[não pagamos]

Quinta-feira



(...)o ensino (tanto público como o privado) não são de borla e não há varinha mágica que torne o público em gratuito. Terá sempre de ser pago por alguém.
A questão é quem? Quem estuda, quer possa ou não possa pagar, ou todos, mesmo os que não estudam e os que não podem pagar?

Comentário de André Amaral.

Escrevi no texto anterior que era a favor de um ensino público inteiramente gratuito. André colocou esta pergunta que é legítima e à qual apresento os meus argumentos.

Eu acredito que para existir uma sociedade estável existem bens comuns que nos cabem a todos construir e preservar. E acredito que numa sociedade democrática cumpre ao Estado exercer esse papel, e cumpre aos cidadãos contribuirem para o reforço dessa grande entidade pública através de impostos.
Vamos então aos princípios da questão. Porque é que havemos de pagar impostos. Se eu ou os meus filhos não frequentam aquela Universidade, porque é que eu hei-de pagar para ela existir. Se eu nunca vou utilizar aquela ponte, porque hei-de pagar para a construir? Para mim a resposta é simples. Porque queremos viver numa coisa a que possamos chamar de País.

O que estou a dizer é isento de qualquer ironia. Se iniciarmos uma actividade e tivermos o mérito de a tornar rentável, isso não implica que a razão do sucesso seja inteiramente nossa. A sociedade funciona porque usamos uma estrutura comum. Tornámo-nos assim porque fomos à escola e não tiveram de ser os nossos pais a construí-la. Quando estávamos doentes fomos ao hospital e os nossos pais não o tiveram de o pagar sozinhos. Hoje andamos em estradas pagas por todos, levantamos o telefone e usamos uma rede paga por todos, abrimos a torneira e pagámos colectivamente a construção das infra-estruturas. Somos sucedidos porque vivemos numa sociedade para a qual todos devemos contribuir, colectiva e proporcionalmente às nossas capacidades.

E aqui está o princípio da resposta que sou capaz de dar à pergunta que me fez. O público não é gratuito, é pago por todos na medida das suas capacidades. Claro que quem não pode pagar não deve pagar, e quem pode pagar pouco deve pagar um pouco, não apenas para o que usa mas para a construção dessa sociedade colectiva.
E quem ganha muito deve pagar mais na proporção das suas capacidades e com reconhecimento da justiça dos seus méritos.
E isto para mim aplica-se às coisas que julgo serem essenciais para existir um Estado e um País: o Ensino, a Justiça, a Saúde e várias outras coisas que têm interesse público e para as quais todos deviamos conjuntamente contribuir.

E porquê as Universidades? Se os alunos que lá estão é que vão ser beneficiados, porque havemos todos de pagar para eles?
Para mim, a resposta também é simples. Se acreditamos que o ensino universitário é util para o país e que o enriquece, então cabe a todos financiá-lo. E se o país funcionar, esses futuros universitários encontrarão o seu “emprego melhor” e pagarão mais impostos que ajudarão, no seu percurso de vida útil, a enriquecer o futuro do país em que vivem (e a compensar os benefícios que tiveram). Repito, num país que funciona investir no ensino é investir num futuro melhor e mais rico para todos.

E agora deixamos a questão dos princípios e passamos para o País real. Será justo pagar esses impostos quando a estrutura pública vai revelando, ao longo de décadas, uma total incompetência na gestão da coisa pública. Será justo pagar se as escolas não têm qualidade, se os tribunais não funcionam, se os hospitais são débeis. E se os que mais ganham conseguem arranjar forma de pagar menos e os que menos ganham acabam por ter de pagar mais por isso. Talvez não, reconheço. Mas se o Estado gere mal os seus recursos, isso é razão para lhe retirar as responsabilidades, ou devemos antes exigir que essa gestão seja melhor? E como?
Eu também não sei responder completamente. Mas se deixarmos de contribuir para a existência de uma sociedade colectiva, o que fica no fim? É injusto pagar impostos? E que tal não pagá-los de todo? A cada um o seu dinheiro, o seu saber, a sua medicina, a sua segurança e a sua vida. E depois talvez acabemos todos por voltar às cavernas.

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