecido interesse público) exija desse mesmo estado a interferência em assuntos da esfera dos direitos pessoais nas questões de ordem moral ou social mais controversas. Será isto contraditório ou mesmo uma hipocrisia? Eu não sei, deixo apenas a pergunta e fico aberto a que alguém politicamente mais erudito me ilumine o caminho.
O que também não significa que o vá seguir.
[Che Guevara wearing a Bart Simpson T-shirt, cartoon de Matthew Diffee via Cartoon Bank]
Decidi há vários anos que não embarcaria em nenhuma doutrina específica e me manteria aberto a aprender com todas elas. Na religião como na política, prefiro o papel de observador independente em vez de mergulhar na maré. Chamem-me egoísta mas a verdade é que não gosto de andar de mão dada com as multidões.
Quando há alguns meses fiz um desses irrelevantes quizzes políticos que circulam na net fui forçado a encarar um novo rótulo: left liberal. Não sei se sou eu que sou de esquerda ou se a esquerda é que é como eu. Seja como for nada tenho contra os rótulos e quem os quiser que fique com eles.
Esta minha atitude de afastamento político tem uma razão de ser na minha fraca cultura política. Confesso, eu nunca li tratados ideológicos nem pesquisei a fundo as minhas motivações nas doutrinas de outrem. É verdade que defendo a liberdade de escolha nas questões pessoais e que apoio a tomada de decisões centrais no que respeita à economia. É verdade que suporto a ideia de governação orientada para o equilíbrio sustentado na justiça social. É verdade que defendo a diversidade social e a igualdade de oportunidades. E vejo-me assim obrigado a rever uma boa parte de mim no termo left-liberal, segundo a definição americana.
O conceito de Liberal utilizado na Europa refere-se ao que os americanos chamam de Libertarian. Os Libertarians defendem a existência de um governo pequeno cujo papel está limitado a defender e arbitrar as disputas entre indivíduos privados. Não desejam assim a regulação governamental das esferas sociais e económicas, defendendo a “liberdade individual” em todas as áreas da vida.
Curiosamente, a corrente liberal de direita (portuguesa) parece rever-se na vertente económica do Libertarianism mas não necessariamente na vertente social (ou da liberdade de escolha do cidadão em assuntos da esfera pessoal). Concluo, com as minhas já assumidas limitações, que se trata de uma corrente política paradoxalmente conservadora.
Está por demonstrar que a liberdade económica (expressão demasiado lata para o que se trata efectivamente do livre arbítrio do mercado) confira mais liberdade ao cidadão. E é paradoxal que quem defenda a não-interferência estatal em questões da economia (mesmo nas áreas de reconhecido interesse público) exija desse mesmo estado a interferência em assuntos da esfera dos direitos pessoais nas questões de ordem moral ou social mais controversas. Será isto contraditório ou mesmo uma hipocrisia? Eu não sei, deixo apenas a pergunta e fico aberto a que alguém politicamente mais erudito me ilumine o caminho.
O que também não significa que o vá seguir.
[Che Guevara wearing a Bart Simpson T-shirt, cartoon de Matthew Diffee via Cartoon Bank]
[o mundo lá fora]
Terça-feira
[Briefing: The War in Chechnya and Russian Civil Society por Valentina Melnikova, National Director - Committees of Soldiers Mothers of Russia via Commission on Security and Cooperation in Europe]
[A World Apart por Paul Starr via The American Prospect]
[America yes, Bush No (francês) por Claire Tréan via Le Monde]
[Indymedia’s silencing: a warning to us all? por Bill Thompson via Open Democracy]
[Briefing: The War in Chechnya and Russian Civil Society por Valentina Melnikova, National Director - Committees of Soldiers Mothers of Russia via Commission on Security and Cooperation in Europe]
[A World Apart por Paul Starr via The American Prospect]
[America yes, Bush No (francês) por Claire Tréan via Le Monde]
[Indymedia’s silencing: a warning to us all? por Bill Thompson via Open Democracy]
[a vitória do terrorismo]
Terça-feira
Depois da inenarrável prelecção de Dick Cheney, afirmando que se John Kerry ganhasse as eleições aumentariam as probabilidades de ocorrência de um atentado semelhante ao 11 de Setembro na América, é a vez de Vladimir Putin deste lado do oceano se juntar ao coro repugnante dos sem vergonha. Dizendo que os atentados terroristas no Iraque são uma tentativa para enfraquecer a campanha eleitoral de George Bush, concluiu que a vitória de Kerry seria uma vitória do terrorismo, assim preto no branco.
Não é de estranhar que um bandido como Putin deseje a vitória do seu actual homólogo americano. Putin encontrou na doutrina da Guerra ao Terrorismo de Bush toda a cobertura de que necessitava para continuar a levar a cabo na Chechénia uma das mais violentas acções de ocupação militar da História, com 25.000 soldados conduzindo uma guerra aberta que as autoridades russas estão determinadas em fazer prosseguir indefinidamente. A situação é tão mais dramática devido à natureza fechada da guerra em curso, mantida através de um forte controlo dos media por parte do governo russo e da complacência dos parceiros europeus para com a ocupação. Mas o silêncio em que se mantém a situação continuará como um tumor maligno a alimentar erupções de violência no coração da Rússia, de que as acções de terrorismo no Teatro Russo e na escola de Beslan foram significativos exemplos.
Apesar do longo tempo de antena que estações televisivas como a CNN insistem em dar às declarações de Vladimir Putin, ele não exprime minimamente o sentimento europeu relativo às eleições americanas. A maioria dos europeus compreende o que está em causa e sabe que a vizinhança do velho continente, com Bush de um lado e Putin do outro, não augura nada de bom para os tempos que aí vêm. À urgência de remover o grupo de neo-conservadores que controla actualmente a Casa Branca junta-se agora o dramatismo da incerteza perante o empate técnico expresso nas repetidas sondagens. Não haja ilusões. No dia 2 de Novembro estará em causa muito mais que o simples futuro da América.
Depois da inenarrável prelecção de Dick Cheney, afirmando que se John Kerry ganhasse as eleições aumentariam as probabilidades de ocorrência de um atentado semelhante ao 11 de Setembro na América, é a vez de Vladimir Putin deste lado do oceano se juntar ao coro repugnante dos sem vergonha. Dizendo que os atentados terroristas no Iraque são uma tentativa para enfraquecer a campanha eleitoral de George Bush, concluiu que a vitória de Kerry seria uma vitória do terrorismo, assim preto no branco.
Não é de estranhar que um bandido como Putin deseje a vitória do seu actual homólogo americano. Putin encontrou na doutrina da Guerra ao Terrorismo de Bush toda a cobertura de que necessitava para continuar a levar a cabo na Chechénia uma das mais violentas acções de ocupação militar da História, com 25.000 soldados conduzindo uma guerra aberta que as autoridades russas estão determinadas em fazer prosseguir indefinidamente. A situação é tão mais dramática devido à natureza fechada da guerra em curso, mantida através de um forte controlo dos media por parte do governo russo e da complacência dos parceiros europeus para com a ocupação. Mas o silêncio em que se mantém a situação continuará como um tumor maligno a alimentar erupções de violência no coração da Rússia, de que as acções de terrorismo no Teatro Russo e na escola de Beslan foram significativos exemplos.
Apesar do longo tempo de antena que estações televisivas como a CNN insistem em dar às declarações de Vladimir Putin, ele não exprime minimamente o sentimento europeu relativo às eleições americanas. A maioria dos europeus compreende o que está em causa e sabe que a vizinhança do velho continente, com Bush de um lado e Putin do outro, não augura nada de bom para os tempos que aí vêm. À urgência de remover o grupo de neo-conservadores que controla actualmente a Casa Branca junta-se agora o dramatismo da incerteza perante o empate técnico expresso nas repetidas sondagens. Não haja ilusões. No dia 2 de Novembro estará em causa muito mais que o simples futuro da América.
[if not now then when]
Sexta-feira
A história de um reencontro de hora e meia contado no tempo real de um fascinante percurso de fim de tarde pelas ruas de Paris. Para Celine e Jesse é uma vida inteira que se joga Antes Do Anoitecer (Before Sunset), o filme de Richard Linklater com argumento do realizador e dos próprios actores Julie Delpy e Ethan Hawke.
É como reencontrar velhos amigos. Revê-los é uma descoberta: estão diferentes, mais velhos e de olhos mais vincados. As marcas da experiência e da desilusão fazem-se sentir, mas também estão mais maduros e interessantes. Por vezes não são como estaríamos à espera mas no fundo continuam os mesmos dois, personagens em busca de um destino qualquer.
Talvez a melhor maneira de descrever Sunset em relação a Sunrise é que o primeiro filme era uma história de partida e este de chegada. Existe um drama subterrâneo que se vai revelando mas não são precisos gestos melodramáticos ou romance cor-de-rosa. Não existe beijo com a torre Eiffel ao fundo mas tão só o percurso mergulhado numa cidade e uma longa conversa que os conduz a um dos finais mais fantásticos da história do cinema. Um filme onde o peso do que fica por dizer é tão valioso como tudo aquilo que se diz.
Não consigo falar deste filme sem deixar de fazer sentido. Falar sobre uma coisa que se ama é como abrir uma caixa de segredos que os outros não deviam ver porque não compreenderiam, porque ficariam a olhar para nós perplexos sem perceber o que existe ali de tão valioso que quase nos faz ir às lágrimas. É que não me revendo nestes personagens (eles mesmos) revejo-me exactamente naquilo que eles são, sei exactamente aquilo que eles são e as coisas de que eles estão a falar. Eu compreendo este filme para lá das palavras, na leitura dos gestos e dos silêncios, dos pequenos desconfortos e dos sublimes momentos. Sim, a vida é isto mesmo e não estamos longe de poder ser assim. Poucos na vida se sentirão inundados por esta magia inexplicável que muitos nunca hão-de conhecer. “As memórias são uma coisa boa se não tivermos de lidar com o passado” diz Celine para Jesse. Mas todos nós sabemos um dia que o passado é algo de que não se pode fugir e que o percurso da vida é demasiado frágil para não fazermos as pazes com aquilo em que nos tornámos. Eis Jesse e Celine, como ramos no rio descendo a corrente das palavras de um qualquer poeta-pedinte de Viena, que um dia lhes escreveu.
Daydream, delusion, limousine, eyelash
Oh baby with your pretty face
Drop a tear in my wineglass
Look at those big eyes
See what you mean to me
Sweet-cakes and milkshakes
I'm delusion angel
I'm fantasy parade
I want you to know what I think
Don't want you to guess anymore
You have no idea where I came from
We have no idea where we're going
Latched in life
Like branches in a river
Flowing downstream
Caught in the current
I'll carry you
You'll carry me
That's how it could be
Don't you know me?
Don't you know me by now?
A história de um reencontro de hora e meia contado no tempo real de um fascinante percurso de fim de tarde pelas ruas de Paris. Para Celine e Jesse é uma vida inteira que se joga Antes Do Anoitecer (Before Sunset), o filme de Richard Linklater com argumento do realizador e dos próprios actores Julie Delpy e Ethan Hawke.
É como reencontrar velhos amigos. Revê-los é uma descoberta: estão diferentes, mais velhos e de olhos mais vincados. As marcas da experiência e da desilusão fazem-se sentir, mas também estão mais maduros e interessantes. Por vezes não são como estaríamos à espera mas no fundo continuam os mesmos dois, personagens em busca de um destino qualquer.
Talvez a melhor maneira de descrever Sunset em relação a Sunrise é que o primeiro filme era uma história de partida e este de chegada. Existe um drama subterrâneo que se vai revelando mas não são precisos gestos melodramáticos ou romance cor-de-rosa. Não existe beijo com a torre Eiffel ao fundo mas tão só o percurso mergulhado numa cidade e uma longa conversa que os conduz a um dos finais mais fantásticos da história do cinema. Um filme onde o peso do que fica por dizer é tão valioso como tudo aquilo que se diz.
Não consigo falar deste filme sem deixar de fazer sentido. Falar sobre uma coisa que se ama é como abrir uma caixa de segredos que os outros não deviam ver porque não compreenderiam, porque ficariam a olhar para nós perplexos sem perceber o que existe ali de tão valioso que quase nos faz ir às lágrimas. É que não me revendo nestes personagens (eles mesmos) revejo-me exactamente naquilo que eles são, sei exactamente aquilo que eles são e as coisas de que eles estão a falar. Eu compreendo este filme para lá das palavras, na leitura dos gestos e dos silêncios, dos pequenos desconfortos e dos sublimes momentos. Sim, a vida é isto mesmo e não estamos longe de poder ser assim. Poucos na vida se sentirão inundados por esta magia inexplicável que muitos nunca hão-de conhecer. “As memórias são uma coisa boa se não tivermos de lidar com o passado” diz Celine para Jesse. Mas todos nós sabemos um dia que o passado é algo de que não se pode fugir e que o percurso da vida é demasiado frágil para não fazermos as pazes com aquilo em que nos tornámos. Eis Jesse e Celine, como ramos no rio descendo a corrente das palavras de um qualquer poeta-pedinte de Viena, que um dia lhes escreveu.
Daydream, delusion, limousine, eyelash
Oh baby with your pretty face
Drop a tear in my wineglass
Look at those big eyes
See what you mean to me
Sweet-cakes and milkshakes
I'm delusion angel
I'm fantasy parade
I want you to know what I think
Don't want you to guess anymore
You have no idea where I came from
We have no idea where we're going
Latched in life
Like branches in a river
Flowing downstream
Caught in the current
I'll carry you
You'll carry me
That's how it could be
Don't you know me?
Don't you know me by now?
[lightroom]
Quinta-feira
Eu deixo-me sempre embalar por boas apresentações. Pelas mãos do The Byrdhouse Review, eis o espectacular Lightroom, um estúdio de design e arquitectura formado por jovens americanos. Recomenda-se seriamente a visita ao portfolio e a apreciação da imagem geral do site.
Eu deixo-me sempre embalar por boas apresentações. Pelas mãos do The Byrdhouse Review, eis o espectacular Lightroom, um estúdio de design e arquitectura formado por jovens americanos. Recomenda-se seriamente a visita ao portfolio e a apreciação da imagem geral do site.
[mit stata center]
Quinta-feira
O City Of Sound publica uma exposição sobre o Ray and Maria Stata Center, projecto da autoria de Frank Gehry. Situado no MIT Massachusetts Institute of Technology, o edifício serve de base a diversos cursos na área da engenharia e das novas tecnologias, bem à maneira escultórica e sensacional do arquitecto americano. Texto de Dan Hill acompanhado por muitas fotografias.
O City Of Sound publica uma exposição sobre o Ray and Maria Stata Center, projecto da autoria de Frank Gehry. Situado no MIT Massachusetts Institute of Technology, o edifício serve de base a diversos cursos na área da engenharia e das novas tecnologias, bem à maneira escultórica e sensacional do arquitecto americano. Texto de Dan Hill acompanhado por muitas fotografias.
[o beija-mão]
Quarta-feira
Serei o único a achar delicioso o pormenor da fotografia do beija-mão de Santana ao Papa, estrategicamente colocado ao fundo na declaração do primeiro-ministro ao país. Ah, a sabedoria angelical destes consultores de imagem. É por isto que eles são pagos a peso de ouro.
Serei o único a achar delicioso o pormenor da fotografia do beija-mão de Santana ao Papa, estrategicamente colocado ao fundo na declaração do primeiro-ministro ao país. Ah, a sabedoria angelical destes consultores de imagem. É por isto que eles são pagos a peso de ouro.
[para que serve a arquitectura]
Sábado
[Imagem de Fernando Guerra]
N’O Projecto o Lourenço Cordeiro escrevia sobre a necessidade de que as pessoas «aprendam» a apreciar a arquitectura, constatando as diferenças entre o que chama de arquitectura dos arquitectos e a arquitectura do público. O seu texto lança várias pistas sobre o problema, que me faz regressar ao que escrevi em Nós Os Sábios - um texto que de alguma forma ficou por concluir.
A exposição do Lourenço culmina numa interrogação exemplar: O que ganho eu em contratar um arquitecto? A pergunta expõe, preto no branco, a simplicidade do problema. E eu acrescentaria apenas uma outra: para que serve afinal a arquitectura?
Estas perguntas simples têm respostas complicadas porque se desdobram numa série de outras questões. Em primeiro lugar é aos arquitectos que compete defender a utilidade do trabalho que desenvolvem. Assim, a ideia de que existe uma arquitectura dos arquitectos e uma arquitectura do público não traz nada de bom porque reduz a questão à sua aparência. Uma aparência que acentua a ideia de que a arquitectura custa mais caro, como se fosse um extra, um bem só acessível a alguns: a arquitectura transformada num luxo. As razões para este problema são partilhadas tanto pelos arquitectos como pelo público.
Em primeiro lugar nos arquitectos que por vezes são educados na ideia de que o custo é um aspecto menor e uma restrição à sua liberdade criativa e individual. Isto torna-se ainda mais grave quando o resultado dessa liberdade criativa ou artística não produz nada de pertinente, relevante ou interessante, apenas justificável com o desejo do arquitecto sobre todas as coisas: porque sim, porque o arquitecto assim o quis.
A arquitectura deve ser uma disciplina com forte componente económica, no melhor sentido do termo. A capacidade de transformar meios limitados em soluções de exemplar qualidade (formal, artística, construtiva) é uma obrigação do trabalho da arquitectura. Não é bom arquitecto aquele que só sabe fazer arquitectura recorrendo ao seu cardápio de materiais topo-de-gama e soluções a todo o custo, revelando-se sem eles incapaz de conjugar soluções tecnicamente relevantes que não comprometam a qualidade da obra.
Mas o público também partilha uma forte parte do problema. A ideia de que se consegue viabilizar uma construção a preços mínimos sem pôr em causa a qualidade da edificação – e de vida – que daí resultará, é uma ilusão. Para lá disto, é o próprio entendimento de poupança que também não é racional: poupa-se em tudo na construção para depois se pagar em aquecimentos centrais ou ar condicionado, enfim, em gastos energéticos e custo de vida daí para a frente. É um problema de prioridades: o público continua mais desperto para investir naquilo que é visível como em acabamentos superficiais “de luxo” (por vezes muito questionáveis). Poupa-se nas paredes e nas janelas mas gasta-se facilmente na aspiração central, na cozinha topo de gama e no frigorífico americano.
De certo modo, trata-se de um problema que devia ser abordado numa óptica de defesa do consumidor, através de informação e formação do público. É necessário criar padrões de exigência nas pessoas, para que estas saibam aquilo a que têm direito e que deveriam exigir.
Mas isto é apenas uma pequena parte do problema. A importância da arquitectura vai evidentemente muito além destes aspectos tão particulares.
Eu acredito na liberdade do arquitecto, na importância da criatividade e na sabedoria de conjugar referências e soluções com vista ao melhor fim. Mas a liberdade do arquitecto é uma liberdade na vida real, e como tal condicionada a responsabilidades. Isto só engrandece a arquitectura, o facto de enfrentar problemas reais e de ser feita com meios reais. Ela é um instrumento de transformação, efectiva, dessa realidade e da vida das pessoas. A arquitectura pode, deve e tem de ser utilizada para dignificar a sociedade. Não é indiferente ao nosso desenvolvimento se o ambiente que habitamos nos constrange, nos deprime, ou nos engrandece. Não é indiferente, por exemplo, crescer numa escola-prisão feita de blocos pré-fabricados, desconfortável, onde faz frio e nos sentimos mal, ou crescer numa escola luminosa, arejada, que melhora a interacção das pessoas, que nos dignifica e faz sentir bem e nos faz, por fim, sermos pessoas melhores. E isto é verdade na escola, no hospital, no local de trabalho, na rua ou na cidade.
Criar essa cultura e sensibilizar o público a apreciar essas qualidades não deve ser assim tão impossível. O público pode não dispor de todas as referências para entender aspectos particulares da linguagem arquitectónica ou não dispor do refinamento estético para elaborar certo tipo de apreciações, mas o público saberá certamente distinguir conceitos de beleza, saberá distinguir o valor e a qualidade de vida que resulta do ambiente construído se isso lhe for mostrado no registo apropriado.
A arquitectura é um recurso importante que devia ser valorizado porque permite realmente interagir com as pessoas. Quando o espaço em que vivemos nos dignifica, não nos pressiona mas liberta, não nos reduz ao isolamento anónimo mas nos motiva a viver, tornamo-nos de facto em pessoas melhores. Acredito que, acima de tudo, é para isso que serve a arquitectura.
[Imagem de Fernando Guerra]
N’O Projecto o Lourenço Cordeiro escrevia sobre a necessidade de que as pessoas «aprendam» a apreciar a arquitectura, constatando as diferenças entre o que chama de arquitectura dos arquitectos e a arquitectura do público. O seu texto lança várias pistas sobre o problema, que me faz regressar ao que escrevi em Nós Os Sábios - um texto que de alguma forma ficou por concluir.
A exposição do Lourenço culmina numa interrogação exemplar: O que ganho eu em contratar um arquitecto? A pergunta expõe, preto no branco, a simplicidade do problema. E eu acrescentaria apenas uma outra: para que serve afinal a arquitectura?
Estas perguntas simples têm respostas complicadas porque se desdobram numa série de outras questões. Em primeiro lugar é aos arquitectos que compete defender a utilidade do trabalho que desenvolvem. Assim, a ideia de que existe uma arquitectura dos arquitectos e uma arquitectura do público não traz nada de bom porque reduz a questão à sua aparência. Uma aparência que acentua a ideia de que a arquitectura custa mais caro, como se fosse um extra, um bem só acessível a alguns: a arquitectura transformada num luxo. As razões para este problema são partilhadas tanto pelos arquitectos como pelo público.
Em primeiro lugar nos arquitectos que por vezes são educados na ideia de que o custo é um aspecto menor e uma restrição à sua liberdade criativa e individual. Isto torna-se ainda mais grave quando o resultado dessa liberdade criativa ou artística não produz nada de pertinente, relevante ou interessante, apenas justificável com o desejo do arquitecto sobre todas as coisas: porque sim, porque o arquitecto assim o quis.
A arquitectura deve ser uma disciplina com forte componente económica, no melhor sentido do termo. A capacidade de transformar meios limitados em soluções de exemplar qualidade (formal, artística, construtiva) é uma obrigação do trabalho da arquitectura. Não é bom arquitecto aquele que só sabe fazer arquitectura recorrendo ao seu cardápio de materiais topo-de-gama e soluções a todo o custo, revelando-se sem eles incapaz de conjugar soluções tecnicamente relevantes que não comprometam a qualidade da obra.
Mas o público também partilha uma forte parte do problema. A ideia de que se consegue viabilizar uma construção a preços mínimos sem pôr em causa a qualidade da edificação – e de vida – que daí resultará, é uma ilusão. Para lá disto, é o próprio entendimento de poupança que também não é racional: poupa-se em tudo na construção para depois se pagar em aquecimentos centrais ou ar condicionado, enfim, em gastos energéticos e custo de vida daí para a frente. É um problema de prioridades: o público continua mais desperto para investir naquilo que é visível como em acabamentos superficiais “de luxo” (por vezes muito questionáveis). Poupa-se nas paredes e nas janelas mas gasta-se facilmente na aspiração central, na cozinha topo de gama e no frigorífico americano.
De certo modo, trata-se de um problema que devia ser abordado numa óptica de defesa do consumidor, através de informação e formação do público. É necessário criar padrões de exigência nas pessoas, para que estas saibam aquilo a que têm direito e que deveriam exigir.
Mas isto é apenas uma pequena parte do problema. A importância da arquitectura vai evidentemente muito além destes aspectos tão particulares.
Eu acredito na liberdade do arquitecto, na importância da criatividade e na sabedoria de conjugar referências e soluções com vista ao melhor fim. Mas a liberdade do arquitecto é uma liberdade na vida real, e como tal condicionada a responsabilidades. Isto só engrandece a arquitectura, o facto de enfrentar problemas reais e de ser feita com meios reais. Ela é um instrumento de transformação, efectiva, dessa realidade e da vida das pessoas. A arquitectura pode, deve e tem de ser utilizada para dignificar a sociedade. Não é indiferente ao nosso desenvolvimento se o ambiente que habitamos nos constrange, nos deprime, ou nos engrandece. Não é indiferente, por exemplo, crescer numa escola-prisão feita de blocos pré-fabricados, desconfortável, onde faz frio e nos sentimos mal, ou crescer numa escola luminosa, arejada, que melhora a interacção das pessoas, que nos dignifica e faz sentir bem e nos faz, por fim, sermos pessoas melhores. E isto é verdade na escola, no hospital, no local de trabalho, na rua ou na cidade.
Criar essa cultura e sensibilizar o público a apreciar essas qualidades não deve ser assim tão impossível. O público pode não dispor de todas as referências para entender aspectos particulares da linguagem arquitectónica ou não dispor do refinamento estético para elaborar certo tipo de apreciações, mas o público saberá certamente distinguir conceitos de beleza, saberá distinguir o valor e a qualidade de vida que resulta do ambiente construído se isso lhe for mostrado no registo apropriado.
A arquitectura é um recurso importante que devia ser valorizado porque permite realmente interagir com as pessoas. Quando o espaço em que vivemos nos dignifica, não nos pressiona mas liberta, não nos reduz ao isolamento anónimo mas nos motiva a viver, tornamo-nos de facto em pessoas melhores. Acredito que, acima de tudo, é para isso que serve a arquitectura.
[ditadura submersa]
Sábado
Eu tenho uma teoria. A idade da democracia devia ser contabilizada numa escala inversamente proporcional à da idade dos cães. Assim, se um ano corresponde a sete anos de vida de desenvolvimento de um cão, sete anos correspondem a um ano de vida de democracia. Concluindo, se a nossa democracia tem trinta anos, isso corresponde a um desenvolvimento de quatro anos e tal. Ainda mal chegámos à pré-primária.
Vem isto a propósito das palavras de Miguel Sousa Tavares (O Preço da Liberdade) em que fala sobre a falta de cultura de liberdade dos portugueses. Sempre achei que só uma visão excessivamente romântica poderá fazer crer que com uma revolução se apagam todas as marcas que resultaram da ditadura. O 25 de Abril terá trazido ao de cima alguns dos melhores sentimentos dos portugueses, forçados durante tantas décadas a exercer o papel de capachos, mas não fez desaparecer todos os agentes do mal. Ao mesmo tempo que nas ruas muitos manifestavam o que viria ser uma difícil conquista da democracia, submergiam nessa sociedade anónima os antigos bufos, os perseguidores e mesmo os torturadores. A espinha dorsal do país é a mesma, as pessoas são as mesmas, o contexto é que mudou.
Ao nível da cultura do estado o problema é ainda mais profundo porque as marcas de um sistema de vassalagem hierárquica não se transpõem de um dia para o outro.
Estamos a aprender de maneira difícil que a maturidade de uma democracia não se conquista em trinta anos. Na verdade, alguns já aqui andam há séculos e ainda se deparam por vezes com fortes contradições e dificuldades. A democracia é, afinal, uma batalha que nunca está ganha e pela qual será necessário lutar sempre.
Eu tenho uma teoria. A idade da democracia devia ser contabilizada numa escala inversamente proporcional à da idade dos cães. Assim, se um ano corresponde a sete anos de vida de desenvolvimento de um cão, sete anos correspondem a um ano de vida de democracia. Concluindo, se a nossa democracia tem trinta anos, isso corresponde a um desenvolvimento de quatro anos e tal. Ainda mal chegámos à pré-primária.
Vem isto a propósito das palavras de Miguel Sousa Tavares (O Preço da Liberdade) em que fala sobre a falta de cultura de liberdade dos portugueses. Sempre achei que só uma visão excessivamente romântica poderá fazer crer que com uma revolução se apagam todas as marcas que resultaram da ditadura. O 25 de Abril terá trazido ao de cima alguns dos melhores sentimentos dos portugueses, forçados durante tantas décadas a exercer o papel de capachos, mas não fez desaparecer todos os agentes do mal. Ao mesmo tempo que nas ruas muitos manifestavam o que viria ser uma difícil conquista da democracia, submergiam nessa sociedade anónima os antigos bufos, os perseguidores e mesmo os torturadores. A espinha dorsal do país é a mesma, as pessoas são as mesmas, o contexto é que mudou.
Ao nível da cultura do estado o problema é ainda mais profundo porque as marcas de um sistema de vassalagem hierárquica não se transpõem de um dia para o outro.
Estamos a aprender de maneira difícil que a maturidade de uma democracia não se conquista em trinta anos. Na verdade, alguns já aqui andam há séculos e ainda se deparam por vezes com fortes contradições e dificuldades. A democracia é, afinal, uma batalha que nunca está ganha e pela qual será necessário lutar sempre.
[comoção no reino]
Sexta-feira
Qual intriga palaciana, eis a nobreza incomodada com as liberdades da prosa do seu trovador-mor. A história parecia ainda assim não merecer mais do que as palhaçadas de um bobo qualquer. Eis então que uma grande comoção se abate na corte, revelando manobras ocultas de duvidosa índole. Há algo de podre neste reino...
Portugal entrou no tempo da tragicomédia. Rui Gomes da Silva, Ministro dos Assuntos Parlamentares, vem a terreiro manifestar o seu repúdio pelos comentários de “ódio” feitos pelo ex-presidente do PSD aos domingos no Jornal da Noite da TVI. Declarava a sua surpresa pelo silêncio da Alta Autoridade da Comunicação Social, tão permissiva relativamente ao longo tempo de antena do comentador em horário nobre e a ausência de oportunidade para exercer o direito ao “contraditório” por parte do Governo.
O que parecia um episódio sintomático mas irrelevante veio a revelar-se afinal o apito de uma estranha panela de pressão. Por “estranha coincidência”, Marcelo Rebelo de Sousa decidiu cessar sua colaboração com a TVI, na sucessão de uma conversa com o presidente da Media Capital, Miguel Paes do Amaral. E chamo “estranha coincidência” porque, a julgar pela versão oficial dos factos:
a) o Governo não exerceu qualquer tipo de pressão sobre a Media Capital ou sobre Marcelo para que este último moderasse o tom dos seus comentários (segundo o Governo);
b) a Media Capital não sofreu qualquer tipo de pressão da parte do Governo ou do PSD, nem exerceu qualquer tipo de pressão sobre Marcelo (segundo a Media Capital);
e finalmente
c) Marcelo decide “na sequência de conversa da iniciativa do presidente da Media Capital (...) cessar, de imediato, a colaboração na TVI” (segundo as suas próprias palavras).
Ora não é preciso ser um génio para perceber que algo não bate certo. Se o Governo não exerce pressões e a Media capital não sofre pressões, porque é que Marcelo decidiria cessar a colaboração com a TVI? Eis que a resposta veio do próprio PSD. Luís Filipe Menezes e Duarte Lima vieram resolver o mistério na TSF, afirmando tratar-se de uma manobra de vitimização do próprio Marcelo, com vista a colher apoio público que sirva de base à sua eventual candidatura à Presidência da República. Como sempre, lá está o ardiloso Marcelo com o seu maldoso espírito maquiavélico a trabalhar.
Mas se assim é, viriam a público declarações de tantas figuras do próprio partido do governo, entre as quais Marques Mendes e Cavaco Silva? Serão estas pessoas imprudentes ao ponto de julgar pelo que não sabem, ou terão uma ideia mais consistente do que se passou?
Algo não bate certo neste filme. Porque é que as afirmações do Ministro dos Assuntos Parlamentares (que chegou a catalogar os comentários de Marcelo de mentirosos) não mereceram da parte da TVI um claro repúdio e a defesa inequívoca do seu colaborador.
Seja o que for que se venha a apurar daqui para a frente, o mal já está feito. O governo pode (e eventualmente até deve) apreciar declarações de comentadores televisivos, mas dificilmente pode alegar não dispor de direito a exercer o contraditório. Até do ponto de vista legal, o governo dispõe de tempo de antena suficiente para se expressar nos termos que quiser. E deveria fazê-lo para dar a conhecer o seu trabalho e a sua obra, e também para divulgar de forma didática o seu entendimento da correcta expressão dos media e denunciar exageros que lhe sejam imputáveis. Mas de nada disso se trataram os comentários do Ministro Rui Gomes da Silva. A sua preocupação foi muito clara: o Professor Marcelo fazia mais mal ao governo do que os partidos da oposição todos juntos. E isto é que é o anedótico da coisa: o poder de Marcelo é o de conseguir manipular como fantoches os próprios agentes políticos, devido à sua permeabilidade à influência mediática. É o governo, na sua fragilidade, que põe Marcelo no pedestal de orquestrador político. Subscrevendo Pacheco Pereira, um governo forte estaria provavelmente mais preocupado com outras coisas e queria lá saber o que diz Marcelo. Mas este é um governo de gente fraca que apenas se gosta de rever em frente ao espelho controlado dos seus próprios agentes de imprensa.
Qual intriga palaciana, eis a nobreza incomodada com as liberdades da prosa do seu trovador-mor. A história parecia ainda assim não merecer mais do que as palhaçadas de um bobo qualquer. Eis então que uma grande comoção se abate na corte, revelando manobras ocultas de duvidosa índole. Há algo de podre neste reino...
Portugal entrou no tempo da tragicomédia. Rui Gomes da Silva, Ministro dos Assuntos Parlamentares, vem a terreiro manifestar o seu repúdio pelos comentários de “ódio” feitos pelo ex-presidente do PSD aos domingos no Jornal da Noite da TVI. Declarava a sua surpresa pelo silêncio da Alta Autoridade da Comunicação Social, tão permissiva relativamente ao longo tempo de antena do comentador em horário nobre e a ausência de oportunidade para exercer o direito ao “contraditório” por parte do Governo.
O que parecia um episódio sintomático mas irrelevante veio a revelar-se afinal o apito de uma estranha panela de pressão. Por “estranha coincidência”, Marcelo Rebelo de Sousa decidiu cessar sua colaboração com a TVI, na sucessão de uma conversa com o presidente da Media Capital, Miguel Paes do Amaral. E chamo “estranha coincidência” porque, a julgar pela versão oficial dos factos:
a) o Governo não exerceu qualquer tipo de pressão sobre a Media Capital ou sobre Marcelo para que este último moderasse o tom dos seus comentários (segundo o Governo);
b) a Media Capital não sofreu qualquer tipo de pressão da parte do Governo ou do PSD, nem exerceu qualquer tipo de pressão sobre Marcelo (segundo a Media Capital);
e finalmente
c) Marcelo decide “na sequência de conversa da iniciativa do presidente da Media Capital (...) cessar, de imediato, a colaboração na TVI” (segundo as suas próprias palavras).
Ora não é preciso ser um génio para perceber que algo não bate certo. Se o Governo não exerce pressões e a Media capital não sofre pressões, porque é que Marcelo decidiria cessar a colaboração com a TVI? Eis que a resposta veio do próprio PSD. Luís Filipe Menezes e Duarte Lima vieram resolver o mistério na TSF, afirmando tratar-se de uma manobra de vitimização do próprio Marcelo, com vista a colher apoio público que sirva de base à sua eventual candidatura à Presidência da República. Como sempre, lá está o ardiloso Marcelo com o seu maldoso espírito maquiavélico a trabalhar.
Mas se assim é, viriam a público declarações de tantas figuras do próprio partido do governo, entre as quais Marques Mendes e Cavaco Silva? Serão estas pessoas imprudentes ao ponto de julgar pelo que não sabem, ou terão uma ideia mais consistente do que se passou?
Algo não bate certo neste filme. Porque é que as afirmações do Ministro dos Assuntos Parlamentares (que chegou a catalogar os comentários de Marcelo de mentirosos) não mereceram da parte da TVI um claro repúdio e a defesa inequívoca do seu colaborador.
Seja o que for que se venha a apurar daqui para a frente, o mal já está feito. O governo pode (e eventualmente até deve) apreciar declarações de comentadores televisivos, mas dificilmente pode alegar não dispor de direito a exercer o contraditório. Até do ponto de vista legal, o governo dispõe de tempo de antena suficiente para se expressar nos termos que quiser. E deveria fazê-lo para dar a conhecer o seu trabalho e a sua obra, e também para divulgar de forma didática o seu entendimento da correcta expressão dos media e denunciar exageros que lhe sejam imputáveis. Mas de nada disso se trataram os comentários do Ministro Rui Gomes da Silva. A sua preocupação foi muito clara: o Professor Marcelo fazia mais mal ao governo do que os partidos da oposição todos juntos. E isto é que é o anedótico da coisa: o poder de Marcelo é o de conseguir manipular como fantoches os próprios agentes políticos, devido à sua permeabilidade à influência mediática. É o governo, na sua fragilidade, que põe Marcelo no pedestal de orquestrador político. Subscrevendo Pacheco Pereira, um governo forte estaria provavelmente mais preocupado com outras coisas e queria lá saber o que diz Marcelo. Mas este é um governo de gente fraca que apenas se gosta de rever em frente ao espelho controlado dos seus próprios agentes de imprensa.
[um agradecimento]
Quinta-feira
Fica aqui o meu muito obrigado ao Mais Évora pelas simpáticas palavras que me endereçou. Vivendo em Évora há alguns anos tenho optado sempre por não localizar (ou regionalizar) o meu blog. Talvez seja defeito das minhas origens em Lisboa (apesar de me sentir cada vez mais do Alentejo) mas nunca quis transformar A Barriga De Um Arquitecto num blog sobre mim próprio e sim sobre as minhas ideias acerca de uma série de coisas.
É sempre bom sentir o retorno de outras pessoas interessadas no que se vai passando à nossa volta. Já tendo passado várias vezes pelo Mais Évora deixo a promessa de o continuar a acompanhar com atenção.
Nota: ainda me continuo a rir com o vosso texto “Pormenores de Excelência 2”. Desde o início da instalação da paragem de autocarros dentro da maior rotunda de Évora que tenho comentado a “sabedoria” daquela opção. De resto, toda a intervenção que tem vindo a ser feita de arranjo da envolvente da muralha à rotunda propriamente dita me parece digna de muita reflexão, tal a quantidade de disparates que por alí vai. Prometo dedicar futuramente uma longa exposição a este exemplo de mal-projectar que nem todo o granito e aço-corten do mundo seriam capazes de disfarçar.
Fica aqui o meu muito obrigado ao Mais Évora pelas simpáticas palavras que me endereçou. Vivendo em Évora há alguns anos tenho optado sempre por não localizar (ou regionalizar) o meu blog. Talvez seja defeito das minhas origens em Lisboa (apesar de me sentir cada vez mais do Alentejo) mas nunca quis transformar A Barriga De Um Arquitecto num blog sobre mim próprio e sim sobre as minhas ideias acerca de uma série de coisas.
É sempre bom sentir o retorno de outras pessoas interessadas no que se vai passando à nossa volta. Já tendo passado várias vezes pelo Mais Évora deixo a promessa de o continuar a acompanhar com atenção.
Nota: ainda me continuo a rir com o vosso texto “Pormenores de Excelência 2”. Desde o início da instalação da paragem de autocarros dentro da maior rotunda de Évora que tenho comentado a “sabedoria” daquela opção. De resto, toda a intervenção que tem vindo a ser feita de arranjo da envolvente da muralha à rotunda propriamente dita me parece digna de muita reflexão, tal a quantidade de disparates que por alí vai. Prometo dedicar futuramente uma longa exposição a este exemplo de mal-projectar que nem todo o granito e aço-corten do mundo seriam capazes de disfarçar.
[the village]
Quarta-feira
The Village de M. Night Shyamalan é um filme que, pela sua natureza, tende a evocar interpretações alegóricas. No entanto, apesar do jogo de simbolismos e códigos que o preenchem, é longe de tais leituras que revela o seu real poder.
A Vila não é uma fábula, ainda que seja pontuada pela iconografia do fantástico e o retrato do medo e do sobrenatural. O medo é, de resto, um dos temas deste filme: o medo que protege a inocência, o medo infantil. E no entanto, a monstruosidade existe em torno daquela vila, mas trata-se uma monstruosidade nascida da própria natureza humana e da qual ninguém pode ser verdadeiramente protegido.
Para além do valor cinematográfico, da beleza da composição daquela Vila ou de uma filmagem que nos reporta para os tempos do preto e branco (quantas vezes os diálogos são tirados em um take, um plano único centrado na representação) o melhor deste filme está na humanidade do trabalho dos actores. É na interacção daquelas personagens e das suas fragilidades que o filme atinge os melhores momentos e por isso o seu valor está muito para lá do medo fácil ou de uma qualquer surpresa final (com que muitos continuam a querer rotular o trabalho de Shyamalan).
A magistral odisseia de Ivy pelo bosque dos medos transfigura a luta da inocência contra a complexa realidade do mundo exterior, travada com a coragem e em nome do amor. A "moral" dessa viagem, se a tem, não é certamente o apelo de uma qualquer perfeição idílica mantida sob o totalitarismo obscurantista. Pelo contrário, trata-se de um filme sobre as escolhas que fazemos na vida e o preço a pagar por elas. Afinal, um pouco como a vida de qualquer família, tudo se parece encaminhar para esse momento em que Edward deixa a filha partir para o mundo lá fora, do perigo e da incerteza, como qualquer outro pai que carrega a esperança de ter preparado os seus filhos para a vida.
A Vila é a história de uma família perdida no mundo, igual a tantas outras.
The Village de M. Night Shyamalan é um filme que, pela sua natureza, tende a evocar interpretações alegóricas. No entanto, apesar do jogo de simbolismos e códigos que o preenchem, é longe de tais leituras que revela o seu real poder.
A Vila não é uma fábula, ainda que seja pontuada pela iconografia do fantástico e o retrato do medo e do sobrenatural. O medo é, de resto, um dos temas deste filme: o medo que protege a inocência, o medo infantil. E no entanto, a monstruosidade existe em torno daquela vila, mas trata-se uma monstruosidade nascida da própria natureza humana e da qual ninguém pode ser verdadeiramente protegido.
Para além do valor cinematográfico, da beleza da composição daquela Vila ou de uma filmagem que nos reporta para os tempos do preto e branco (quantas vezes os diálogos são tirados em um take, um plano único centrado na representação) o melhor deste filme está na humanidade do trabalho dos actores. É na interacção daquelas personagens e das suas fragilidades que o filme atinge os melhores momentos e por isso o seu valor está muito para lá do medo fácil ou de uma qualquer surpresa final (com que muitos continuam a querer rotular o trabalho de Shyamalan).
A magistral odisseia de Ivy pelo bosque dos medos transfigura a luta da inocência contra a complexa realidade do mundo exterior, travada com a coragem e em nome do amor. A "moral" dessa viagem, se a tem, não é certamente o apelo de uma qualquer perfeição idílica mantida sob o totalitarismo obscurantista. Pelo contrário, trata-se de um filme sobre as escolhas que fazemos na vida e o preço a pagar por elas. Afinal, um pouco como a vida de qualquer família, tudo se parece encaminhar para esse momento em que Edward deixa a filha partir para o mundo lá fora, do perigo e da incerteza, como qualquer outro pai que carrega a esperança de ter preparado os seus filhos para a vida.
A Vila é a história de uma família perdida no mundo, igual a tantas outras.
[nós os sábios]
Sexta-feira
Recordo-me de estar numa aula de Projecto do segundo ano da faculdade quando a professora lançou sobre nós a sentença cruel: “Vocês não têm cultura arquitectónica”. Aquilo ribombou sobre nós como uma pena de morte, era como se não tivéssemos Q.I., era ainda pior do que ser-se virgem.
Os arquitectos queixam-se recorrentemente da ignorância do povo. O povo quer é casinhas com beiradinhos, alizarzinhos, pilares coríntios, enfim, o povo gosta é das casas dos estrunfes. Não estou a dizer que os arquitectos não têm razão: cada um tende a gostar daquilo que conhece e a generalidade das pessoas conhece muito pouca arquitectura. É assim verdade que o povo – palavra que utilizo aqui num sentido muito lato – não tem cultura arquitectónica. Mas esta postura é uma ratoeira: nós os eruditos do lado de cá da trincheira e eles do lado de lá, esses ignorantes.
A formação profissional atira-nos para dentro de um universo próprio com regras e linguagens que só nós sabemos descodificar. Isto acontece aos arquitectos, aos cientistas, aos médicos, aos juristas, enfim, a quase todos. À medida que o nosso universo de referências aumenta mais específica fica a nossa linguagem. Tomamos como pressupostos-base coisas que os que estão de fora ainda nem sequer começaram a vislumbrar, e por isso a nossa linguagem vai-se tornando nebulosa, complexa e incompreensível.
Por isso é fundamental inverter esta tendência de ficarmos todos a falar para dentro. Há, de resto, exemplos notáveis de abertura de certas áreas ao domínio do homem comum com resultados extraordinários (e em áreas poventura bem mais complexas do que a arquitectura). Então vejamos:
Carl Sagan pode não ter sido o cientista mais genial e relevante da história da ciência. Mas o que seria da ciência sem Carl Sagan. Eis um homem que criou uma nova linguagem e abriu um continente de saber aos leigos. Alguém que soube revelar numa obra riquíssima o produto do trabalho de séculos de busca de saber. E fazendo-o, ofereceu ao mundo uma visão poderosa do que somos e do que sabemos sobre o mundo em que vivemos. Mas, talvez mais importante ainda, ao fazê-lo construiu na sociedade uma forte base de apoio à defesa da ciência e ao seu desenvolvimento.
Sagan não foi certamente o único notável comunicador científico - hoje, a informação científica é todo um sector profissional - mas a sua importância para a valorização da ciência é inquestionável.
Isto mostra que a abertura do saber à sociedade é uma fonte de enorme apoio social. Veja-se o caso de alguém como o psiquiatra Júlio Machado Vaz. Para além das suas qualidades como terapêuta, o seu trabalho na área da comunicação é um excelente serviço à psiquiatria. Ao partilhar com o cidadão comum muito do seu saber e da sua sensibilidade ele está a contribuir para despertar na sociedade uma consciência madura sobre aquilo que somos e o modo como nos relacionamos. O alcance dessa mensagem está infelizmente sujeito às prioridades mediáticas, mas atrever-se-á alguém a afirmar que o seu contributo não é importante?
Voltando então aos arquitectos, era fundamental fazer este trabalho de retorno ao público do nosso saber e das nossas preocupações. E esse trabalho devia ser promovido pela própria Ordem dos Arquitectos – porque todos beneficiaríamos com isso. Na nossa e nas outras ordens profissionais, tão importante como falar para dentro será abrir-nos à sociedade e devolver ao saber público o melhor de nós todos, sem arrogâncias altivas mas com a humildade dos grandes comunicadores que tanto nos têm ensinado.
Recordo-me de estar numa aula de Projecto do segundo ano da faculdade quando a professora lançou sobre nós a sentença cruel: “Vocês não têm cultura arquitectónica”. Aquilo ribombou sobre nós como uma pena de morte, era como se não tivéssemos Q.I., era ainda pior do que ser-se virgem.
Os arquitectos queixam-se recorrentemente da ignorância do povo. O povo quer é casinhas com beiradinhos, alizarzinhos, pilares coríntios, enfim, o povo gosta é das casas dos estrunfes. Não estou a dizer que os arquitectos não têm razão: cada um tende a gostar daquilo que conhece e a generalidade das pessoas conhece muito pouca arquitectura. É assim verdade que o povo – palavra que utilizo aqui num sentido muito lato – não tem cultura arquitectónica. Mas esta postura é uma ratoeira: nós os eruditos do lado de cá da trincheira e eles do lado de lá, esses ignorantes.
A formação profissional atira-nos para dentro de um universo próprio com regras e linguagens que só nós sabemos descodificar. Isto acontece aos arquitectos, aos cientistas, aos médicos, aos juristas, enfim, a quase todos. À medida que o nosso universo de referências aumenta mais específica fica a nossa linguagem. Tomamos como pressupostos-base coisas que os que estão de fora ainda nem sequer começaram a vislumbrar, e por isso a nossa linguagem vai-se tornando nebulosa, complexa e incompreensível.
Por isso é fundamental inverter esta tendência de ficarmos todos a falar para dentro. Há, de resto, exemplos notáveis de abertura de certas áreas ao domínio do homem comum com resultados extraordinários (e em áreas poventura bem mais complexas do que a arquitectura). Então vejamos:
Carl Sagan pode não ter sido o cientista mais genial e relevante da história da ciência. Mas o que seria da ciência sem Carl Sagan. Eis um homem que criou uma nova linguagem e abriu um continente de saber aos leigos. Alguém que soube revelar numa obra riquíssima o produto do trabalho de séculos de busca de saber. E fazendo-o, ofereceu ao mundo uma visão poderosa do que somos e do que sabemos sobre o mundo em que vivemos. Mas, talvez mais importante ainda, ao fazê-lo construiu na sociedade uma forte base de apoio à defesa da ciência e ao seu desenvolvimento.
Sagan não foi certamente o único notável comunicador científico - hoje, a informação científica é todo um sector profissional - mas a sua importância para a valorização da ciência é inquestionável.
Isto mostra que a abertura do saber à sociedade é uma fonte de enorme apoio social. Veja-se o caso de alguém como o psiquiatra Júlio Machado Vaz. Para além das suas qualidades como terapêuta, o seu trabalho na área da comunicação é um excelente serviço à psiquiatria. Ao partilhar com o cidadão comum muito do seu saber e da sua sensibilidade ele está a contribuir para despertar na sociedade uma consciência madura sobre aquilo que somos e o modo como nos relacionamos. O alcance dessa mensagem está infelizmente sujeito às prioridades mediáticas, mas atrever-se-á alguém a afirmar que o seu contributo não é importante?
Voltando então aos arquitectos, era fundamental fazer este trabalho de retorno ao público do nosso saber e das nossas preocupações. E esse trabalho devia ser promovido pela própria Ordem dos Arquitectos – porque todos beneficiaríamos com isso. Na nossa e nas outras ordens profissionais, tão importante como falar para dentro será abrir-nos à sociedade e devolver ao saber público o melhor de nós todos, sem arrogâncias altivas mas com a humildade dos grandes comunicadores que tanto nos têm ensinado.
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